AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 12

Desenvolvimento "sustentável"

As montadoras de nossos governadores

Por Teresa Urban, jornalista, especial para o AgirAzul

O projeto de instalação da montadora Renault em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, é um excelente exemplo do que pode acontecer quando o Estado abdica de sua função de garantir o interesse público – representado, no caso, pelo generoso manancial que abastece mais de um milhão e meio de pessoas - e se transfere irrestritamente para o lado do capital - no caso, a montadora francesa.

A Renault, depois de promover um verdadeiro leilão entre os Estados brasileiros habilitados a instalar uma fábrica em seu território, anunciou a opção pelo Paraná como se fosse uma benesse imensurável.

Agradecido, o governo do Estado – sócio do empreendimento com uma contribuição que pode chegar a 40% do valor total do empreendimento, além da infra-estrutura – atendeu, sem resistência, os menores desejos da montadora: instalar a fábrica perto de Curitiba, perto das principais rodovias, perto do Porto de Paranaguá, perto da ferrovia, em área não poluída, com água farta e de boa qualidade.

Para atender os desejos franceses, o único obstáculo era a área escolhida estar dentro da Bacia do Alto Iguaçú, principal manancial de abastecimento de água da Região Metropolitana de Curitiba. Para ultrapassar rapidamente esse obstáculo, o governo do Paraná, sob o comando de Jaime Lerner, político paranaense que costuma ter seu nome associado as causas "ecológicas" adotou uma estratégia demolidora.

Primeiro, foi contratado um Estudo de Impacto Ambiental para um inexistente "Distrito Industrial de São José dos Pinhais" - um distrito tres jolie - feito pela Universidade Livre do Meio Ambiente, de notórias ligações com Lerner. O EIA/RIMA apresentado sequer menciona a Renault ou qualquer um de seus fornecedores, apenas promete "indústrias de alto controle de qualidade e rígidos padrões de controle ambiental”.

Mesmo dirigido para objetivos específicos, o EIA/RIMA apontou claros riscos para o abastecimento público, caso ocorresse a implantação do Distrito.

Enquanto os estudos eram realizados, uma lei municipal criou em São José dos Pinhais um distrito industrial – esse, sim, bem real, destinado a abrigar um pólo automotivo, dentro do qual ficava o enorme terreno doado para a Renault. Ou seja, enquanto o governo Lerner aparentemente cumpria o rito formal de fazer um estudo de impacto ambiental, ainda que escamoteando o tipo de indústria que seria instalada na área, era criado, em paralelo, o Distrito real. O próprio governador assinou a lei municipal que criou o distrito, num grandiloqüente gesto de apoio a proposta.

Premido por um cronograma estreito que fazia parte das "vantagens paranaenses", o governo tentou evitar de todo modo que o RIMA chegasse as mãos dos ambientalistas que receberam o documento 48 horas antes da data marcada para a primeira audiência pública. Depois de uma guerra burocrática, a audiência foi adiada por 10 dias, afinal realizada em 3 de abril.

As questões apresentadas pelo Fórum das Entidades Ambientalistas da Região Metropolitana de Curitiba na primeira audiência publica tiveram grande repercussão, assim como uma carta aberta largamente divulgada pelo PV.

Diante disso, o governo estadual mudou de abordagem e assumiu uma posição clara de defesa do empreendimento, apresentando um falso dilema à opinião publica: a fábrica (no manancial) ou o fantasma do desemprego. Falso dilema porque, nos 200 mil quilômetros quadrados do território paranaense, com certeza existe uma área adequada para instalação de uma indústria - assegurando a geração de empregos, sem colocar em pauta outra ameaça – como a destruição de mananciais de boa qualidade, de água farta, perene e barata.

A segunda audiência pública, em 10 de maio, foi transformada num plebiscito em que a população de São José (apoiada pela presença inexplicável de um grande número de funcionários públicos estaduais comissionados muito preocupados em aplaudir o empreendimento do governador Jaime Lerner) era induzida, com adesivos, “botons”, faixas e cartazes, a votar "SIM" para a fábrica que vai oferecer, segundo declarações dos políticos locais, dezenas de milhares de empregos.

Como se todo esse esforço ainda não fosse suficiente para abrir completamente o caminho para a instalação da indústria naquela área, o governo resolveu atacar o mal pela raiz e, simplesmente, mudou o decreto que delimita o manancial. Pelo novo decreto, a área onde está a Renault não é mais manancial.

O Decreto nº 1751, de 6 de maio de 1996, aparentemente encerrou a polêmica porque, se a área não é mais manancial, apesar da geografia e do bom senso, não há qualquer impedimento para a instalação de um pólo automotivo, mesmo que vá comprometer seriamente o abastecimento público. Depois disso, foi aberta licitação para as obras de implantação do Distrito Industrial de São José dos Pinhais onde, sem nenhum pudor, as especificações foram apresentadas pelos engenheiros da Renault, instalados na Coordenadoria da Região Metropolitana de Curitiba.

O episódio desmoralizou o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e todo o sistema de licenciamento do Estado. A Renault entrou com pedido de licenciamento e, extra-oficialmente, já se sabe que o IAP não vai solicitar a realização de estudo de impacto ambiental. Tudo para agilizar a instalação da fábrica, antes que os franceses mudem de idéia.

O primeiro ato da tragédia ainda não acabou - pois não foram feitos estudos geológicos e geotécnicos adequados, nem analisados os sítios arqueológicos existentes na região e novos problemas poderão surgir - e já começa o segundo, com a chegada de centenas de famílias de desesperançados e desempregados que vem tentar um dos milhares de empregos prometidos, e se instalam precariamente nos terrenos banhados e beiras dos rios que formam os mananciais.

A autora é jornalista da Rede Verde de Informações Ambientais - Rua Brigadeiro Franco, 549 - 80430-210 - Curitiba, PR; Fax (041) 224-3174 Voz: (041) 222-9740; Internet: rverde@bsi.com.br.






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