AgirAzul Revista 1992-1998

Todo o conteúdo editorial da publicação em papel

AgirAzul 4

Nuclear – Lobby nuclear que gastar mais

A desativação de uma usina nuclear é mais caro do que sua construção

Circular Nacional da UPAN - União Protetora do Ambiente Natural - São Leopoldo, RS

O poderoso (e dizer poderoso é dizer pouco) lobby nuclear acha pouco ter gasto mais de 4,6 bilhões de dólares até o momento na aventura de Angra II e quer aprovação para gastar mais um bilhão e meio de dólares.

Não entra nos cálculos dos militares que inconstitucionalmente controlam a política nuclear o fato de que a prática mundial estabeleceu inquestionavelmente custar mais caro desativar uma usina nuclear do que construí-la. Que justificativas econômicas pode haver para a construção de Angra II? Se ela já estivesse completamente pronta, seria ótimo não ativá-la. O país ganharia muito dinheiro se, mesmo pronta, não fosse ativada. Sem falar em riscos ambientais e humanos.

Não há no mundo modo seguro de dispor o lixo atômico. Ninguém pensou nosso no Brasil ainda, pelo jeito. Como pode o país aprovar a construção de uma usina cujo lixo não se sabe onde colocar? Como fica a questão legal neste caso? Podemos proibir um depósito de lixo orgânico mal situado e mal manejado por que compromete um pequeno arroio ou banhado. Mas lixo atômico é diferente: a lei chega ali e pára. Não pode ser aplicada? Para questões nucleares o Estado de Direito fica suspenso, e quem manda é a Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE?

O que está em jogo na realidade, quando se discute a questão nuclear no Brasil, é o conceito de autonomia militar em relação ao Estado de Direito e às instituições democráticas. Este debate é levantado de forma correta pelo Coronel Geraldo Cavagnari, coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da UNICAMP, em vários textos; entre eles, “Autonomia Militar e Construção da Potência”, in “As Forças Armadas no Brasil”, Ed. Espaço e Tempo, por Eliezer R. de Oliveira et al, RJ, 1987.

O que deveria ocorrer é a averiguação das responsabilidades sobre tanto dinheiro posto fora de forma secreta, sem qualquer supervisão do Congresso nacional, mesmo por vários anos depois e Constituição de 1988 dizer com todas as letras, artigo 21, inciso XXII, letra a, que Toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional. A ilegalidade de tantos milhões de dólares do orçamento público da União terem sido utilizados sem aprovação do Congresso não pode justificar a continuação desta mesma ilegalidade. Tal irregularidade deve ser, isto sim, corrigida imediatamente. Angra II não é só um erro em si, mas participa de um erro ainda maior, que é o conjunto do Programa Nuclear Paralelo, até hoje em plena clandestinidade.

Não. É preciso enfrentar a questão nuclear neste país. O argumento quase único do Ministro-chefe da SAE e outros advogados da retomada das obras da usina Angra II é de que “muito dinheiro já foi gasto, portanto é preciso colocar mais dinheiro nela para concluí-la”. Ora, um erro não justifica o outro. Colocar dinheiro fora não é argumento para colocar mais dinheiro fora.

 Qual a responsabilidade do Conselho Nacional do Meio Ambiente, das ONGs ambientalistas do Brasil, e do Ministério do Meio Ambiente em relação aos preparativos para que se retomem as obras da Angra II?

Até aqui o programa nuclear brasileiro tem corrido em paralelo, isto é, com autonomia em relação a todos os demais setores, exceto o setor militar. E recebendo sempre bilhões de dólares para pesquisas de interesse bélico que os civis não podem nem saber como andam ou como foi gasto o dinheiro. A Gazeta Mercantil de 23 de outubro de 1992, citando estudos do Núcleo de Estudos Estratégicos da UNICAMP, dá informações impressionantes sobre o alto fluxo de recursos orçamentários que tem premiado a área militar envolvida com atividades nucleares.

O mais irônico, quando se ouvem certas alegações “econômicas” para justificar a possível retomada das obras de Angra II é a saber que, como é público e notório, os Estados Unidos consideram um grande fracasso econômico – e isto é inquestionável – terem gasto 224 milhões de dólares para construir casa uma das usinas de Fort St. Vrain. Qual é o país pobre? Os EUA ou o Brasil? Aqui gastou-se 4,6 bilhões e algumas autoridades pretendem gastar mais um bilhão e meio de dólares. Os EUA estão desistindo das usinas nucleares porque eles gastarão, calcula-se, 333 milhões de dólares para desativar as mesmas usinas de St. Vrain, por exemplo. Quanto poderia custar esta aventura no Brasil? Nem é preciso usar argumentos ecológicos para mostrar que Angra II é inadmissível. Basta um pouco de ética com o dinheiro público.

* Texto extraído da Circular Nacional da UPAN, de fevereiro de 1993.






© 1992-1999 / 2007/2008 / 2024  João Batista Santafé Aguiar - É proibida a reprodução total ou parcial sem permissão por escrito / por email do autor ou detentor dos direitos. AVISO LEGAL - Eventualmente, os endereços informados, tanto os convencionais, como os eletrônicos como páginas web ou endereços de emails, serão os da época da publicação, não sendo mais funcionais, não havendo qualquer responsabilidade do Editor sobre o fato. Estes textos disponibilizados no AgirAzul Revista  foram produzidos nos anos de 1992 a 1998. Pessoas citadas poderão já não representar ou participar das entidades pela qual assinaram ou deram seus depoimentos ou mesmo já terem falecido. Eventualmente na versão para www.agirazul.com.br foram corrigidos erros de grafia e aplicação da língua portuguesa, além de  realizados alguns alertas sobre informações já ultrapassadas pelo tempo.