AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 12

Desmatamento Progressivo


Fumicultores querem explorar mais Mata Nativa


Proposta de alteração do Código Florestal Estadual é da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil)


por Biólogo Glayson A. Bencke


Com o apoio de alguns Deputados Estaduais e diversos representantes de segmentos da sociedade ligados à produção e comercialização do fumo, e amplo respaldo da imprensa local, a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil), de Santa Cruz do Sul, está encabeçando uma proposta de alteração do artigo 7º do Código Florestal do Rio Grande do Sul, que discorre sobre a exploração de madeira nativa.


O texto da proposta torna possível a exploração de “áreas caracterizadas como de vegetação secundária no estágio avançado de regeneração da floresta, localizadas no Estado do Rio Grande do Sul” (...), que “poderão sofrer exploração florestal mediante autorização do órgão florestal”.


A proposta visa sanar a questão já crônica do uso de lenha nativa para a cura (secagem) do fumo, principal cultura agrícola na região do Vale do Rio Pardo, e deve ser votada na Assembléia Legislativa em breve.


No dia 26 de março último, a Afubra promoveu uma reunião em que se fizeram presentes representantes de órgãos ambientais, como o IBAMA e Departamento de Recursos Naturais Renováveis (DRNR) da Secretaria da Agricultura, Deputados Estaduais, e diversas outras autoridades no âmbito municipal e estadual.


A reunião teve por objetivo “mostrar” aos convidados a situação florestal da região fumicultora do Vale do Rio Pardo e 

apresentar a “viabilidade” da proposta de exploração da lenha nativa na região.


Os presentes foram conduzidos, em veículos coletivos especialmente fretados, até o interior dos municípios de Santa Cruz do Sul e Sinimbu, onde puderam “avaliar”, em pontos de visão panorâmica privilegiada, a situação florestal da região.


De volta à sede da Afubra, engenheiros agrônomos da associação expuseram a proposta de alteração do Código Florestal Estadual aos presentes e apresentaram a argumentação sobre sua viabilidade através de gráficos demonstrativos da situação regional dos recursos florestais, com base em levantamentos de campo.


Embora pretensamente apresentada como uma proposta de exploração sustentada da madeira nativa, a moção sugerida pela Afubra carece de qualquer embasamento técnico-científico e fundamenta-se unicamente na constatação empírica de que há reservas florestais suficientes na região para viabilizar sua utilização na secagem do fumo.


Os principais argumentos apresentados para justificar aexploração de lenha nativa são gráficos demonstrando que a superfície territorial da região fumicultora do Vale do Rio Pardo é quase insignificante em relação à área total do estado (sugerindo que o impacto da exploração da madeira nativa supostamente não seria significativo a nível estadual) e que, em média, aproximadamente 17% da área de cada propriedade rural encontram-se cobertos por vegetação nativa, em diversos estágios de regeneração, quantidade acima da média observada no Estado e considerada como suficiente pela Afubra.


 Primeiramente, o bom senso leva à conclusão de que não é lógico nem aconselhável alterar toda uma legislação estadual para adaptá-la à realidade de uma região cuja superfície territorial em relação àquela do estado é insignificante.


Embora a intenção da Afubra seja de resolver, da maneira que lhe parece mais viável, um problema econômico e até social de sua região, uma modificação no Código Florestal Estadual nos moldes da proposta apresentada pela associação pode trazer conseqüências desastrosas e irreversíveis a outras áreas do estado em que predominem florestas secundárias, por exemplo.


Neste contexto, a proposta da Afubra serve muito bem aos propósitos de um movimento nacional de madeireiros em favor da liberação da exploração de florestas secundárias. Muito mais lógico, portanto, é encontrar uma solução local para atender às necessidades específicas da região do Vale do Rio Pardo. 


Em segundo lugar, a argumentação apresentada pela Afubra não leva em consideração a distribuição e localização dos remanescentes de floresta a serem explorados ou a presença de espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção. A atual distribuição das florestas nativas na região resulta de um processo já secular de ocupação e exploração agrícola através de minifúndios.


As florestas primárias remanescentes recobrem apenas áreas muito íngremes e impróprias para o cultivo. As áreas de vegetação em regeneração têm sofrido um ligeiro incremento nos últimos anos e muitas espécies da fauna nativa ainda subsistem na região porque conseguem transitar de um fragmento de floresta a outro através dos corredores formados por estas faixas de vegetação secundária (capoeira, capoeirão, floresta secundária).


Segundo um estudo recente, esta é a situação de pelo menos 20 espécies de aves nativas e de um número não estimado de mamíferos de médio porte. A maioria destas espécies encontra-se ameaçada de extinção a nível local, estadual ou global. Apesar disto, não há áreas de conservação, de qualquer tipo (reservas naturais, parques estaduais, estações ecológicas, etc.), que preservem extensões de floresta nesta região, observação que se aplica, aliás, a toda a região central do Rio Grande do Sul. 


Em terceiro lugar, a Afubra propõe que a exploração de florestas nativas restrinja-se a 0,5 ha por propriedade e seja condicionada à liberação por um técnico competente deórgão de fiscalização. Esta parece uma condição dificilmente alcançável e incluída no enunciado da proposta sem outro propósito a não ser o de agradar aos órgãos ambientais.


Atualmente, o corte raso de floresta nativa na região (e em todo o Estado) é proibido e a retirada de lenha nativa é estritamente condicionada à liberação por um fiscal idôneo. Nem por isso, entretanto, a exploração clandestina das florestas deixa de existir.


Anualmente, porções significativas de matas primárias e secundárias sofrem corte raso ou seletivo, à revelia de órgãos de fiscalização, um processo paulatino de devastação em parte mascarado pela rápida regeneração da vegetação nativa, mas que está conduzindo a uma substituição das florestas primárias por vegetação em regeneração e a um conseqüente empobrecimento gradativo do ecossistema.


Claramente, por falta de condições e de fiscais, os órgãos de fiscalização não conseguem administrar a demanda atual de lenha, e apenas uma pequena parcela das ações de extração de madeira nativa passa pelo processo oficial de licenciamento. 


Há alternativas plenamente viáveis para a questão do fumo. Uma destas alternativas é a elaboração de um plano regional de manejo sustentado dos recursos florestais na região fumicultora do Vale do Rio Pardo, executado com 

critérios científicos e segundo um estudo técnico prévio de viabilidade.


Um plano de manejo desta natureza deve contemplar um estudo da paisagem e da distribuição da vegetação residual através da análise de imagens de satélite, e deve levar em consideração a manutenção de corredores de fauna que 

permitam uma conexão entre as manchas maiores de floresta.


O zoneamento das áreas que dispõem de cobertura vegetal remanescente é essencial, com a delimitação de áreas intangíveis (por exemplo, florestas que protegem mananciais hídricos ou corredores de vegetação que conectam 

fragmentos maiores de floresta primária) e áreas passíveis de extração de lenha. 


Tendo em vista o caráter emergencial da situação nas regiões de fumicultura, em que o uso da lenha nativa para a secagem do fumo é motivo constante de debates mas acaba sempre sendo tratado com paliativos, a exploração sustentada das florestas em regeneração pode ser a solução mais concreta e exeqüível no momento.


O uso da madeira de espécies exóticas em substituição à lenha nativa, todavia, afigura-se como a alternativa mais viável para o futuro e deve ser estimulado. Ao contrário do que pensam alguns (ou muitos), a ciência já pode oferecer subsídios concretos para a elaboração de planos viáveis de exploração sustentada de recursos naturais, com base em décadas de lições advindas do conservacionismo e outros ramos da biologia da conservação.


Este é o momento para se por em prática uma solução definitiva para a questão, fundamentada em bases científicas.








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