AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 13

REFLEXÃO 

Início, meio e fim. 

Lama Padma Samten (Alfredo Aveline) 

A afirmação básica do pensamento ecológico é justamente a unidade intrínseca de todas as coisas, mas isto não é uma exclusividade, visto que para várias antigas e novas tradições, o universo é como um vasto organismo, no qual o mundo natural, e nele o homem, é apenas uma parte. Esta visão, em um período da antigüidade no qual o taoísmo se tornou filosofia do estado na China, chegou aos aspectos jurídicos onde os crimes e disputas passaram a ser encarados como distúrbios no relacionamento do homem com a natureza – ou em seu sentido maior, com a unidade. 

No código jurídico da dinastia Tang, por exemplo, estava especificado o real perigo em substituir esta forma de análise por formas simplistas voltadas a punições. A prática jurídica deixa de ser a apuração da responsabilidade do infrator, para focar a natureza sutil da infração e sua origem. Todas as visões simplistas determinam análises incompletas, e estas análises incompletas terminam sempre na simplista delimitação de um inimigo a ser combatido. 

Para os movimentos realmente pacifistas, não há inimigos a serem derrotados. Na visão de Gandhi, o importante não era combater os ingleses, mas juntos, indianos e ingleses deveriam libertar—se do fuzil que dominava a ambos: aos indianos que ficavam à frente, e aos ingleses que ficavam atrás. 

As visões corretas levam a objetivos corretos e à prática correta, resultando em ganhos reais. O ponto central da luta pacifista é descobrir o ponto sensível por onde o agente de desarmonia pode transformar-se em um agente de harmonia, sem nunca vê-lo como um inimigo ou adversário. A lógica da dor e da desarmonia é que é adversária de ambos. 

Todos os seres desejam a felicidade e buscam se afastar do sofrimento. Assim podemos compreender uns e outros. Quando ações muito equivocadas e danosas são feitas, isto é, sempre o resultado da perda de visão da unidade. Quando o foco mental se perde, surge a fragilidade a todo o tipo de flutuação e equívoco, e as pessoas ficam suscetíveis à manipulação. As tensões sociais e culturais são canais pelos quais são manipuladas sutilmente. É como se estivessem sob o efeito de um encanto que dá sentido a tudo e as conduz às práticas que as afastam até mesmo de seus princípios. 

Assim, a população que sente os efeitos da degradação ambiental, social e de sua saúde, é a mesma que, com seus gestos, sem perceber, dá respaldo e sustentação à raiz das dificuldades. Este círculo de força afeta até mesmo os grupos que trabalham pelas transformações, e não pode ser vencido por oposição, mas apenas pela compreensão e abandono de sua lógica. Para quebrar este encanto, é necessário o esforço de eliminação de artificialidades e automatismos mentais, e isto milenariamente é conhecido como meditação: tranqüilização, prática espiritual, reencontro com a serena natureza da unidade. 

Quando o príncipe Sidarta, por esta prática, tornou-se o Buda, disse: “Libertei-me daqueles que foram meus senhores por incontáveis vidas, as disposições mentais e seus agregados. Os seres se debatem como peixes em água rasa. O sofrimento existe, mas por depender de causas, pode ser eliminado e há um caminho para isso: o reconhecimento da natureza de unidade, espacialidade e luminosidade.” 

No sentido budista, o caminho é a superação completa dos obstáculos à experiência de unidade, que são os automatismos mentais que conduzem às ações equivocadas que, por sua vez, produzem as condições de sofrimento. Como os automatismos e impulsos surgem de uma região interna sutil, não basta a transformação das opiniões, é necessário chegar ao coração que é onde as ações brotam, e repousá-lo na natureza da unidade. É o retornar à unidade usando a própria unidade como caminho. Não é possível chegar à unidade através de parcialidades e hostilidades. 

Esta compreensão, ao ser incorporada pelos vários movimentos de transformação social e ecológica pode trazer benefícios imediatos. Em lugar de mover pessoas com o peso de angústias, as reuniões e encontros podem transformar-se em momentos de vivência profunda e compreensão. 

Os encontros precedidos e encerrados por pequenos períodos de meditação, asseguram a ausência de tensão, a clareza das mentes e a experiência da unidade no coração. Eliminado o cansaço, as pessoas trabalham com alegria. Experiências mostram a facilidade e verdadeiro gosto com que todos vivem os encontros de silenciosa meditação, energia, harmonia e união. É caminho e resultado final sendo praticados juntos. 

Físico de formação, o autor foi professor do Departamento de Física da UFRGS e presidente da Cooperativa Ecológica Coolméia. Em dezembro de 1996, foi ordenado por S.E. Chagdud Tulku Rinpoche como “Lama Padma Samten”, na linhagem budista tibetana Ningmapa. 

Contatos em 1998:

Contatos: Centro de Estudos Budistas, rua Barão do Cerro Largo, 487, Menino Deus, Porto Alegre - RS. 233-5161 e 231-6704. E-mail: rsf10133@pro.via-rs.com.br






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