AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 13

A Natureza na mídia: a imagem que vende

Por Guilherme Castro

As representações da natureza na mídia, especialmente como “imagem” usada pela publicidade para vender de tênis à coca-cola. Este é o tema que a bióloga Marize Basso investigou em seu mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Marize explica que para questionar as representações hegemônicas, que reproduzem relações desiguais de poder, desenvolve seu trabalho no campo dos estudos culturais. Seu objetivo é problematizar o dado como óbvio, o colocado como simples representação da verdade natural. Utiliza-se da semiótica, da filosofia e da história das ciências. 

Assistindo a um comercial de TV que afirmava textualmente: “ainda bem que não somos bicho nem planta”, Marize resolveu descortinar mensagens que poderiam estar por trás desta representação. O comercial iniciava com folhas caindo das árvores e formigas indo para seus abrigos. Corta. Num ambiente interno e aconchegante, seres humanos, brancos, bonitos e alegres, se divertem. Não somos bichos, a natureza está lá fora. Como leitura Marize diz que é clara a alusão à fábula da cigarra e da formiga. Hoje, o ser humano assume o papel da cigarra, aproveitando o conforto tecnológico, que independe do clima e da natureza. A natureza é tratada como um recurso, o ser humano, não fazendo parte da natureza, é um consumidor. O consumo é associado à idéia de liberdade e conforto, de autonomia com relação à natureza.

Outro comercial lido sob esta ótica mostra bandos de animais exóticos à fauna brasileira se deslocando em seu ambiente natural, também estranho ao Brasil. Última cena: automóveis se deslocam em uma larga avenida. O destino destes bandos é aproveitar as ofertas do anunciante. Ao mostrar exemplares da natureza completamente distantes do seu público, o comercial impede qualquer interação. A natureza é idealizada: o leão, a girafa. A natureza é algo exótico. Quando mostra o bando urbano, o representante escolhido é o automóvel. O sujeito é substituído pela máquina. Assim está presente o elemento determinante de nossa cultura: a tecnologia é o que diferencia e separa o homem da natureza. Marize diz que ao escolher a imagem e o recurso técnico para a representação publicitária, faz-se uma escolha política (o carro: massa metálica, monocromática e uniforme; não humanos, pluriformes e pluricromáticos).

A tendência geral observada pela pesquisadora na utilização da natureza pela publicidade é agregar um falso valor ao produto. Uma natureza cada vez mais distante, idealizada e desconhecida ajuda a vender os mais variados produtos industriais. Por outro lado, normalmente se mostra o ambiente natural como o monótono e sem graça e o ambiente de consumo de produtos industrializados como diversificado e interessante.

Dentro desta tendência geral são desenvolvidos alguns diferentes discursos. Há o discurso da saúde, que vende cigarro associando-lhe à uma vida natural e saudável. Há o discurso do natural, que mostra o shampoo brotando da natureza. Também há o discurso tecnológico, que diz ser a natureza inferior e mostra potentes automóveis dominando terrenos selvagens. Em todos esses discursos a natureza é representada como o primitivo, o inóspito, que reforça o modelo do desenvolvimento subjugador.

O dado como óbvio, presente nas manifestações hegemônicas que representam a realidade, entra elas a publicidade, tem o ser humano como apartado da natureza, este é o senso comum.

O trabalho de mestrado de Marize Basso, que pode ser encontrado na Biblioteca da Faculdade de Educação da UFRGS, em Porto Alegre, propõe rediscutir o lugar da sociedade na natureza e o da natureza na sociedade.

O autor é jornalista. 






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