AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 10

Os centros de consumo : Mamute na Geleira

Por Arno Leandro Kayser*

Façam um teste com vocês mesmo. Imaginem-se num supermercado buscando um produto qualquer. Entre duas opções há uma com embalagem muito bonita e com muitas cores e outra bem simples. Qual seria sua escolha considerando que o peso e o produto sejam o mesmo?

A tendência natural e inconsciente seria a de buscar a colorida, não é? Mesmo lembrando que ela, geralmente, é mais cara, gasta mais energia e matéria prima para ser feita, e a que vai gerar mais lixo, ainda assim a tentação é grande. Ela, com seu apelo lúdico e sensual, parece oferecer algo mais. Mas ao chegar em casa, descascada a embalagem, a dura realidade salta aos olhos. Tudo não passou de uma ilusão e a gente investiu alguns preciosos tostões nalguma coisa trivial porém bem embalada.

Mais ou menos assim é que vejo um shopping center. Uma ilusão habilmente construída para induzir o comprador incauto a uma tentação consumista. Um mergulho num mundo de cores, luzes, ar condicionado e paredes fechadas.

 Tudo com o propósito de destruir seu senso crítico e torná-lo alvo fácil de um apelo consumista. Verdadeira dose de morfina para acalmar a dor de viver num mundo violento, poluído e injusto. Uma fuga da dura realidade.

 O próprio visual caprichado das pessoas que vão até lá, ajuda a compor a paisagem bonitinha de corpos sensuais desfilando na grande vitrine, te fazendo sentir feito astro de TV num grande comercial.

E as autoridades aplaudem. São mais impostos, mais grana girando e menos reclamação para com as necessidades básicas que muitos poucos têm satisfeitas.

Enquanto as pessoas correm atrás de respostas às suas muitas frustrações materiais e vazios existenciais, não olham para frente, para as verdadeiras causas desta máquina de fazer lixo e miséria em abundância que é a sociedade de consumo na qual os shoppings são a ponto colorida de um imenso iceberg. Sujeira que a gente trata logo de jogar debaixo do tapete ou do calçadão, em cima do arroio mais próximo pra não causar má impressão.

Isto sem falar na preciosa energia elétrica que poderia iluminar cidades e gerar muitos milhares de empregos em pequenas empresas. Energia que é queimada na refrigeração e iluminação destes templos de fim de século. Energia que significa milhares de árvores e animais afogados ou as toneladas de carvão inutilmente queimadas. Verdadeira orgia num país em que se nega o mínimo para milhões, para que uns poucos possam desfrutar destas ilhas de fantasias.

Isto sem esquecer de algumas maravilhas únicas, como as Sete Quedas no Paraná, que são imoladas na geração desta energia desperdiçada. Tudo gerando números estatísticos para justificar a necessidade de demolir mais algumas jóias raras como o estreito César Augusto e o Salto do Yucumã (Parque estadual do Turvo) aqui no Rio Grande do Sul ou a implantação de “seguras” plantas nucleares.

Preço oculto que se soma ao custo mais caro de tudo que há neles para vender, no qual vem embutido todo o custo desta loucura que atrai pessoas feito insetos numa noite de verão em busca da luz do poste.

 Mas a humanidade é livre pra fazer o que bem entender. Os shoppings estão incluídos nesta liberdade e seu preço é o custo que sempre há por trás da livre satisfação dos impulsos. E depois toda droga, se bem utilizada, pode ser algo libertador.

Não é segredo que as alterações de consciência que elas propiciam podem se conscientemente manejadas, gerar elevação e conhecimento. Pode ser divertido percorrer estes mastodontes de concreto pra ver de perto a cara pintada deste corpo doente.

Há o bem vindo aumento do número de cinemas e a possibilidade de um flerte bem gostoso. O que pode até ser bem divertido. Principalmente se a gente tiver bem consciente de onde está mergulhado e perceber que, apesar de todos os seus truques, o shopping é impotente para nos dominas se navegarmos em suas entranhas e em sua volta, com o pleno domínio do nosso ser.

Qual mamute no gelo ele nada pode fazer e é verdadeiro prazer descobrir que está ao nosso alcance ignorá-lo mesmo que enfiados bem dentro de sua bela goela.

Descobrir que a gente é livre e não precisa cair nas suas tentações nem precisa respirar o ar contaminado dos seus sufocantes e quase criminosos estacionamentos (será que não pode se fazer nada para acabar com estas quase câmaras de gás?) é algo muito legal, ainda mais sabendo que podemos derrotar isto tudo simplesmente não comprando e levando-os à falência.

Uma ação não-violenta que pode e vai dar certo quando todo mundo acordar destes sonhos coloridos e se tornar um consumidor consciente exercitando, na prática, a defesa da natureza nos gastos mais simples.

 Uma descoberta que te devolve o sentimento de autonomia e potência cuja ausência tanta falta tem feito nos nossos dias.


* O autor é eng. Agrônomo com especialização em Ecologia; presidente do Movimento Roessler de Defesa Ambiental – Rua Tarbo Dutra, 106 - Novo Hamburgo, RS. O presente artigo deixou de ser publicado em coluna que o autor mantinha em jornal regional em época da inauguração do novo shopping da cidade.






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