AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 4

Poluição – A AGAPAN divulga sua opinião sobre o “affair” Riocell

Vergonha: RIOCELL nordestiniza o Rio Grande!

A AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural divulgou e distribuiu o manifesto que adiante segue, com data de 4 de dezembro de 1992, às vésperas da votação do projeto de resolução da Assembléia Legislativa aprovando a ampliação da empresa produtora de celulose, localizada ao lado de Porto Alegre, no outro lado da massa d’água que a separa da Cidade de Guaíba.

Texto da Agapan

Há onze anos atrás, quando o então vice-governador Otávio Germano anunciou que a Lagoa dos Patos receberia os efluentes do Pólo, houve uma mobilização sem precedentes, o DMA (hoje FEPAM), rebelou-se, declarando que não aprovaria a idéia. Deputados manifestaram-se na Comissão de Brás Públicas, exigindo outras alternativas; a Zero Hora criou uma seção exclusiva, como logogrifo, de no mínimo uma página, sempre contrária à idéia; houve viagens à China, participando alguns deputados, que também visitaram, em grande delegação, o Pólo Petroquímico do Nordeste para familiarizarem-se com o assunto. 

Roberto Cardona propôs que os efluentes do Pólo fossem lançados lá dentro. Lélio Souza,, aperfeiçoando o projeto, apresentou o que viria a ser a Lei Estadual nº 7.691/82, que proibia o lançamento dos efluentes do Pólo em cursos d’água naturais – aprovada por unanimidade. Havia inúmeros argumentos justificando todas as preocupações de então, que não brotavam apenas das entidades ecológicas; um dele era o de que não havia estudos suficientes sobre o ecossistema Guaíba/Lagoa dos Patos – que continuam não existindo. (Schirmer deve lembrar-se disso...)

Passados onze anos de difusão das questões ambientais e a ECO-92, o que vemos hoje na Assembléia, na imprensa e no Governo, inclusive na FEPAM? Apenas paparicação, embevecimento, subserviência e superficialidade quanto à intrincada questão do impacto ambiental da duplicação da RIOCELL, num clima de quase “burra unanimidade”, como dizia Nelson Rodrigues. Mas os efluentes da RIOCELL são tão ou mais perigosos do que os do Pólo e já são há muitos anos lançados no ecossistema Guaíba/Lagoa dos Patos. Não conhecemos os danos causados. O que mudou? Por que o retrocesso?

A RIOCELL empreendeu, por mais de uma década, um dos mais avassaladores processos de lavagem cerebral e cooptação de nossa história. Como faz tempo que não é uma empresa pública, não é transparente e omite os dados sobre as fortunas gastas em matérias pagas, anúncios, patrocínios e ônibus e dispensa de ponto seus funcionários, constrangidos a participar ativamente do “lobby”. 

Colhida por esse vagalhão, a AGAPAN nunca pôde expor em público suas sólidas razões técnicas, amparadas em literatura científica contemporânea e em pareceres da poderosa GREENPEACE, e inutilmente entregues à FEPAM por mio de mais de cinqüenta laudas de documentação densa e fundamentada. Nada conseguiu ofuscar o “brilho” do ginasiano Relatório sobre dioxinas do Dr. Peter Krauss – que, como tantos outros técnicos da FEPAM, deputados e “cientistas”, só viu coisas benignas nos dados.

Em sua marcha estilo Divisão Panzer, a RIOCELL tem importantes aliados. Até a FEPAM; que, num ato falho, enveredou por considerações econômicas em seu parecer da licença Prévia, fugindo da missão de um órgão ambiental, que consiste precisamente em aprofundar-se no contrário – isto é, os ocultos impactos sócio-ambientais e as desvantagens imateriais do projeto, que no caso são abundantes. Também ao cancelar erroneamente a segunda Audiência Pública a FEPAM abdicou de sua missão de defender o interesse público e o bem comum, aliando-se ao capital privado que não queria mais transigir em seus cronogramas por motivos exclusivamente financeiros, fugindo da discussão e da crítica.

Perverso e estarrecedor foi, também, o processo de “censura branca” na mídia local. Falar mal da RIOCEL tornou-se tabu maior do que qualquer outro: a Zero Hora negou até mesmo a publicação de carta da AGAPAN no Correio do Leitor; a Rádio Gaúcha negou-nos direito de resposta após sermos referidos por dois funcionários da RIOCELL que compareceram “espontaneamente” na RBS para clamar pela duplicação, com argumentos infantis; mais: a cobertura do “affair” Dilamar vs Shincke minimizou a figura do pretenso corruptor (RIOCELL). Até mesmo o Deputado Sérgio Jockymann, extasiado com a RIOCELL, tem a mesma queixa!

Alceu Collares também agiu como mandalete da empresa. Encampou o cronograma imposto arrogantemente pela RIOCELL, submetendo os técnicos da FEPAM a terrível constrangimento. Chegou a declarar no programa OS GAÚCHOS E O GOVERNADOR que era preciso “morder o garrão” da diretoria da FEPAM – ou seja, o sempre dócil e despreparado Luciano Marques não estava sendo o bom cãozinho amestrado para carimbar prazos e datas exatamente como a RIOCELL queria.

A AGAPAN enviou emissário a Washington para participar de seminário internacional sobre a questão ambiental na indústria do papel e celulose. Juntamente com Celso Voelkel (RIOCELL) foram os dois únicos brasileiros presentes. As conclusões – desta vez a RIOCELL absteve-se de divulgar com seu poderoso arsenal comunicador – posto que muito claras – o processo de branqueamento da RIOCELL é quase SUCATA TECNOLÓGICA. Além disso, ficou claro que a verdadeiramente moderna indústria desse ramo deve investir pesadamente na conscientização de seus clientes, induzindo-os a adotar papel menos alvo e/ou reciclado. 

Logo os importadores de papel da RIOCELL poderão estar exigindo, em vista da pressão dos consumidores do I Mundo e dos ecologistas, apenas papéis fabricados em plantas com efluentes zero. Entretanto, a RIOCELL prefere investir em lavagem cerebral, tentando dourar a pílula acerca de seu ultrapassado projeto.

Em British Columbia (Canadá) o uso do cloro está banido nesse ramo industrial, e os prazos exigidos das empresas são muito inferiores ao dado à RIOCELL pela fraterna FEPAM. Se a RIOCELL é primeiro-mundista, então façamos também, para ela, uma legislação de Primeiro Mundo! Semelhante à canadense, por exemplo...

A lição da ECO-92 não foi aprendida. Repete-se à exaustão, ainda, a arenga de “empregos” – quando o indicador mais significativo é o índice dólar investido por emprego gerado. Neste aspecto, o projeto da RIOCELL tem um dos piores índices – as indústrias do turismo ou saneamento, por exemplo, geram muito mais empregos por dólar e são cativas do mercado interno, basicamente. Mas enquanto o BNDES empresta US$ 416 milhões para produzir papel, temos que ir ao BID implorar por 2/3 dessa soma (Projeto Pró-Guaíba) pra investir em saneamento e proteção ambiental, pois não há verbas no país para isso. É este o “modelo moderno”?

RECEITA DE NORDESTE: imprensa (auto) censurada. Órgão ambiental de fachada. Sonegação de informações e cerceamento da discussão. Dinheiro sobrando para megaprojetos e faltando para saúde e meio ambiente. Intimidade entre as oligarquias de flora (KLABIN, VOTORANTIM...) e todas as nossas elites e autoridades. ESTÁ ACONTECENDO AQUI E AGORA. Incoerentemente, o Governador combate a nordestinização do Brasil. E nossos Deputados? Vão aderir incondicionalmente ou honrar nossas tradições?







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