AgirAzul Revista 1992-1998

Todo o conteúdo editorial da publicação em papel

AgirAzul 12

JUDICIÁRIO

Prefeitura de Florianópolis condenada por destruição de mangue

Decisão sobre a praia da Daniela é precedente que poderá impedir a destruição da Ilha de Santa Catarina

Por João Batista Santafé Aguiar

Florianópolis, outubro de 1996 - O Juiz da 4ª Vara Federal de Florianópolis, Romulo Pizzolatti, condenou o Município de Florianópolis a abster-se de autorizar quaisquer obras particulares ou públicas nas áreas de mangue da praia da Daniela, na Ilha de Santa Catarina, e ainda a pagar uma indenização ao Fundo de Defesa dos Interesses Difusos no valor de R$ 648.800,00. O magistrado restringiu-se aos pedidos do autor, o Ministério Público Federal — MPF, afirmando que além não poderia ir. A sentença foi divulgada no início de setembro de 1996. Até o final de 1996, o processo deve chegar a Porto Alegre onde será apreciado em segunda instância no Tribunal Regional Federal.

A decisão teve origem na Ação Civil Pública proposta pelo MPF em 19 de dezembro de 1988 contra o Município de Florianópolis por danos causados ao meio ambiente na área de manguezal. O processo atingiu 6 volumes e cerca de 1230 folhas, até agora.

O fato

Em março de 1972, a Prefeitura aprovou o loteamento Balneário Daniela, localizado no norte da Ilha de Santa Catarina, estando hoje praticamente vendidos os 1003 lotes. O loteamento foi implantado parte em terras de ninguém e parte substancial em terrenos de marinha de propriedade da União, cobertos de mangue. O Ministério Público Federal argumentou que o loteamento feria frontalmente o Código Florestal, artigo 2º, que diz: “— Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação situadas: (f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”. 

A decisão

O Juiz aceitou o argumento. O MPF informou que a Lei nº 6.938, de 1981, tornou as formas de vegetação natural de preservação permanente, relacionadas no artigo 2º do Código Florestal, equiparadas a reservas ecológicas e que a Resolução CONAMA nº 4, publicada em 20-1-1986, esclarece serem os manguezais também vegetação natural a serem protegidas.

O MPF entendeu que a declaração da nulidade do loteamento, hoje, esbarraria com uma situação de fato consumada que são as dezenas de casas de alto valor existentes em cima do mangue aterrado. E propôs que somente a Prefeitura deveria ser responsabilizada.

A decisão somente foi possível após um longo e exaustivo trabalho do professor Daniel de Barcellos Falkenberg, da cadeira de Botânica Sistemática do Departamento de Botânica a UFSC, que funcionou como perito, indicado pelo juiz.

O juiz Pizzolatti declarou ao AgirAzul que infelizmente o Poder Público não se preocupa com a fiscalização de atividades ilegais de construção, aterro, incorporação, que levam à devastação. Ele entende que o Ministério Público “deveria ter melhores condições para viabilizar medidas rápidas e eficazes por parte do Poder Judiciário, que permanece, como a deusa grega Themis que representa a Justiça, de olhos vendados à realidade, só agindo quando provocada”.“Por causa de um amadorismo quase geral, processos relacionados com o meio ambiente, que são praticamente inéditos, em vez de serem julgados em um ano, levam uma década, quando a decisão pode não ter mais efeito prático direto; esta decisão atendeu o pedido, mas não resolveu o dano”, conclui Pizzolatti.

A Apelação

Espernear é Livre

Já o procurador da República que atua no processo há um ano, Roberto Luis Oppermann Thomé, noticiou a esta publicação que o Ministério Público Federal apelou da decisão, não se conformando com o baixo valor da indenização decidida pelo Juíz e representando contra os responsáveis da CELESC (luz) e CASAN (água) que desobedeceram a ordem liminar judicial que, em 1989, havia determinado que não fossem realizadas novas ligações no balneário de Daniela. A Procuradoria entende que houve no mínimo omissão da Prefeitura, que não exerceu seu poder de polícia para impedir a construção de mais de 50 casas sem qualquer licenciamento ou mesmo interessou-se em demoli-las. Para Thomé, “a decisão da Justiça não foi obedecida”.

Ele afirma que a decisão sobre o caso da Daniela poderá influir positivamente em futuros casos que certamente surgirão pois, em Florianópolis, o “Poder Público pouco atua para liberar ou delimitar áreas de construção, ou deixar de ligar água ou luz”

Thomé elogiou o trabalho do perito do Juiz, professor Falkenberg: “Foi um trabalho excepcional, que até criticou a delimitação da área utilizada pelo Ministério Público, com razão — na época da impetração da ação usamos dados oferecidos por fontes diferentes. Mas discordamos do perito quanto ao modo da avaliação do valor do dano sugerido e aceito pelo Juiz”, diz Thomé, esclarecendo:  “Falkenberg, mesmo certificando que o valor do mangue é inestimável, concluiu o seu trabalho avançando na difícil tarefa de fixar o valor do dano fazendo uma média entre os valores mínimo e máximo dos lotes no mercado, chegando ao valor de R$ 12 mil cada, interferindo aí a distância de cada lote da praia; nós cremos que deveria ter sido penalizado o Município utilizando-se o preço máximo dos lotes, ou seja, justamente daqueles que ficam mais perto da praia, o que elevaria a indenização a três vezes o arbitrado pelo Juiz”.

Uma associação de moradores do balneário da Daniela já está se mexendo procurando se opor a possível demolição de algumas casa pela Prefeitura. No Parque de Itapuã, no Rio Grande do Sul, dezenas e dezenas de casas construídas por veranistas invasores na área desapropriada tiveram que ser abandonadas por ordem da Justiça, já que não existia direito deles permanecerem no local.






© 1992-1999 / 2007/2008 / 2024  João Batista Santafé Aguiar - É proibida a reprodução total ou parcial sem permissão por escrito / por email do autor ou detentor dos direitos. AVISO LEGAL - Eventualmente, os endereços informados, tanto os convencionais, como os eletrônicos como páginas web ou endereços de emails, serão os da época da publicação, não sendo mais funcionais, não havendo qualquer responsabilidade do Editor sobre o fato. Estes textos disponibilizados no AgirAzul Revista  foram produzidos nos anos de 1992 a 1998. Pessoas citadas poderão já não representar ou participar das entidades pela qual assinaram ou deram seus depoimentos ou mesmo já terem falecido. Eventualmente na versão para www.agirazul.com.br foram corrigidos erros de grafia e aplicação da língua portuguesa, além de  realizados alguns alertas sobre informações já ultrapassadas pelo tempo.