AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 12

Indígenas x Unidades de Conservação

Buscando alternativas aos problemas das áreas indígenas do RS: resposta a um ambientalismo anti-holístico

Por Francisco Silva Noelli*

Escrevo desde o AgirAzul nº 9, discutindo e discordando das afirmações infundadas de J. Truda Palazzo Júnior sobre os indígenas do RS.

Sem elementos consistentes para uma resposta ao nível do  AgirAzul e do meu artigo, Truda gritou e brandiu histericamente o porrete achando que o problema será vencido pela truculência. Esperava uma réplica que não fosse só discurso e que procurasse alternativas para os complexos problemas que envolvem o Parque Estadual de Nonoai e a questão indígena no Estado.

Escrevi (AgirAzul 9 e 10) para atrair um debate frutífero junto aos ecologistas. Infelizmente a prepotente resposta continha tantos absurdos e anti-cientificidade, similares as estratégias da propaganda nazista sobre a inferioridade racial, que Truda foi capaz de "exigir o assentamento dos remanescentes indígenas do Alto Uruguai, todos prá lá de aculturados, nas terras férteis e produtivas dos grandes latifundiários daquela região" (AgirAzul 11, p.4).

Pedindo procedimentos odiosos, Truda pretende que mais uma vez se desterritorialize os Kaingang e Guarani. Embora eu não concorde com os latifúndios e com uma parte considerável da legislação brasileira, não pregaria frases de efeito por aí. Embora não concorde com tudo que está instituído no Brasil, vivemos uma "Democracia".

Quando Truda denigre truculentamente os antropólogos, repete grosseiros ataques que os precursores da ecologia gaúcha (Roessler, Lutzenberger e outros) sofreram no passado. Não é de um dia para outro que se reverterá os graves problemas em questão. Diversos estudos são necessários e deve haver bom senso. Tão grave quanto a monotonia ambiental que paira sobre nós, é a monotonia cultural que poderá acontecer com o fim da diversidade entre os povos. Contribuindo para esta questão, no mesmo AgirAzul  que Truda falaciosamente afirma que as "comunidades de baixa tecnologia" destroem os ambientes, Lutzenberger escreve sobre os problemas científicos e sociais da "alta tecnologia".

Assim como as soluções dos problemas ecológicos demoraram décadas para serem adequadamente solucionados, a custa de muita pesquisa, debate e luta política, não se resolverá rapidamente os problemas relativos a permanência dos Kaingang e Guarani em áreas florestais remanescentes.

A sobreposição e/ou vizinhança entre mata e indígenas no RS se explica pela milenar relação ecológica entre ambos, pois a deflorestação total começou em meados do século XVII. Os europeus e descendentes derrubaram progressivamente as matas e foram eliminando os indígenas. Esses fatos são bem representados pelo Vice-Presidente do RS no relatório de 1854 à Assembléia: “Depois que o aumento de nossa população tenha restringido os índios por todos os lados a um espaço pequeno e seus meios auxiliares (...) não sejam mais suficientes, quando surgirem neles novas necessidades que não mais podem ser satisfeitas pelos antigos meios, então também entre eles a civilização entrará por si, vigorosa e duradouramente" (J. Hörmeyer, O Rio Grande do Sul de 1850, p.81).

Pesquisas recentes demonstram a existência de uma política de extermínio físico e cultural para liberar as terras e florestas dos indígenas aos colonos minifundiários e as pessoas ligadas aos sucessivos governantes do RS. A origem da maioria dos latifúndios brasileiros, como é sabido, está relacionada às políticas oficiais e extra-oficiais de extermínio físico e assimilação dos indígenas. Isto se repete até hoje (vejam as emendas pretendidas pelo Ministro Jobim à legislação das demarcações de reservas).

A solução dos problemas que originaram esta polêmica se encontra no respeito com a diferença cultural e com a preservação ambiental, na vontade política e na pesquisa científica. Uma das ações imediatas é a recomposição das áreas indígenas, principalmente de espécies úteis para alimentação, medicina e confecção de cultura material.

Já no RS existem projetos de aquisição e reprodução de plantas indígenas de agricultura, que estão sendo coletadas em diversos locais da América do Sul para serem disseminadas entre pequenos agricultores de Ipê e Antônio Prado. Um trabalho positivamente exemplar como este deve servir de exemplo e ser disseminado no RS e no país, para gerar alternativas auto-sustentadas aos danosos monopólios de híbridos e agrotóxicos. Esses projetos, que resgatam a biotecnologia indígena, também devem servir para contribuir no processo de recomposição das áreas Kaingang e Guarani do Estado. É importante que se agregue concomitantemente pesquisas de resgate e multiplicação de outras espécies nativas úteis, como as frutas, raízes, etc. Este é o único meio para viabilizar uma vida digna aos indígenas confinados do RS, próxima de sua identidade cultural e tradições milenares.

Os antropólogos não pretendem um retorno ao estado original, nem acreditam no "bom selvagem”, mas apenas lutam para que essas populações tenham o direito a autonomia e a se manterem com seus próprios parâmetros. Isto só poderá ser alcançado de uma maneira global quando ocorrerem mudanças em nossa própria sociedade. Com esperança, sabendo que há diversos tipos de contribuição à causa ecológica e consciente da luta porvir, tenho convicção de que a miséria do discurso pelo discurso estará fadada à indiferença dos que almejam o bem comum.

* O autor é arqueólogo/Depto. História/Univ. Estadual de Maringá/Doutorando na UNICAMP. Rua Bragança 498/303 Maringá-PR. 87020-220 - Fone: (044) 225-1798.






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