AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 10

A pirataria no Atlântico Sul – S.O.S. Greenpeace!

Por Péricles Azambuja*

O extenso litoral do município de Santa Vitória do Palmar, que do Farol do Sarita vai até a desembocadura do Chuí, no derradeiro limite austral do Brasil, conhecido como costa do Albardão e também do Hermenegildo – onde, em 1978, grave desastre ecológico causou a morte de mariscos e peixes -, a maior do mundo, tem sido, desde longo tempo quando ainda Campos Neutrais, nos fins do século XVIII, alvo de pirataria contra salvados e carga de navios que por aí naufragam, vítimas das surpresas de um clima oceânico instável, determinado pelo choque de correntes vindas do Equador e do Antártico, aliado ao sopro indomável do pampeiro e dos ventos do quadrante sul.

Um desses exemplos, foi o Príncipe de Gales, no século passado, provocando séria questão diplomática com a Grã-Bretanha, que exigiria do Império vultosa indenização, sob as ameaças do Almirantado, por danos de seus súditos que mal sabia que pertenciam à Coroa Imperial em longínquas e desérticas províncias do sul.

Hoje, essa pirataria, de um tipo a extinguir-se, depois da instalação dos Faróis, acabou dimensionando-se em algo mais grave que o assalto às embarcações que o irado Atlântico lançava às solitárias praias do Albardão e do Chuí. Trata-se de um flibuteirismo mais perigoso e insidioso, mais danoso e agressivo, porque atinge o cerne das riquezas ictiológicas que possuímos nessa imensa área marinha.

É a pesca ilegal, contraventora e arrazante praticada por barcos vindos do Norte brasílico, exorbitando dos direitos à exploração econômica da plataforma na linha litorânea, atuando às vistas cegas dos fiscais da lei e das entidades estatais protetoras, como o IBAMA.

São numerosas as flotilhas pesqueiras que, ano inteiro, percorrem estes lugares marinhos que encostam na linha fronteiriça das águas uruguaias, inclusive invadindo-a muitas vezes, na perseguição dos cardumes, entre eles o da enchova que, entre outras espécies, em épocas definidas pela natureza, vão buscar o alimento, depois da desova, ao longo dos mares patagônicos. Sem obedecer os limites definidos pela lei da pesca no uso do arrasto ou do sistema de parelhas, estes barcos invadem as três milhas proibitivas da linha costeira, utilizando, ainda, explosivos e outros processos condenados, vitimando, por exemplo, os filhotes que mantém as espécies, atingindo, ainda, outras que lhe são indiferentes às suas tarefas de captura, entre elas as do mundo vegetal marinho como as algas e dos invertebrados, como moluscos e crustáceos que com estas convivem na orla atingida por suas redes.

Pescam à vista de todos, até distâncias de menos de 100 metros da rebentação, quase bordejando as últimas vagas que vão ter à praia.

Paulo Moreira da Silva, insigne homem do mar de nossa Armada, de saudosa memória, ex-presidente da FEMAR – Fundação para o Estudo do Mar, RJ, já nos ensinava, em seu precioso opúsculo O desafio do Mar, que o “produto da pesca é um juro que se obtém de um capital: uma população de peixes. O capital existe e não pode ser tocado, sob pena de extinguir os juros. Os juros, estes são retirados por quem quer que tenha coragem de pescá-lo no barco”. 

E acrescenta, mais adiante “um cardume de peixes é uma população natural, que se mantém em equilíbrio, que tende a se manter constante porque consegue, com a reprodução, compensar, cada ano, a mortalidade natural. Na realidade, a espécie só existe, só sobreviveu, porque conseguiu essa compensação”.

É evidente – ressalta ainda o brilhante oficial da Marinha em seu instrutivo trabalho sobre as riquezas do mar – que, embora o estofo biológico de suas águas seja reciclável, pela reprodução, isto não basta se, pela intromissão irracionalizada da tecnologia pesqueira, acabamos por reduzir essa reprodução a níveis prejudiciais, matando indiscriminadamente os filhotes, usando instrumentos de captura incompatíveis à seleção necessária ao equilíbrio ecológico da vida oceânica, que atinge sua biomassa e seus elementos fundamentais como os plânctons, moluscos e crustáceos, constitutivos da escala alimentar inferior da alimentação dos peixes, destruindo-os em sua capacidade reprodutiva, fazendo regredir as espécies até sua extinção, como tem ocorrido com algumas desde a predação dos pescadores árticos, no século XVIII, e como estão sendo ameaçadas as baleias que lutam para sobreviver, como os penípedes, agora protegidas por um santuário ecológico acima dos 40º de L. Sul, estabelecido pela Convenção de Puerto Vallarta, México, na reunião anual da Comissão Internacional Baleeira.

A destruição das espécies marinhas pela pesca indiscriminada, decorrente da ambição econômica aliada a um consumismo sem controle, é uma resultante da tecnologia moderna, inventada pelo norueguês e explorador polar Larsen, que esquematizou os barco-feitorias e processos de captura de uma eficiência antes não conhecida, processos esses que se vem desenvolvendo com alta sofisticação, inclusive uso do radar, mormente entre os japoneses e aplicados por países como a Rússia, Noruega, Coréia do Sul e outros tantos.

Infelizmente, as Convenções e a Justiça Internacional não dispõem de gerdameria marítima, nem poder coercitivo, para o cumprimento de suas decisões, salvo se a ONU delegasse aos Estados Unidos, como noutros casos, essa incumbência. No entanto, cumpre salientar que, em certa medida, essas convenções vem sendo observadas pelos países signatários que, agora, derrotaram o Japão e a Noriega no caso da preservação das baleias em área determinada sobre a Antártida, o que surpreende porque o Brasil, também signatário de documentos protetores, (e mesmo foi sede do maior simpósio ecológico internacional, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizado em junho de 1992 no Rio de Janeiro, o Congresso Universal Eco-92, com as Declarações do Cume da Terra, sem precedentes, permite que a pesca predatória se dê em seu próprio território, como o caso dos pesqueiros do litoral do Albardão e do Chuí.

E por omissão, ou não, faça ouvidos de mercador aos constantes reclamos contra procedimentos contrários à sobrevivência das espécies marinhas dessa área geográfica, o peixe – e o marisco branco também – que nos alimenta e é fonte de trabalho para as famílias de pescadores, um fato fortemente inserido no contexto social.

Por essa razão, é que a ECOPALMAR, entidade ecológica de Santa Vitória do Palmar, Rio Grande do Sul, decidiu, interpretando a angústia de ser povo em ver destruído seu ptencial pesqueiro, que além de servir aos pescadores, é fonte de atração turística para estes aprazíveis lugares do Brasil austral, e dos que neles veraneiam permanentemente, formular uma incisiva DENÚNCIA, de caráter coletivo, a nível internacional, que consta de um MEMORIAL dirigido à Greenpeace, sociedade mundial de defesa do meio ambiente da Mãe Terra, do mais alto prestígio universal, manifestando sua profunda apreensão pelo que está se passando nestes mares sulinos, antes fecundos, e solicitar a essa entidade, segundo as normas do Direito Ecológico Internacional, e das convenções que o próprio Brasil assinou, para que proceda convenientemente e de forma rigorosa contra essa agressão à natureza, que todos presenciamos sem meios de impedi-la, a predação pesqueira de nosso litoral, enviando uma Comissão especializada a esta região para verificar in loco o que ocorre, tomando, em conseqüência, as medidas necessárias para reprimir o abuso e as violações registradas, junto ao nosso Governo ou a quem de direito, sob a invocação daquele memorável princípio, proclamado por Jean-Michel Cousteau, de que as riquezas marinhas, como as demais da biosfera, são patrimônio que devemos inquestionavelmente transferir às gerações porvindouras, como direito de herança inalienável.


* O autor, 67 anos, já publicou História das Terras e Mares do Chuí, Antártida – História e Geopolítica, Falkland ou Malvinas – O Arquipélago Contestado, entre outras obras. É conselheiro da entidade ambientalista ECOPALMAR. Contatos através da Caixa Postal 145 – 96230-000 Santa Vitória do Palmar, RS

Greenpeace recebe abaixo-assinado

O jornalista Péricles Azambuja e o Silvio Marchiori, ambos da Ecopalmar, entregaram a Roberto Kishinami, diretor-executivo da Greenpeace brasileira, em 26 de novembro, na sala interna do navio MV Greenpeace, em Porto Alegre, o memorial subscrito por cerca de três mil moradores de Santa Vitória do Palmar contra os barcos pesqueiros predadores do nosso litoral, infringindo leis brasileiras e tratados internacionais. Kishinami afirmou à comitiva que encaminharia o material à sede internacional da organização.






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