AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 10

Antropocentrismo ou ecocentrismo? – Por uma Ética Ecológica

Por Rogério Bardini*

Um texto de autoria de Circe Amado com o título “Ecologia Antropocêntrica ou Natureza em Harmonia?” que está circulando pela Rede Kurupira de Proteção à Biodiversidade questiona a visão antropocêntrica do movimento ecológico brasileiro. Esta discussão não é nova entre os ecologistas, mas ultimamente tem sido relegada a um segundo plano. Contudo, é de extrema importância e bastante atual.

No referido texto a autora alega que o movimento ecológico brasileiro tem sido “inteiramente antropocêntrico” e que os mais tratos aos animais se baseiam no “pensamento de Descartes, na religião católica e... sobretudo no imenso egoísmo humano”. Mais adianta a autora polemiza indagando “... que Deus diabólico, devastador e feroz é esse que mente, rouba, mata e enlouquece, bufa “crack” pelas ventas, estupra, faz guerras horrendas e armas capazes de destruir a Terra inteira?”.

A esse respeito há um texto bíblico que se refere, com precisão, à situação criada pela crise ecológica que vivemos, onde Deus estipula ao seu povo as condições para a sobrevivência da espécie humana: Eis que estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade... Se teu coração se desvia e não ouves... Eu hoje declaro: é certo que perecereis! Não prolongareis vossos dias sobre o solo... Escolhe, pois, a vida... Porque diante disto depende tua vida e o prolongamento dos teus dias... (Dt 30, 15-30)

Não pretendo fazer apologia da religião católica, afinal a mesma sempre foi propagadora do antropocentrismo, mas não podemos ser injustos ao ponto de não vermos alguns avanços e um certo esforço no sentido de mudar esta visão.

Basta rever o lema da Campanha da Fraternidade de 1979 “Preserve o que é de todos”, além da Campanha da Fraternidade de 1984 que teve como lema “Para que todos tenham vida” na qual o texto-base proclamava que “Deus é o princípio absoluto da vida. É o criador, a origem e o fim de tudo o que existe e respira no céu e na terra. Ele criou a todos para que tenham vida. Ele não se alegra com a perdição de nenhum ser vivo”.

Um outro exemplo foi a mensagem de João Paulo II, divulgada pelo Vaticano, para o Dia Mundial da Paz. A mensagem tinha como slogan, para a década de 90 “Paz com Deus, o Criador, paz com toda a Criação”. O documento exorta à reflexão sobre as questões do meio ambiente, afiançando que “mais do que uma moda ou uma corrente política, a Ecologia deve ter para os cristãos o mesmo peso que uma obrigação moral”.

 Estes documentos constituíram-se, apesar de tímida, numa tentativa de mudar a essência excessivamente humanista do cristianismo.

De fato, na origem dos problemas ecológicos atuais encontra-se uma mentalidade dominadora por parte do homem. Após milênios em que o homem sentia-se dominado pelas forças da natureza, ele passou à consciência de ser poder como <Senhor do Universo> (Antônio Moser). E quanto mais profunda se faz esta consciência, tanto mais se acentua seu poder destruidor. O homem já não vive com as criaturas, mas atua sobre elas e contra elas, manifestando a perda do sentido profundo da Criação.

A Terra nem sempre produz mais a erva verde, ou frutos, de que fala o Gênesis (1:12). Esse quadro, como não poderia deixar de ser, contribui poderosamente para a perda da identidade do homem com a natureza. De fato, a natureza morta não serve ao homem. A utilização dos recursos naturais, inteligentemente realizada, deve subordinar-se aos princípios maiores de uma vida digna, em que o interesse econômico cego não prevaleça sobre as exigências da vida em comunhão, pois não pode o homem viver em paz consigo mesmo enquanto estiver em guerra com a natureza.

Estamos, então, diante de uma questão ética! As colocações de Circe Amado têm valor à medida que nos reportamos à questão central: ANTROPOCENTRISMO OU ECOCENTRISMO? E como a Ética visa o comportamento humano, e mais do que isso, visa as atitudes humanas, devemos, então, rever nossas atitudes diante da natureza e da vida.

A natureza tem seu modo de ser, suas leis, seus comportamentos. Assim, não podemos pensar uma ética para o homem e outra para a natureza. A interdependência do homem e da natureza exige uma ética que não sobreponha o racional ao irracional (ou segundo Darwin – o mais inteligente sobre o menos inteligente), mas uma igualdade naquilo que é essencial para ambos – a sobrevivência. Devemos ter, então, uma Ética Ecológica ou Integradora (Albert Schweitzer), ou seja, uma ética em que todos os seres vivos são importantes e inteiramente necessários, complementando assim o mandamento cristão: amai-vos uns aos outros. Assim, o homem é conduzido a dar a todo desejo-de-vida a mesma reverência pela vida que dá ao seu próprio desejo-de-viver.

No momento em que se fala de salvar a natureza, recuperar o meio ambiente e lutar pela causa ecológica, não se deve pôr na escala de valores a oposição dentre o homem e a natureza, provando que um ocupa escala superior e vice-versa.

Trata-se de reconhecer que, embora em escalas diferentes, ambos, homem e natureza, possuem valores complementares e teleológicos (Josafá C. Siqueira, S.J.); complementares porque as interações biológicas estão interligadas entre si, de tal forma que desequilíbrios afetam ambas as partes.

 A destruição de florestas, por exemplo, não afeta só os vegetais e animais que ali interagem, mas o próprio homem e seu meio ambiente. Teleológicas porque ambos, homem e natureza, foram inicialmente criados com uma dose muito grande de amor para um sentido mais pleno e mais transcendente.

Desta forma não podemos nos ater somente às folhas e galhos, pois corremos o risco de perdermos a visão da floresta.






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* O autor é coordenador-geral do MOVET – Movimento Ecológico Tubaronense, Caixa Postal 1162 – 88701-300 Tubarão – SC. Correio eletrônico: movet@ax.apc.org .