AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 10

Administração municipal de Porto Alegre

A história do Incinerador que não saiu do papel

Por Zeno Simon*

Porto Alegre está livre de ter instalada em seu território uma nova fonte emissora de dioxinas – pelo menos por um bom período. A FEPAM negou definitivamente a Licença de Instalação da “Central de Tratamento Técnico de Resíduos Hospitalares” que o DMLU pretendia instalar no Aterro da Zona Norte. Os motivos da negativa de licença, comunicados oficialmente ao DMLU em agosto de 1994, são os seguintes:

1. O projeto apresentado pela empresa fornecedora do equipamento com vistas à obtenção da Licença de Instalação (e aprovada pelo DMLU) não corresponde às informações que haviam sido prestadas pela proponente anteriormente, para obtenção da Licença Prévia (também aprovadas pelo DMLU);

2. O projeto apresentado, apesar de todas as adaptações propostas (a partir de críticas técnicas apresentadas pela FEPAM e Agapan), não possui características que permitam sua instalação e operação em área urbana do município de Porto Alegre;

3. A localização do empreendimento (defendida pelo DMLU desde o início, inclusive mediante a execução de obras preparatórias no local mesmo antes do licenciamento) é inadequada, o que anula a Licença Prévia anteriormente concedida;

4. Foram verificados problemas operacionais e de baixo desempenho em sistemas similares implantados em outros locais do país.

Essa manifestação da FEPAM encerra uma das maiores polêmicas já ocorridas entre o Poder Executivo Municipal e os ambientalistas em Porto alegre, cuja fase mais intensa foi travada em 1991, quando Olívio Dutra ainda era o prefeito. Em maio daquele ano, o ecologista Sebastião Pinheiro denunciou, no Jornal do Brasil, um esquema suspeito pelo qual prefeituras administradas pelo PT estariam sendo levadas a adquirir, geralmente sem licitação, incineradores de uma determinada firma (SPA, de Rio Claro-SP), a qual também vendia serviços de recuperação de lixões e “bioremediação”.

Por efeito da denúncia, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre instaurou Comissão Parlamentar de Inquérito cuja conclusão, aprovada pelo Plenário em dezembro daquele ano por 18 votos favoráveis a 9 contra, exigia da Prefeitura que devolvesse o equipamento à empresa SPA e anulasse o respectivo contrato. O DMLU, à época, ignorou o resultado da CPI e as abundantes evidências que a Agapan sistematicamente fornecia acerca do fracasso do equipamento em municípios paulistas.

Até agostos de 94 a autarquia portoalegrense, insensível às notícias acerca do progressivo desmantelamento do setor de incineração da SPA, esperou pela manifestação da FEPAM, imaginando que alguns “remendos” propostos pela empresa fossem resolver os problemas conceituais intrínsecos do equipamento, amplamente abordados pela Agapan não apenas em depoimentos na CPI como no seu jornal de Sobrevivência.

Além da própria CPI ter enviado o processo a Ministério Público, a Agapan também o fez, inconformada com a inexplicável teimosia do DMLU. Segundo informações da Promotora de Justiça Silvia Capelli, a respectiva Ação Civil Pública está em fase de alegações finais, com requerimento de liminar para que não seja instalado o incinerador no Aterro Sanitário da Zona Norte, posição agora reforçada pela negativa de licença da FEPAM.

Aliás, a própria situação do Aterro como um todo complica-se cada vez mais: em sentença do juiz da 3ª Vara da fazenda Pública, Irineu Mariani, o DMLU foi proibido de continuar a utilizar aquele local para disposição do lixo da capital a partir de janeiro de 1995, dispondo de prazo até dezembro para encontrar outro local onde possa dispor o lixo sem ameaça às águas subterrâneas – problema que ocorre no Aterro da Zona Norte e que um trabalho de recuperação executado posteriormente pela SPA naquela área (que a própria empresa resolveu rotular de “bio-remediação”) não pôde resolver.

O desfecho da questão é considerado uma grande vitória, principalmente pela Agapan. As razões da FEPAM são, em síntese, as que a Agapan já aduzia desde o início da polêmica.

Repercussões internas

Em vista da posição inflexível da Administração Popular neste tópico (que contestava estranhamente com sua pregação sobre a participação popular na gestão do município), apesar das esmagadoras evidências contra a incineração em geral (vide matérias sobre “dioxinas”, pág. XXXX desta edição) e contra os equipamentos da SPA em particular, a Agapan sofreu na época enorme desgaste, principalmente interno.

Celso Marques, o então presidente, recorda com amargura o patrulhamento sofrido por membros e conselheiros da Associação que também eram comprometidos com a gestão de Olívio, Prefeito, e Darci Campani, Diretor-Geral do DMLU.

Conselheiros e diretores da Agapan que procuravam manter-se fiéis ao caráter transpartidário da questão sustentavam constrangidos embates com aqueles que assumiam, tácita ou explicitamente, a defesa intransigente das posições da Prefeitura. Particularmente, acirrou-se a disputa entre os então vereadores (e Conselheiros da Agapan) Giovani Gregol e Gert Schinke, culminando com a espalhafatosa saída deste último do PT para o PV.

Hoje, os protagonistas mais ruidosos da polêmica estão noutras paragens. Gregol foi considerado inelegível na última eleição do Conselho da Agapan, por estar em débito com a associação; porém, conseguiu reeleição à Câmara. Caio Lustosa, Secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre à época da CPI (e criticado por alguns ecologistas por não ter se posicionado firmemente acerca do inconveniente incinerador), afastou-se da Agapan e da SMAM. 

E Gert Schinke, que a seguir envolver-se-ia em outra polêmica – a denúncia de corrupção envolvendo a RIOCELL e o então vereador Dilamar Machado -, sobre a qual também foi instaurada uma CPI, que acabou em pizza – afastou-se de tudo: largou a Agapan, a Câmara (não se reelegeu), o PV e até Porto Alegre, mudando-se para Florianópolis. 

O problema continua

Darci Campani, substituído por Ideraldo Caron no DMLU quando Tarso Genro assumiu a Prefeitura da capital, tentou eleger-se Conselheiro da Agapan – não teve êxito nas duas tentativas, em 91 e 93, foi eleito Conselheiro nacional da ABES e vai assumir em janeiro de 1994 vaga de vereador em Porto Alegre em decorrência da subida de vereador da bancada para a Assembléia estadual.

O problema do incinerador, porém, continua. O DMLU gastou uma quantia não conhecida em obras de preparação de terreno e infra-estrutura do incinerador, as quais, agora, não têm nenhum sentido prático e estão localizadas em local interditado judicialmente. Além disso, aproximadamente 74% do valor total do equipamento já foram pagos. Na época da CPI, a Agapan insistia em apontar o alto risco desse contrato, que propiciaria, em caso de um desfecho negativo à SPA, uma grande dificuldade de ressarcimento das despesas à Prefeitura.

O veemente contra-argumento do DMLU era que o contrato, muito antes pelo contrário, previa tal ressarcimento e que isso seria feito, caso necessário. 

O atual cenário não poderia ser pior para isso: Luiz Mário Queiroz Lima, o “guru” da SPA na época, Professor-Doutor da UNICAMP, admirado e cultuado pelo DMLU como grande sumidade na área (autoridade que a Agapan nunca reconheceu), teria se afastado da diretoria da empresa e perdeu o emprego na UNICAMP. A SPA, além de praticamente desativar sua linha de incineração, não teria fluxo de caixa para ressarcir prontamente o DMLU.

O assunto se complica porque também os hospitais privados contribuíram financeiramente com a compra do incinerador, mas sua não instalação anula o contrato que firmaram com a Prefeitura de Porto Alegre. Além disso, também o Governo do Estado (via METROPLAN) e o Ministério da Saúde, que pagaram parte do equipamento, são credores da SPA.

A Agapan, recentemente, representou junto à Procuradoria-Geral da Republico no Rio Grande do Sul para que se instaure processo visando à devolução das verbas federais; em nível estadual já há processo tramitando no Ministério Público, presumivelmente na Coordenadoria das Promotorias Cíveis, segundo informação da Promotora Silvia Capelli.

A Agapan considera que esse resultado é um alerta acerca das outras atividades da SPA. Apesar do intenso conflito travado acerca da incineração, o DMLU manteve por um ano, seguido de aditamento por três meses, o contrato com a empresa visando à “bio-remediação” do Aterro Sanitário da Zona Norte.

A Agapan sustenta que esse rótulo é totalmente inapropriado e questiona tecnicamente muitos aspectos do trabalho, além do seu custo – críticas endossadas por alguns técnicos da METROPLAN, que afirmam que o DMLU não teria executado, naquela área, o que fora inicialmente previsto. Além disso, a sentença judicial interditando o Aterro coloca mais dúvidas sobre os recursos despendidos na recuperação da área visando à sua operação, em novos moldes, por tempo considerável: não teria sido prudente aguardar o desfecho da Ação Civil Pública?

Por seu turno, a SPA, fazendo eco à intransigência da prefeitura, jamais fez concessões aos críticos. Celso Marques, ex-presidente, e José Secundino Fonseca, atual diretor (ambos da Agapan), foram processados pela empresa paulista por matérias divulgadas no jornal Sobrevivência, à época da grande polêmica. Os processos prescreveram.

A avaliação que a Agapan fez de todo o episódio, desde os idos de 1991 até os desfechos recentes, é a seguinte: o DMLU e a Prefeitura optaram por jogar todas as fichas no Aterro da Zona Norte e na SPA – e perderam quase todas. E, se as advertências do movimento ambientalista da capital tivessem sido minimamente ouvidas, muitos problemas não teriam ocorrido.


* O autor foi vice-presidente da Agapan – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural em 1991 e hoje pertence ao seu Conselho Superior. Contatos com a Agapan: Rua Tomás Flores, 340, Porto Alegre. Fone (051) 227-1586. No Alternex: agapan@ax.apc.org .






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