AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 4

Integração regional - O MERCOSUL e o Meio Ambiente

Poro Carlos Cardoso Aveline*

Apresentado por alguns como uma espécie de panacéia neoliberal capaz de resolver os problemas econômicos dos quatro países envolvidos, o MERCOSUL está na verdade caminhando com muita dificuldade, isolado da sociedade civil, e sem qualquer preocupação com a preservação ambiental.

O MERCOSUL é a ampliação da integração econômica entre Brasil e Argentina, começada em julho de 1986 com a assinatura de uma Ata para Integração, em Buenos Aires. Quatro anos mais tarde, os presidentes Menem e Collor assinaram, em julho de 1990, outra Ata fixando o prazo de 31 de dezembro de 1994 para a formação definitiva do mercado comum entre Brasil e Argentina.

A concepção segundo a qual o mundo está formando grandes blocos econômicos e nada pode ser mais importante do que isto estava, de fato, no auge. Já a valorização do mercado interno, a redefinição do perfil econômico em função das necessidades da população, a construção local de um modelo de desenvolvimento ecologicamente sustentável, eram idéias julgadas inconvenientes. A integração econômica latino-americana era vista como uma ampliação do mercado para beneficiar os mesmos agentes econômicos dominantes.

Em agosto de 1990, Paraguai e Uruguai foram convidados a fazer parte do processo de integração. Em março de 1991, foi assinado o Tratado de Assunção constituindo o MERCOSUL, que deverá – de acordo com os papéis – estar instalado até o final de 1994.

O MERCOSUL pretende estabelecer a livre circulação de bens e serviços e fatores produtivos entre os quatro países, com a coordenação das diferentes políticas econômicas e comerciais em cada um dos seus aspectos. O Conselho do MERCOSUL é o órgão superior do processo, formado por ministros de Relações Exteriores e da Economia.

Já o Grupo Mercado Comum é o órgão executivo, constituído de assessores dos diferentes ministros de cada país. O Grupo do MERCOSUL está dividido em subgrupos. Correndo por fora desta estrutura está a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL.

Há apenas dois anos do prazo estipulado, o Paraguai acaba de protestar contra a recente elevação de tarifas argentinas sobre produtos importados, e ameaça abandonar as reuniões do MERCOSUL. A mesma sobretaxa argentina já havia causado forte reação dos calçadistas brasileiros.

Os agricultores do sul do Brasil não têm como enfrentar a competição com os produtos agrícolas da Argentina. Integração a prazo curto não é tarefa fácil. A estrutura de uma economia nacional é complexa em si mesma. Cada governo nacional hoje já tem enorme dificuldade para harmonizar os diferentes setores da sua economia. Integrar atropeladamente os diferentes desajustes estruturais dos nossos países pode ser extrema imprudência.

O BID considera o MERCOSUL – assim como está – uma grande prioridade. Talvez porque pode ser uma oportunidade para fazer grandes investimentos e obras grandiosas, uma espécie de marca registrada dos bancos de ajuda multilateral.

A dinâmica concreta dos fatos, porém, mostra que o MERCOSUL está tendo problemas e precisará ser repensado de modo muito mais amplo. “O tempo de que dispomos é objetivamente curto”, admitiu há pouco o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Marcus Azambuja, no boletim “Carta do MERCOSUL”. Azambuja analisa assim as resistências ao MERCOSUL: “À medida em que as tarifas entre os quatro países se reduzem, aparecem naturalmente aquelas resistências setoriais ou locais que correspondem a atitudes defensivas de grupos em geral pouco competitivos e com baixa produtividade, apegados à proteção dos velhos muros protecionistas...”. 

Na verdade, a questão da integração econômica é mais complexa e tem uma realidade social que não pode ser ignorada, nem sequer pelo próprio ponto de vista econômico. É preciso participar do processo de integração atualizando e protegendo a produção local, porque sem esta até a capacidade de comprar o importado desaparecerá em seguida. Além dos problemas econômicos e sociais envolvidos na questão do MERCOSUL, há um terceiro aspecto que foi até agora ignorado: o impacto ambiental do processo.

Em outubro passado, um seminário promovido pelo BID discutiu durante vários dias, em Canela, no RS, a idéia de construir uma super-rodovia entre Buenos Aires e São Paulo. Com 2500 km, segundo um dos traçados possíveis, a estrada custaria algo entre 3 e 4 bilhões de dólares duplicando longos trechos da BR-116. O impacto ambiental não seria pequeno. Um, entre muitos problemas, seria duplicar a estrada que atravessa a Estação Ecológica do Taim, no extremo sul do RS, algo que os ecologistas não acreditam e é ilegal. Certamente, o traçado da super-rodovia destroçará grande quantidade de ambientes naturais, mas isto não é tudo.

O transporte automotor é uma opção de transporte inadequada. “Além de 300 km, o transporte rodoviário é anti-econômico", lembra o deputado estadual gaúcho Quintiliano Vieira (PMDB). E aponta a alternativa: “Por que não investirem cem milhões de dólares para melhorar as ferrovias do Brasil, Uruguai e Argentina, viabilizando um complexo que iria do Rio de Janeiro a Buenos Aires, com conexão em La Paz e assunção? A própria lógica econômica questiona a opção rodoviária para o fluxo comercial. E o ponto de vista ecológico lembra que o transporte baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis – carros e caminhões – é um dos principais fatores causadores de CO² e da desregulação climática que já multiplica secas, enchentes, tufões, furacões e outras catástrofes naturais mundo afora.

Assim, o Banco Interamericano demonstra certa irresponsabilidade ambiental neste episódio. Melhorar a rede ferroviária já existente seria muito melhor tanto ecológica como economicamente.

O deputado federal Adroaldo Streck (PSDB) escreveu: “Tomo conhecimento de alguns detalhes da projetada obra monumental de 4 bilhões de dólares e me pergunto: não existem outras questões mais urgentes para serem atacadas? Pelos números de que disponho e pela realidade que é do conhecimento público, convém não ter muita expectativa com o MERCOSUL”. Para Streck o que os quatro países precisam é "medidas saneadoras que coloquem no circuito do consumo milhões de brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios".

Outro motivo de preocupação com o processo atual do MERCOSUL, do ponto de vista ecológico, está na maneira como o subgrupo 07, que trabalha com a Política Industrial e Tecnológica, pretende harmonizar as legislações ambientais dos quatro países.

O primeiro passo, até maio de 1993, é o levantamento da legislação nacional e estadual em cada país “e o grau da sua aplicação efetiva". Depois, até julho, a tarefa será localizar as assimetrias e contradições. Até dezembro de 1993, de acordo com o cronograma aprovado, deve estar pronta uma proposta para tratamento da questão. A discussão da proposta tem o final previsto para março de 1994. Em novembro de 1994, o MERCOSUL deve aprovar documento final.

O problema é que o único dos quatro países que tem uma legislação ambiental cuidadosa é o Brasil. Nos outros países as leis de meio ambiente são pobres ou inexistentes. Por outro lado, um argumento usado é o de levar em conta “o grau de aplicação da legislação”. No Brasil, a legislação é bastante desrespeitada, o que é usado como argumento para desregulamentar o uso dos recursos naturais, nivelando por baixo as legislações ambientais do MERCOSUL.

É verdade que há na Comissão Parlamentar Conjunta um subgrupo de trabalho sobre Meio Ambiente. Mas ele não pode fazer nada porque ainda não foi instalado. Aliás, todos os outros subgrupos parlamentares tampouco saíram do papel. Por outro lado, para o MERCOSUL, “participação da sociedade" restringe-se a ouvir os empresários privados..

O MERCOSUL não poderá viabilizar-se seguindo a ótica neoliberal das grandes empresas, mas é importante porque coloca em pauta o tema da integração dos povos latino-americanos. E terá êxito quando os nossos povos possuírem um projeto histórico claro, uma visão sadia do futuro, e vontade firme de construir uma sociedade politicamente livre, socialmente justa, economicamente eficaz, eticamente correta e ecologicamente sustentável.

* Carlos Cardoso Aveline é membro da União Protetora do Ambiente Natural - UPAN - e um dos representantes das ONGs ambientalistas no Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. 

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