AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 4

História

 O ambientalismo gaúcho criticado por Sirkis

AGAPAN apolítica?

AgirAzul – Boletim Ambientalista publica texto de autoria de Augusto Carneiro em que, a pretexto de resposta ao Apêndice do livro “Rumos ao Paraíso”, intitulado “Enquanto isso, na Terra do Pau-Brasil”, de autoria de Alfredo Sirkis, presidente nacional do Partido Verde, esclarece pontos da história da AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. O texto data de agosto de 1992 e foi revisado pelo autor para esta publicação.


Por Augusto Carneiro

Nós aqui do Rio Grande do Sul, achamos que somos os primeiros ecologistas do Brasil, ou ambientalistas, ou conservacionistas, ou preservacionistas, ou protecionistas; o que servir. Fato provado, conhecido mas omitido no Apêndice em apreço. Por isso resolvi contestar algumas das referências constantes no Apêndice.


 A – A Ditadura e a AGAPAN

“Os embriões do atual movimento ambientalista se insinuaram nas festas estreitas da ditadura do período Geisel... embora sua gênese...: a AGAPAN, fundada em 1971 com seus primeiros protestos que datam de 1972” e diz mais: “apresentava-se então como um movimento absolutamente apolítico. O surgimento dessa onda, no Sul, registrava apenas um pequeno atraso em relação ao nascimento de movimentos análogos, nos anos 70, na Europa e EEUU. De todos os países latino-americanos, o Brasil foi onde o discurso ambientalista foi mais rapidamente apropriado e difundido”.

Todas essas afirmações de Sirkis não correspondem à realidade dos fatos. O termo Insinuação quer parecer Infiltração, mas não na ditadura, como ele deixa entender, pois sempre quisemos nos infiltrar mas em toda a sociedade. Apropriar-se, também termo seu, deve ter o sentido de apossar-se, e como os ecopolíticos pensam, das idéias do Primeiro Mundo. Tudo errado, por isso historiamos de acordo com documentos.

Em 1942, Baduíno Rambo, um padre jesuíta, de ascendência alemã, gaúcho do interior, um verdadeiro gênio de conhecimentos gerais, poliglota, mas principalmente botânico e excursionista, apaixonado pela natureza de sua terra natal, escreveu e publicou um livro de 450 páginas: A FISIONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL, descrevendo as características do nosso Estado no que diz respeito à geografia e história natural, finalizando-o de forma pioneira, com um capítulo intitulado “Proteção à Natureza”, no qual reconhece os sinais de agressão humana e escreve o seguinte: “Assim, no curso de todas as culturas humanas, mais cedo ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse desse elemento, teria falta dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno da terra, como que a pródiga mão do Criador o presenteou”. Neste capítulo, ele programou a defesa da natureza, inclusive dos parques naturais.

Em 1956, o livro de Balduíno Rambo teve nova edição. Mais ou menos em 1964, um dos ambientalistas de Porto Alegre, que em 1971 seria um dos fundadores da AGAPAN, Antônio Tavares Quintas, engenheiro agrônomo e colega de estudos de Lutzenberger, presenteou-lhe com um exemplar do referido livro. Lutz, que desde criança, por influência de seu pai, era um naturalista apaixonado e também um excursionista dos então maravilhosos arredores de Porto Alegre, leu o livro e recebeu o ânimo necessário para lutar em defesa da natureza de sua terra. Foi uma descoberta para ele.

Em 1939, um simples e desconhecido funcionário da Delegacia Estadual dos Portos, na época do auge da navegação fluvial, Henrique Luís Roessler, fez uma manifestação em defesa da natureza, por escrito, usando suas atribuições funcionais. Depois passou à fiscalização voluntária da caça e pesca, quando nesta atividade, trabalhando gratuitamente, conseguiu credenciamento do Ministério da Agricultura, setor caça e pesca, sempre nos fins de semana. Por ter denunciado a poluição no Rio dos Sinos, industriais dos curtumes se queixaram dele e sua credencial foi cassada. 

Com a cassação, como ela não podia ficar parado, fundou em 01.01.1955 a primeira entidade ecológica, ou de defesa definida da natureza, a UNIÃO PROTETORA DA NATUREZA - UPN, em São Leopoldo, RS.

Em 1957, iniciou a escrever crônicas semanais no então jornal de maior circulação do sul do Brasil – Correio do Povo -, que foram publicadas até o dia de sua morte: 8.11.1963. As principais crônicas foram republicadas em livro, em 1986, o que não permite alegar desconhecimento de suas atividades. Também suas atividades foram mencionadas centenas de vezes em toda a imprensa do Rio Grande do Sul e recentemente até no GLOBO ECOLOGIA, programa dominical de âmbito nacional.

Como ex-comunista profissional que retirou-se do Partido quando da mais importante cisão em todos os Partidos Comunistas do Mundo, contra o stalinismo, em fins de 1956 (Guerra da Hungria), passei a ser leitor constante de Roessler e fui “ecologizado” por ele.

Henrique Roessler fundou sua entidade em 1955, na cidade de São Leopoldo, distante 40 km de Porto Alegre.

 Sendo pobre, eu estudava Direito e trabalhava; estava sempre adiando meu encontro com o grande naturalista e a morte repentina deste impediu-me de conhecer Roessler pessoalmente.

 A sua entidade, por falta de alguns incentivos, morreu com ele. Viajei a São Leopoldo pouco tempo depois, mas antes da inauguração da ditadura no Brasil, e disse ao filho de Roessler que desejava reviver a UPN.

 Um dia, em 1967, comprei o livro de Hans Joachim Netzer, “Crimes contra a Natureza”, numa edição bem brasileira da Melhoramentos/SP. A leitura espontânea de uma edição brasileira acho que pouco representa influências do Primeiro Mundo, como agora os ecopolíticos “historiadores” proclamam. A influência decisiva que recebi foi de Roessler.

De 1963 a 1970, procurei me encontrar com pessoas que julguei poderem se interessar pela natureza de forma ativa. Nenhuma conseqüência, até que, em 1970, encontrei um grupo de interessados com o qual mantive vários encontros até que um deles disse que tinha encontrado um outro que, este sim, era interessadíssimo e entendido nos problemas da natureza, um verdadeiro mestre.

Procurei imediatamente o homem “certo”, que era Lutzenberger. Então foi tudo planificado para se fundar uma verdadeira entidade de luta ambiental, aproveitando o incentivo e o pulso inicial de Roessler. Da lista dos convidados e fundadores, só pessoas interessadas e idealistas, inclusive vários ex-companheiros de Henrique Roessler. Tão bem escolhidos, que a maioria inda permanece na luta até hoje.

O organizador pode afirmar que não houve nenhuma influência do Primeiro Mundo. Lutz, na sua maneira até hoje repetida, de ser didático, continuamente doutrinando ou fazendo conferências, palestras, conversas, foi nosso mestre e teórico. Contudo não era o guru dos rumos da entidade. Havia um trabalho coletivo.

Responsabilizava-me por quase todo o trabalho burocrático e muito da propaganda, pois tinha sido livreiro administrador e fundador da melhor e mais eficiente livraria que o PCB teve em todo o Brasil, além de ter sido encarregado da divulgação do órgão central do Partido, por todo o Estado – A CLASSE OPERÁRIA.

AGAPAN apolítica?

Quando fundamos a AGAPAN não éramos, nem nos declarávamos apolíticos. Mas, em virtude de um erro inicial, tenho que dar explicações. Nunca tivemos medo da ditadura e poucas vezes tivemos que tomar alguns cuidados. Acontece que criamos uma comissão de umas quatro pessoas, sendo dois ou três professores universitários (Alarich Schultz e Eugênio Grumann) para redigir os estatutos da entidade.


 Secretariei esta comissão e o método de trabalho, de só impulsionar os demais, o que fiz sempre, ou pelo menos até 1984, quando fui empurrado para fora da AGAPAN, dei toda liberdade de ação aos demais membros da comissão. Assim agindo dava rapidez aos trabalhos, mas o resultado foi permitir involuntariamente que, nos Estatutos, fosse introduzida a palavra APOLÍTICA.

Infelizmente isso permaneceu nos Estatutos por muito tempo. Mas Lutz, desde o início, repudiou o termo e, assim como todos os militantes que trabalhavam verdadeiramente na AGAPAN, o apoiei. Lutzenberger chegava a gritar dezenas de vezes que a entidade era apartidária, mas não apolítica. Dos redatores, que nunca se dedicaram ao verdadeiro trabalho, me lembro dos dois professores, sendo que um morreu e o outro retirou-se cedo da entidade.

Foi um erro meu. Não poderia adivinhar que depois surgiriam pessoas que quisessem explorar o fato assim que, faço autocrítica, sendo que Lutzenberger não precisa fazê-lo de forma alguma.

As lutas

Desde o início de nossas atividades, e vamos comprovar agora, nunca fomos apolíticos. Os nossos arquivos de correspondência, de recortes, manifestos mais conferências e todas as atividade provam isso. Vamos às alegações e provas:

Nossas reivindicações foram:

 1.     Caça, fauna, florestas: Combatemos o “reflorestamento” que o governos promovia na época, financiado por incentivos ficais e realizado quase sempre, aberrantemente, às custas das floretas nativas.

2.     A questão filosófica, desde a conferência inicial do Lutzenberger (Por uma Ética Ecológica), em 04.06.71, exatamente como ele levanta até hoje, só que de acordo com cada época.

3.     A campanha contra a poda das árvores urbanas, iniciada em 26.06.71, deve ficar claro, foi questão bem ecológica e com feição política (no nosso caso isto é verdade) e que quando enfrentamos a autoridade municipal, a do prefeito, assim fizemos porque não iríamos combater o Presidente da República por um assunto tão local. O prefeito ouviu o que mereceu, como se costuma dizer “a briga dói de foice” e nenhuma autoridade da ditadura teve a iniciativa de defendê-lo porque não entenderam o alcance político da nossa verdadeira guerra, o que também os “ecopolíticos” não querem e não podem entender.

Atentos e responsáveis que éramos só tínhamos que continuar combatendo muitas outras vezes a Prefeitura de Porto Alegre, como nos casos de invasões no Parque Farroupilha, Parque Sant’Hilaire, árvores, morros e paisagens. Acuado, desmoralizado e afinal derrotado, o Prefeito talvez nunca tenha se lembrado de pedir socorro às forças representativas da ditadura, que estavam guerreando no centro e no norte do país, e não iriam se preocupar com árvores. Absurdo!

Sim, estávamos defendendo as árvores, e isto deixa os ecopolíticos desconfiados porque para eles, a coisa mais apolítica que pode acontecer é falar em árvores. Se a luta era no plano municipal, outra coisa não poderíamos fazer. Também, nunca nos escondemos atrás das árvores, lutávamos cara a cara. Cumpríamos nosso papel, as nossas tarefas. Eles atacam um passado impecável e inatacável.

Eles não consideram e época que não havia desemprego e sim crescimento, não havia ecologistas na maioria dos países do mundo a não ser numa meia dúzia dos países mais adiantados. Mesmo lutando em favor das árvores éramos políticos. Não sejam ecochatos! Vão trabalhar e deixem de atacar o passado da AGAPAN!

4.     Áreas naturais. A primeira foi a das ilhas do Delta do nosso Rio Jacuí e foi por intermédio de um deputado estadual governista, iniciada em 31.08.1971. A sua participação foi meramente acidental e está explicada no trabalho “Socialismo, a Direita e o Ecologismo”. Mais tarde, em defesa deste parque, nos chocamos com o mesmo prefeito.

Também pela preservação para as lagoas litorâneas. Não posso entender que esse tipo de reivindicação possa ser “insinuação” e não um ato político, porque os que atacamos eram exploradores imobiliários e autoridades governamentais.

5.     Agrotóxicos – Sete meses após a fundação da AGAPAN chegou no Brasil o Prêmio Nobel da Paz – Norman Borlaug, defensor intransigente dos agrotóxicos, que veio visitar a nossa ditadura e os governantes militares, quando trocaram elogios mútuos, como abraços e outras agressões à Natureza e à saúde dos brasileiros. Lutz, através do prestigiado vespertino FOLHA DA TARDE, de Porto Alegre, em 10.12.1971, atacou o cientista da Revolução Verde. Talvez essa notícia não tenha sido divulgada no centro do país, mas mesmo que fosse, dificilmente a polícia política, sem antecedentes nossos, iria adivinhar que a nossa campanha contra os agrotóxicos iria alcançar o nível atingido.

Lutz, pioneiramente, de maneira contundente, levantou a questão dos agrotóxicos através de palestras e denúncias. A primeira na AGAPAN, em 05.10.72, e a segunda em 17.04.73 para os estudantes da Escola de Agronomia, patrocinada pelo Diretório Acadêmico. A terceira na Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul. As Conferências tiveram os nomes “A Insensatez da Agroquímica” e “Contaminação Insidiosa”. 

Constituíram trabalhos escritos e que um agrônomo, que também era dono de uma tipografia, imprimiu para a Sociedade de Agronomia, sendo que, para a AGAPAN, doou uns dois mil exemplares extras. A distribuição foi completa pelo Brasil e todas as sociedades de agronomia do país receberam cópias. Em conseqüência, várias destas entidades, inclusive da Amazônia, convidaram o Lutzenberger para fazer conferências e explicar o problema dos agrotóxicos. 

6.     Transamazônica. Em janeiro de 1972 manifestamos nossa preocupação pela construção da estrada e denunciamos adequadamente, apenas nossa denúncia não possuía caráter de manifesto nacional porque não conhecíamos outras entidades do Brasil nem pensávamos na possibilidade de fazer frentes. Cumpríamos a nossa parte. Nossa manifestação foi publicada no CORREIO DO POVO de 30.02.1972 e em 23 de dezembro do mesmo ano publicávamos um artigo em defesa da Amazônia.

A questão é sumamente política e começou a ser ouvida e entendida pelos profissionais de todo o Brasil. E, em vários recantos do país, foi esta a mensagem que divulgou a Ecologia, ou o ecologismo, porque Lutz, além de explicar a parte técnica, defendia a Natureza em geral, com a mesma ênfase que sempre usou.  Conforme notícia da FOLHA DA TARDE de 01.03.74, uma Comissão da Secretaria Estadual da Agricultura, a Comissão de Defesa Fitossanitária encarou o problema dos prejuízos agrotóxicos e foi isso o início que chegou até as leis estaduais pioneiras. Que outra coisa desejávamos?

7.     Problemas urbanos e defesa de praças e árvores, contra viadutos e asfalto, que estavam dominando a cidade porque a ditadura despejava dinheiro aqui. Nós desmoralizamos o prefeito tecnocrata. A ditadura não entendeu e não seríamos nós que iríamos lhes interpretar o conteúdo da nossa luta e lhes fazer uma previsão do futuro.

8.     Borregaard. Em 11.02.1972, Lutzenberger, não pela primeira vez, manifestava nossa preocupação com a instalação desta fábrica. Foi um ato político. Nesse período inicial foram realizados trabalhos contra os poluidores, a própria Borregaard, na comissão parlamentar da Poluição e outros pequenos que infelizmente não estão registrados no nosso arquivo de recortes.

9.     Seminários e Cursos. Depois de alguns seminários e cursos realizados com a nossa participação no Rio Grande do Sul, Lutzenberger participou de um, fora do Estado, pela primeira vez. Lutz, em dezembro/71, falou sem restrições, mas não agradou os industriais de Curitiba (FIEP). Contudo, como eles não sabiam prever o futuro, ficaram no desagrado e não denunciaram às autoridades da ditadura.


10.     Estocolmo 1972 – Em 03.07.1972, Lutzenberger, através da nossa imprensa, atacou o Min. Costa Cavalcanti pelas suas declarações na Conferência de Estocolmo, quando este defendeu a poluição. Foi, mais uma vez, como sempre, uma definição política. Como a imprensa nacional nada entendia de ecologia e o Rio Grande do Sul está no extremo do Brasil, não temos culpa se a ditadura nem tomou conhecimento das declarações de Lutz.

11.     Presença na Imprensa – A imprensa de Porto Alegre, pelo fato de sermos bastante ativos e ativistas e de Lutzenberger ser um mestre que todos os dias era falante, didático, dedicado e também aberto aos jornalistas, procurando-os e sendo procurado, fornecendo-lhes matéria, fazendo conferências, e também todos nós fazendo manifestos e correspondências, sempre nas horas certas, atentos a todas reivindicações e denúncias, não poderia dar outra cousa senão projeção nacional do nome da AGAPAN, do Lutzenberger e da ecologia do Rio Grande do Sul. 

Eu administrava racionalmente as finanças e as aplicações nas despesas. A arrecadação só vinha das anuidades dos sócios. Como tesoureiro, era minucioso e insistente, sabia ser cobrador e conhecia todos os endereços dos mil sócios. Nunca fomos financiados por verba alguma de governo ou de algum burguês.


 12.    Propaganda – Muitos companheiros, simpatizantes e amigos escreviam na imprensa, faziam manifestos e denúncias. Entre muitos lembramos Nicolau Campos, César G. Víctora, Celso Marques, Mozart Pereira Soares, Flávio Carneiro, Luís Fernando Veríssimo, Carlos Drummond Andrade. Sobre este último ver no Jornal do Brasil de 19.06.73, Caderno B, pág. 5.

13.     A autoridade estadual – Em 15.10.1973, a Secretaria Estadual do Trabalho do Rio Grande do Sul, dirigida pelo político da ditadura Nelson Marchesan, resolveu desmatar importante área florestal, para fins de “lazer” dos operários. Era a primeira vez que enfrentávamos uma autoridade estadual e o fizemos como deveria ser feito, com o máximo de energia. E foi uma pegada dura (outra “briga de foice”). Tivemos aliados, cobertura da imprensa, envolvendo até a FBCN do Rio de Janeiro. Enfim, soubemos trabalhar e salvamos a área. O assunto esteve na imprensa mais de um mês. A destruição teve o apoio do prefeito da cidade de Canoas, que defendeu a obra tecnocrática de Marchesan e não se lembrou de denunciar à polícia da ditadura porque não adivinhou como aquele incidente nos projetaria. A ditadura tinha polícia, mas não adivinhou. Além disso, o Rio Grande do Sul fica a milhares de quilômetros do centro do país.

14.     A energia atômica – Desde muitos anos atrás, quando pouco mais de uma dezena de cientistas esclarecidos, alguns democratas e outros preservacionistas, principalmente nos EE.UU., combatiam a realização dos testes atômicos na atmosfera, criou-se o ambiente que alcançou e pressionou os governos à realização do Tratado de Proscrição das Explosões Nucleares na Atmosfera. Apenas EEUU, União Soviética e Inglaterra o afirmaram e cumpriram, sendo que China e França continuaram a contaminar o céu de todos. A AGAPAN, sem a participação de Lutz, em 30.08.73, por intermédio de Celso Marques, redigiu um energético e divulgado manifesto contra as experiências nucleares francesas, que foi entregue no consulado francês e noticiado na nossa imprensa e também no “Estado de S. Paulo” de 31.08.73.

Mas sobre Energia Atômica, o principal deve ser conhecido e relembrado com detalhes. Até 1975, pelo menos no Brasil, eu só tive conhecimento de pessoas que condenavam os testes atômicos e não conheciam nenhuma manifestação sobre o uso “pacífico”.

Pois um dia Lutzenberger nos comunicou que faria um pronunciamento importante em conferência aberta e noticiada pela Agapan a qual foi proferida em 28.07.75. E assim, de surpresa, novidade para mim e acho que também para todos, ouvimos completa análise e denúncia da energia atômica para todos os chamados fins pacíficos. Contra os reatores e contra o lixo atômico. Como sempre, providenciamos publicação, por mimeógrafo, do trabalho de Lutzenberger e o divulgamos por todo o Brasil, às entidades ecologistas e outros.

O trabalho intitulava-se “Os Custos Ambientais do Uso Pacífico de Energia Atômica”. É bom lembrar que isto foi feito na ocasião em que se discutia o acordo de cooperação entre os governos do Brasil e Alemanha, o qual em nenhuma oportunidade considerava a problemática ambiental. As atividades de Lutzenberger chamaram a atenção das “forças repressivas” que mandaram investigar a vida dele, fato noticiado na imprensa, mas cujos comentários podem ficar para outra oportunidade para não aumentar muito este trabalho.

Devemos dizer que em princípios de 1977 tomamos conhecimento de outra pessoa, o prof. José Edson Perpétuo, de Juiz de Fora, MG, se pronunciou contra a radioatividade e os reatores. Depois, surgiram outros. Mas, até prova em contrário, foi Lutzenberger o primeiro do Brasil a se posicionar com profundidade contra a Energia Atômica.


 B – Agora a questão dos primeiros aliados, conforme Sirkis

À página 216 do livro, Sirkis afirma que Lutzenberger liderava o movimento e tinha “como aliadas senhoras da alta sociedade gaúcha, próximas aos círculos do poder e insuspeitas de qualquer intenção subversiva”. E acrescenta que “ainda assim, o incipiente movimento era estritamente vigiado pela multitentacular comunidade de segurança e informação do regime militar”.

Em abril de 1972, Lutzenberger teve o primeiro encontro com um grupo de senhoras da ADFG – Ação Democrática Feminina Gaúcha, entidade em funcionamento em Porto Alegre fazia vários anos, para as quais dez um conferência. Estas imediatamente prometeram ajudar a Ecologia e assim fizeram. As nossas aliadas, no início pouco ajudaram e nós menos nos escondemos atrás delas, como deixa entender Sirkis. Elas trabalharam bem. Foram as pioneiras no Brasil inteiro, que ensinaram a questão do LIXO LIMPO, também protestaram em defesa do Parque do Delta do rio Jacuí e outros importantes objetivos. 

Seu trabalho era completamente independente do nosso, naquela época, era interessantíssimo e não havia como nos abrigarmos atrás delas. Elas sempre trabalharam bem até chegarem a ser a seção brasileira de AMIGOS DA TERRA, sendo que hoje seu trabalho é muito melhor e de credibilidade maior do que o da AGAPAN.

Quanto à vigilância política sobre nós, vamos relembrá-la. Realmente, durantes nossas intensas atividades fomos algumas vezes investigados. Primeiro nas reuniões famosas e abertas, que chamavam a atenção de um enorme público e de jornalistas (estas reuniões de segundas-feiras foram uma criação nossa que pode ser estudada em outra oportunidade). Os investigadores freqüentavam as nossas reuniões e procuravam nos entender.

Como não podia deixar de ser, orientados pelo Lutz, os nosso assuntos eram abordados de maneira tanto política, com técnica, mas mesmo a nossa linguagem sendo acessível aos verdadeiros interessados, não estava ao alcance dos visitantes neutros ou mal intencionados. O leigo ou espião escutava e só poderia conseguir entender que havia sinceridade em nossos debates, e se ia sem poder ajudar seus chefes. 

Também houve uma ocasião em que o governo estadual se interessou em nos conhecer melhor e enviou um ou mais funcionários à nossa reunião, quando perguntaram abertamente qual a relação nossa com o fato de o governo estadual ter recebido mais de uma centena de cartas de São Paulo pedindo proteção à nossa fauna, especialmente para a ema. Era que a organização religiosa Ordem do Graal na Terra, de São Paulo, depois de fazer campanha ecológica em favor da fauna, pediu aos seus fiéis que escrevessem ao governo do Rio Grande do Sul. 

Esse mesmo assunto foi motivo da crônica de Carlos Drummond de Andrade, no Jornal do Brasil de 19.06.73. Carlos Drummond de Andrade se correspondeu com a AGAPAN várias vezes. Não é por acaso que o poeta e político tivesse dado atenção a nós.

Houve uma vez que, na caixa postal, a nossa correspondência foi examinada. Que tinha ela de subversiva? Tudo ou nada! Mas eles não puderam entender e nos abandonaram também naquela parte.

C. Marco inicial do Movimento Ecopolítico

Sirkis afirma que o início do movimento ecopolítico no Brasil foi marcado pelo episódio da árvore onde, em 25.01.1975, o estudante Carlos Dayrell nela subiu impedindo sua derrubada. Alfredo Sirkis transcreve a notícia do Jornal do Brasil. Realmente o nosso trabalho naquele dia foi político, como os anteriores que já descrevi. Entretanto, para os fatos ficarem bem esclarecidos e compreendidos é necessário historiá-los: a Prefeitura de Porto Alegre fazia viadutos e iniciou a derrubada de dezenas de árvores de uma parte importante do mais importante parque da cidade. O povo se preocupava.

Nós redigimos um manifesto contrário que, distribuído à imprensa, não foi publicado. Estávamos desorientados e recalcados. Carlos Dayrell, na semana anterior, por motivos estritamente pessoais e particulares, teve um encontro conosco, numa excursão, quando ouviu as tradicionais conversas didáticas do Lutz. Foi convidado a se alistar na AGAPAN e comparecer às valiosas reuniões das segundas-feiras.

Dia 24 de janeiro de 1975, fizemos a nossa reunião e Carlos lá estava. Nos debates, dois estudantes desconhecidos e nunca identificados, nos interpelaram sobre como enfrentaríamos a Prefeitura em seu instinto destruidor, no caso do Parque da Redenção ou Parque Farroupilha e das árvores da Avenida João Pessoa. Lutzenberger apressou-se a responder: “Já nos esforçamos ao máximo e nada conseguimos. Vocês estudantes, nos ajudem, subam nas árvores!”. E, ali, tudo ficou nisso.

No dia seguinte, terça-feira, Carlos Dayrell fazia sua inscrição na Faculdade, quase ao lado das Brás municipais. Os operários com moto-serra derrubavam as primeiras árvores da esquina da João Pessoa com Sarmento Leite. Onze horas. Dayrell, sozinho, parou, olhou e viu um caminhão encostado na árvore. Aproveitando o caminhão subiu imediatamente nela. Intimado pelo pessoa da obra a baixar, recusou-se. Imediatamente começou a juntar gente e mais dois estudantes se solidarizaram, subindo também. Na hora, passava no local uma bancária, militante da AGAPAN, que nos telefonou.


Orientei a AGAPAN depois de ajeitar minha ausência no trabalho. Convidei outro membro da diretoria que trabalhava perto e, para o local nos dirigimos. Também telefonei a vários integrantes da AGAPAN, principalmente pedindo que localizassem Lutz. Tudo feito e durante a tarde vários militantes da AGAPAN apareceram, inclusive Lutzenberger que passou a ser o segundo centro dos acontecimentos, sempre rodeado de jornalistas. Fizemos muitos contatos com jornalistas, estudantes e outras pessoas e também com o capitão Joaquim Moncks, chefe do policiamento da Brigada Militar, que depois se retirou, sendo substituído. A participação dos estudantes dói real, além da subida solidária, escreveram cartazes, permanência ininterrupta, aplausos, vaias, etc.


 Às 18 horas o episódio, ali, teve desfecho tumultuado com espancamento e prisão de quatro participantes: dois estudantes e dois jornalistas. Tudo só terminou às 23 horas com a liberação dos presos. Membros da AGAPAN, jornalistas e algumas outras pessoas permaneceram na frente da Delegacia Policial até o fim.


Só relatei até certa parte de 1975. Há muito mais: o livro FIM DO FUTURO? Que é um manifesto dirigido ao Brasil, e outros episódios valiosos, mas o que acima está relatado é quase todo o nosso princípio (talvez tenha esquecido algum acontecimento).

Sirkis diz que no Brasil, com o início do processo de abertura política, o movimento ecologista tendeu a uma natural politização. Entendo que Sirkis que dizer que tudo o que houve antes se dividia entre “lobby” e organização popular. Realmente, fizemos tudo o que podíamos, tudo o que fosse possível e mais não fizemos porque éramos pobres e limitados materialmente. Acontece que na Europa e EEUU as entidades geralmente são ricas e bem organizadas, com milhares de associados, e no Brasil as limitações são muito maiores. Características que independeram do processo de abertura política. 

E além disso a evolução da luta ecológica teve suas etapas de maneira semelhante em qualquer país civilizado, do “apoliticismo” à “luta social”. Se outra entidade, no mesmo período, apresentar atividades semelhantes deve se inscrever na história. Se em outro Estado, houver pessoas que, há mais de 40 anos, denunciaram de maneira ampla as agressões, que sejam registrados. Na imprensa, faz pouco, foram registradas as manifestações de pessoas isoladas, até de mais de 40 anos atrás, mas são pequenos pronunciamentos ou atitudes, sem continuidade. 

Os dois gaúchos, Rambo e Roessler, morreram de pé, discutindo problemas ambientais continuamente, e com que visão! José Bonifácio de Andrade e Silva protestou contra a matança de baleotes e contra o desmatamento e queimadas, considerando tudo recursos naturais, o que já é um progresso para 1820, mas era também uma voz isolada, saída de um cérebro inteligente num mundo de ignaros.

Terminando, reconheço que os Partidos Verdes são entidades úteis à luta ecológica, os mandatos parlamentares de seus representantes melhor.

Finalmente, Sirkis se referiu ao movimento dos seringueiros e suas atividades. Aproveito para lembrá-lo que até aí influenciou decisivamente a mão e a iniciativa de Lutzenberger. Ele foi várias vezes a Rondônia e Acre. No primeiro Estado fez um grandioso filme; no segundo, reuniu-se com o Conselho Nacional dos Seringueiros. Conheceu Chico Mendes e vendo o seu valor e a importância de seu trabalho, destinou-lhe uma verba de uns US$ 500 mensais, que havia conseguido na Europa. Chico teve essa ajuda por vários meses até a data de sua morte.






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