AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 10

Acordos Multilaterais

 O GATT, a OMC e o Brasil

Por David Hathaway*

 Especial para AgirAzul via Alternex

Funcionou o rolo compressor do Governo e de lideranças do Congresso para promover a ratificação do texto final do GATT (General Agreement on tariffs ND Trade – Acordo Geral de tarifas Aduaneiras e Comércio) por votação simbólica em regime de urgência, em dezembro. Mas existem pontos críticos no seu conteúdo que não podem deixar de serem criticados por trazerem aos brasileiros alguns retrocessos graves.

Centenas de entidades científicas, religiosas, ambientalistas, sindicais e outras já se pronunciaram contra a exigência do patenteamento de seres vivos e de biotecnologias contida no texto final do GATT e isto teria efeitos danosos sobre a agricultura e a soberania nacional no uso dos recursos genéticos.

Neste momento é iminente a votação do Projeto das Patentes (PL 115/93) no Senado Federal, para implementar esta imposição, já bastante conhecida. Urge mantermos a pressão sobre os Senadores em cada estado contra patentes para seres vivos e biotecnologias. 

Há outros pontos também seríssimos – porém menos conhecidos – sobre os quais teremos que manter a vigilância durante o governo Fernando Henrique. O novo GATT, na forma da nova Organização Mundial do Comércio (OMC), coloca severas restrições à liberdade dos países para defenderem seu meio ambiente, saúde e consumidores.

 Sob o manto da “harmonização” de normas técnicas que possam afetar o comércio (“Barreiras Técnicas ao Comércio”), o Acordo esconde a subordinação dos países membros da OMC a uma autoridade normativa internacional (não nomeada no texto e, portanto, desconhecida). Esta autoridade ditará os padrões máximos de rigor que qualquer país poderá impor em matérias de normas técnicas para todo e qualquer produto, seja industrial ou agrícola (com exceção dos agrotóxicos).

O Brasil se verá assim impedido de manter padrões mais rigorosos do que a norma “técnica” internacional, mesmo que este seja o seu desejo expresso democraticamente pelo povo e seus representantes.

O Acordo poderá exigir mudanças no sentido de afrouxar leis nacionais já em vigor, particularmente nas áreas de meio ambiente, de saúde pública e de defesa do consumidor. Como as novas autoridades internacionais ainda não existem, sequer são previsíveis todas as conseqüências. O que se espera, no entanto, inclui, por exemplo, a impossibilidade de proibir a exportação de madeira em toras ou a importação de produtos químicos considerados pela lei nacional como “lixo tóxico”, já que tais medidas poderiam representar barreiras puramente “técnicas” ao comércio internacional, aos olhos de parceiros comerciais que buscariam retaliações através da OMC. Na área de defesa do consumidor, estas normas afetariam desde a segurança dos produtos em si até a informação apresentada nos rótulos, exigências para reciclagem, etc.

As exceções previstas para normas nacionais mais rigorosas se limitam a “fatores climáticos, geográficos ou tecnológicos fundamentais” específicos de um país, ou a disponibilidade de “informação científica e tecnológica” que dificilmente será admissível por desafiar a evidência “científica” que terá fundamentado a norma internacional em questão.

Por outro lado, o Acordo sobre Barreiras Técnicas atenta contra as competências constitucionais de estados e municípios (mais diretamente o Artigo 23, incisos II e IV; e Artigo 24, incisos V, VI, VIII e XII, e parágrafos 1 a 4 da Constituição de 1988) de também legislarem normativamente nestas mesmas áreas de meio ambiente, de saúde pública e de defesa do consumidor. O artigo 3 deste Acordo prevê a exigência de que o governo central, a União, “formule e implemente medidas e mecanismos positivos” para que os governos locais se adaptem as normas internacionais reconhecidas nacionalmente como limite máximo ao rigor.

O Acordo sobre “Medidas Sanitárias e Fitossanitárias” complementa o capítulo de Barreiras Técnicas para a área de agrotóxicos, e, como efeito, derruba os artigos mais potentes da Lei dos Agrotóxicos (nº 7.802, de 1989), justamente aqueles que proíbem o registro de agrotóxicos cancerígenos, mutagênicos e teratogênicos e delegam poderes aos Estados e Municípios para controlarem supletivamente o comércio e uso de agrotóxicos.

 A OMC estabelecerá uma autoridade internacional para ditar quais agrotóxicos os países terão que permitir, mas não os produtos que teriam que ser proibidos.

A principal entidade nesta Autoridade será a Comissão Codex Alimentarius, órgão conjunto da FAO e OMS, que há décadas sugere normas para resíduos de agrotóxicos nos alimentos, como sugestão não compulsória para os países.

 Pelo Acordo do GATT sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, o Brasil poderá ser obrigado a aceitar novamente venenos cujo uso já proibiu soberanamente, contrariando os interesses multinacionais cujos representantes notoriamente dominam os trabalhos desta mesma Comissão Codex. As regras e critérios impostos por este Acordo são até mais imperiosos e detalhados do que os do Acordo sobre Barreiras Técnicas em geral, e terão efeito não somente sobre os venenos admitidos na agricultura nacional mas também sobre o controle de resíduos venenosos permitidos em alimentos importados.

Foi lamentável, no mínimo, a votação pelo Congresso do Acordo do GATT, sobretudo a ratificação “às cegas” de um acordo que exige mudanças em várias leis nacionais conquistadas na última década, como parte do processo nacional de democratização, e até na Constituição de 1988 em cláusulas que qualificam a própria natureza do sistema federativo nacional.

O Governo nunca informou ao Congresso – e muito menos a população – sobre a necessidade destas (e outras) leis complementares para que o País cumpra com suas obrigações perante a nova OMC. É preciso exigir que o Governo apresente imediatamente todas as novas leis e propostas de emendas constitucionais que o texto ratificado requererá para a chamada “harmonização profunda” do País com o Acordo Final do GATT, que efetivamente será uma nova Lei Maior.


* O autor é economista, consultor do AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa), e desde 1991 vem acompanhando o projeto das patentes e políticas de biodiversidades e recursos genéticos para entidades ambientalistas nacionais.






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