AgirAzul Revista 1992-1998

Todo o conteúdo editorial da publicação em papel

AgirAzul 10

Legislação: Degradação Ética ameaça o Meio Ambiente

Por Maude Nancy Joslin Motta*

No Diário Oficial da União de 20-10-94 consta o Decreto nº 1.282, que se propõe a regulamentar os artigos 15, 19, 20 e 21 do Código Florestal (Lei nº 4.771/65, adequada à Constituição de 1988 pelo Programa Nossa Natureza).

E daí? Daí que o mínimo que se pode dizer do Decreto nº 1.282 é que é inconstitucional e ilegal, imoral, antiético, anacrônico e retrógrado.

O Decreto foi republicado em 9-11-94, “por ter saído com incorreções”. As correções não sanaram os seus vícios.

 Continua a dispensa da apresentação de EIA/RIMA (Estudos de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) para os planos de manejo aprovados pelo Ibama. Ou seja, é revogado (por decreto) o art. 255, parág. 1º, IV, da Constituição Federal, que exige estudo prévio de impacto ambiental e sua publicidade para atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente.

Num país em que planos de manejo são elaborados em série e conduzidos a trator de esteira e corrente, além de inconstitucional, o dispositivo é imoral. A “correção” efetuada limita a dispensa de EIA/RIMA a ‘projetos com área inferior a 2 mil hectares”.

A coisa não pára por aí. Exclui-se (por decreto) a participação da sociedade civil no licenciamento ambiental. Como? Simples. Os pedidos de licença ambiental devem ser publicados, abrindo espaço para comentários dos cidadãos, individual ou coletivamente, além das audiências públicas. Já os planos de manejo limitam-se a transitar pelos corredores do IBAMA, sem que deles sociedade civil seja informada.

E o SISNAMA? Os órgãos estaduais de meio ambiente, de acordo com o citado Decreto, estão fora do jogo. Revogam-se (por decreto) as determinações da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).

 Chega? Não. Além da dispensa do EIA/RIMA (por decreto), exime da apresentação do próprio plano de manejo aos “pequenos e médios” imóveis rurais.

Mais ainda? O Decreto admite “uso alternativo do solo”, mediante corte raso, na proporção de 50% da área total da propriedade. Conflita com seu artigo 1º, que só admite “manejo florestal sustentável”. Falar em corte raso de florestas primitivas da Amazônia é estarrecedor. Ver tal assertiva em Diário Oficial é inadmissível.

É muito perigosa a permissibilidade para corte e comercialização da seringueira e da castanheira, oriunda de “obras de relevante interesse público”, neste último caso “por agressões antrópricas”.

Voltemos aos Estados. Lembram-se das lutas para garantir que os recursos oriundos da reposição florestal obrigatória fossem efetivamente transformados em florestas plantadas, em vez de se perderem no poço sem fundo do IBAMA/Brasília? Pois bem, as leis estaduais que se considerem revogadas (por decreto).

Fica a dúvida se o texto deste Decreto levou em consideração a Constituição de 1988 e as leis posteriores, tal é o anacronismo. As florestas parecem ser vistas exclusivamente do ponto de vista econômicos, sem quaisquer preocupações sociais, ambientais ou culturais. É retrógrado com relação até ao Código Florestal de 1934. Getúlio Vargas não teria ousado tanto.

Ignora totalmente o fato de que o artigo 21 já foi regulamentado no bojo do programa Nossa Natureza, pelo Decreto nº 97.628/89. 

Ainda, desconsidera completamente o fato de que o IBAMA está sucateado. O que esperar? No mínimo, a aprovação de planos de manejo sem vistoria (quando não há veículo disponível, falta combustível; existindo os dois, falta funcionário). Conviria fazer o levantamento da quantidade de planos de manejo aprovados pelo IBAMA e embargados pelos órgãos ambientais estaduais e municipais ou por ordem judicial.

Tem muito mais. Mas estas primeiras pinceladas expressam a gravidade do caso. Finaliza-se com duas considerações. A primeira: a quem aproveita o Decreto? Talvez o parágrafo único de seu artigo 7º forneça algumas pistas: “... implantação de projetos de colonização, de assentamento de população, agropecuários, industriais, florestais, de geração de transmissão de energia, de mineração e de transporte”.

A segunda consideração: não se pode deixar a degradação ética suplantar as possibilidades de desenvolvimento viável a longo prazo (ou ecodesenvolvimento). A cidadania pode optar entre duas alternativas:

1. reivindicar ao presidente da República a imediata revogação desse ignomínia jurídica que é o Decreto nº 1282/94;

2. apelar para o Judiciário, argüindo a sua inconstitucionalidade. Quem sabe, trilhando esse caminho fique evidenciado que a degradação emabiental e ética pode e deve ser evitada.

* A autora é advogada e representante das entidades ambientalistas da região sul junto ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Este texto foi publicado originalmente no Informativo INESC de novembro/94, nº 52.






© 1992-1999 / 2007/2008 / 2024  João Batista Santafé Aguiar - É proibida a reprodução total ou parcial sem permissão por escrito / por email do autor ou detentor dos direitos. AVISO LEGAL - Eventualmente, os endereços informados, tanto os convencionais, como os eletrônicos como páginas web ou endereços de emails, serão os da época da publicação, não sendo mais funcionais, não havendo qualquer responsabilidade do Editor sobre o fato. Estes textos disponibilizados no AgirAzul Revista  foram produzidos nos anos de 1992 a 1998. Pessoas citadas poderão já não representar ou participar das entidades pela qual assinaram ou deram seus depoimentos ou mesmo já terem falecido. Eventualmente na versão para www.agirazul.com.br foram corrigidos erros de grafia e aplicação da língua portuguesa, além de  realizados alguns alertas sobre informações já ultrapassadas pelo tempo.