AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 10

Economia e Ecologia

Herman Daly deixa o banco Mundial e prega o abandono ao livre comércio

Introdução e tradução: Carlos Gustavo Tornquist

No início de 1994, o reconhecido economista Herman Daly, um dos principais defensores e divulgadores da idéia de uma economia sustentável, deixou o prestigioso cargo de senior economist no incipiente Departamento Ambiental do banco Mundial (mais precisamente Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), em Washington, exercido durante os últimos seis anos.

Ele explicou assim: “Aos 55, finalmente atingi a idade da razão e de uma aposentadoria precoce”. Herman Daly retoma, assim, sua carreira acadêmica, passando a lecionar na Escola de Políticas da Universidade de Maryland. 

A maior fraqueza do Banco Mundial em propalar o desenvolvimento sustentável é que ele só tem influência no Sul, não no Norte

Como prova de sua importância dentro daquela instituição, foi convidado a fazer um discurso de despedida.

Dentre as suas colocações, Daly refere-se aos principais problemas que afligem o BIRD na sua cinqüentenária trajetória. Muitas de suas referências já apareceram no Agir Azul nº 8 (*). Mas não podemos deixar de enfatizar este documento, na medida em que o Banco financia centenas de projetos por todo o Brasil e mesmo no Rio Grande do Sul, quase todos eles com sérias implicações ambientais.

Também não devemos esquecer que o surgimento de um Departamento Ambiental dentro do Banco Mundial, e assim, indiretamente, à própria ascensão de H. Daly a este influente cargo, no final da década de oitenta, se deveu em grande parte a incansável atuação dos ecologistas de todo o mundo – entre os quais, aqui entre nós, Magda Renner e José Lutzenberger.

A seguir, apresentamos excertos deste discurso de despedida de Herman Daly, pronunciado em 14 de janeiro de 1994:

Estou disposto a cair na tentação e fazer uma pregação e receitar alguns remédios para as “infirmezas” de meia idade que afligem o Banco. Muita gente boa trabalha no Banco Mundial e, usualmente, o fazem com muita competência e dureza, talvez até dureza demais. Entretanto, um administração de cima para baixo, mal orientada por uma visão não-realista do desenvolvimento, como se esse fosse uma generalização do superconsumo dos países do Norte para as massas do Sul, que se multiplicam rapidamente, tem levado a muitos fracassos externos, econômicos e ecológicos. 

A culpa desta visão não-realista do desenvolvimento deve ser atribuída tanto aos economistas teóricos nas universidades quanto aos economistas “praticantes” no Banco Mundial.

Tenho quatro receitas para que o Banco sirva melhor o objetivo de um desenvolvimento sustentável através de suas políticas e ações:

1. Suspender a contabilização do consumo do capital natural como receita – Subentende-se que devemos manter nossa capacidade produtiva intacta com o passar do tempo. Mas esta capacidade produtiva tem sido tradicionalmente vista como capital humano apenas, excluindo o capital natural. Habitualmente temos contado o capital natural como um bem gratuito. Isto pode ter feito algum sentido no mundo vazio de antigamente, mas no planeta “cheio” de hoje isto é claramente antieconômico.

2. Tachar menos trabalho e receita e mais fluxo de recursos – O sistema atual incentiva as empresas a diminuírem o número de empregados, e substituir mais capital e fluxo de recursos enquanto for possível. Seria melhor economizar no fluxo de recursos, pelo alto custo externo do seu próprio esgotamento e da poluição gerada, e ao mesmo tempo, utilizar mais mão-de-obra, pelos benefícios sociais decorrentes da redução do desemprego.

Ao mudar a base de impostos em direção ao fluxo de recursos, está se induzindo uma maior eficiência neste fluxo, e também internalizando, ainda que grosseiramente, as externalidades da exaustão destes recursos e da poluição. Esta mudança deveria ser uma peça chave nos ajustes estruturais [que vem sendo propostos e realizados em países em desenvolvimento pelo FMI e Banco Mundial], mas deveria, antes de mais nada, ser iniciado nos países do Norte.

De fato, o próprio desenvolvimento sustentável deveria ser estabelecido nestes países em primeiro lugar.

 É um absurdo esperar qualquer sacrifício em direção à sustentabilidade no Sul se medidas similares não tiverem sido tomadas no Norte. A maior fraqueza do Banco, em propalar o desenvolvimento sustentável é que ele só tem influência no Sul, não no Norte. Deve-se achar alguma forma de empurrar o Norte também. Os países nórdicos e a Holanda já começaram a fazer isto.

3. Maximizar a produtividade do capital natural no curto prazo e investir no aumento de seu suprimento no longo prazo – Para recursos renováveis e não-renováveis, é necessário investimento para fortalecer a produtividade do fluxo de recursos. Também aumentar a produtividade dos recursos é certamente um bom substituto para novas descobertas de depósitos destes. Acredito que a incapacidade do Banco em cobrar dos usuários os custos do capital natural certamente desestimula investimentos em projetos de recuperação.

4. Abandonar a ideologia de integração econômica global pelo livre comércio, livre mobilidade de capital e crescimento baseado na exportação – em favor de uma orientação mais nacionalista, que procure desenvolver produção doméstica para mercados internos como primeira opção, recorrendo ao comércio internacional quando claramente muito mais eficiente.

No momento atual, a interdependência global é celebrada como um evidente bem. A estrada real para o desenvolvimento, a paz e a harmonia é tida como aquela que passa através da incessante conquista do mercado de cada nação por todas as outras. A palavra “nacionalista” adquiriu conotações pejorativas. Tanto é assim que se torna necessário lembrarmos que Banco Mundial existe para servir os interesses de seus membros, que são nações-Estados, comunidades nacionais – não a indivíduos, corporações ou mesmo ONGs. 

O Banco não tem o mandato para servir a esta visão cosmopolita de integração global, de mundo sem-fronteiras – de conversão de economias nacionais ainda relativamente independentes, vagamente dependentes do comércio internacional para uma rede firmemente integrada, uma economia global da qual as nações enfraquecidas dependem para sua sobrevivência mais básica.

O globalismo cosmopolita enfraquece as fronteiras nacionais e o poder das comunidades nacionais e subnacionais, ao passo que reforça o poder relativo das empresas transnacionais. Como não há nenhum governo planetário capaz de regulamentar e fiscalizar o capital “globalizado” em nome do interesse global, será necessário tornar o capital menos global e mais nacional. Sei que isso é impensável no momento – tomem isso como uma profecia. Daqui a dez anos o bordão será “renacionalização do capital” e o “enraizamento do capital nas comunidades para o desenvolvimento nacional e das economias locais”.

Concluindo, estas são minhas pregações e receitas – obrigado por tê-las solícitos, por tê-las ouvido e por ter tido paciência comigo durante estes seis anos.






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