AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

PROJETO BALEIA‑FRANCA EM ATIVIDADE

Governo Gaúcho ajuda na defesa das baleias

Por José Truda Palazzo Júnior

Num país em que o desinteresse de todos os níveis de governo para com a conservação da Natureza é cada vez mais escandaloso, torna‑se uma obrigação para os ambientalistas registrar os poucos apoios recebidos para o desenvolvimento de projetos das ONGs.

O Projeto de Pesquisa e Conservação da Baleia Franca (Eubalaena australis) no Brasil, iniciado em 1982 e coordenado pela Coalisão Internacional da Vida Silvestre ‑ IWC/BRASIL, tem como finalidade monitorar e proteger através da conscientização pública a população “brasileira” desta espécie de baleia que é uma das mais ameaçadas em todo o planeta, restando nos oceanos pouco mais de 4.000 animais. No inverno e primavera, parte das baleias francas sobreviventes convergem para a costa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina com a finalidade de parir e amamentar seus filhotes ou acasalar; no período que vai aproximadamente de junho a setembro, elas podem ser observadas muito próximas das praias, às vezes até a 100‑150m no limiar da arrebentação.

As atividades do Projeto Baleia Franca consistem em acompanhar as baleias em sua visita ao nosso litoral, através de um censo aéreo no qual são fotografados e contados os indivíduos e anotados sua localização e seu comportamento, e em promover atividades como palestras, mostra de vídeos e slides e distribuição de cartazes e folhetos nas comunidades costeiras gaúchas e catarinenses, visando alertar as pessoas para a presença desses animais ameaçados e a necessidade de protegê‑los contra perturbações ou agressões. Caçadas ilegalmente em Santa Catarina até 1973, apesar de terem sido declaradas protegidas por convenções internacionais desde 1935, as baleias francas têm na perturbação por barcos de pesca ou de “lazer” a pior ameaça atual à continuidade da espécie.

Dentre os resultados já obtidos pelo Projeto estão a redução a zero as agressões graves e conflitos entre pescadores e baleias ‑ coisa que ocorria ainda na década de 80, com filhotes sendo encontrados mortos com marcas de tiros ‑ e a descoberta, pela identificação fotográfica dos indivíduos, de uma ligação entre as populações do Brasil, da Argentina e da África do Sul, comprovando o caráter de patrimônio internacional da espécie e aumentando a responsabilidade brasileira para com sua proteção.

Sem qualquer tipo de apoio oficial até 1992, o Projeto, que depende de (magros) recursos alocados pela IWC para custear suas atividades, sempre teve como maior problema a concretização do censo aéreo anual, que dependia do aluguel de avião adequado (um monomotor de asa alta), sendo conseguidos geralmente apenas aviões velhos e mal conservados (o melhorzinho, utilizado de 1987 a 1991, era de 1954), e de pilotos experientes, mais difíceis ainda de achar. A equipe do Projeto, quando chegava a conseguir fazer o vôo no período de presença maciça das baleias (final de agosto/início de setembro), tomava vários sustos e mais de uma vez esteve perto de se esborrachar: as fotos das baleias, utilizadas para identificação individual, têm que mostrar claramente as verrugas da cabeça e para isso precisam ser obtidas a baixa altitude. Parece brincadeira, mas não é: cinco pesquisadores já morreram em outros países fazendo este mesmo tipo de trabalho.

Em 1992, entretanto, quando parecia que o Projeto Baleia Franca completaria dez anos sem sequer ter interessado a alguma autoridade pública, apareceu a luz no fim do túnel. Com a oportuna intermediação do Deputado Federal Francisco Carrion Júnior, ele próprio um aficcionado da observação de baleias e piloto, o Projeto foi apresentado ao Departamento Aeroviário do Estado do Rio Grande do Sul, que prontamente colocou aeronave adequada e pilotos experientes à disposição da equipe de pesquisa. O censo aéreo de 1992 foi, então, um sucesso.

Mas o censo de 1993 foi ainda melhor. Utilizando um avião Cessna‑182 do DAE‑RS pilotado pelos Comandantes Fontoura e Rodrigo, a equipe de vôo do Projeto ‑ o autor deste artigo (fotógrafo) e Maria do Carmo Both (relatora) ‑ fez a 27 de agosto deste ano o maior registro de baleias francas já confirmado no Sul do Brasil neste século: 28 animais, encontrados desde Atlântida (RS) a Florianópolis (SC). 

Fêmeas com filhotes, grupos de acasalamento, todas foram registradas graças à perícia e boa vontade dos dois pilotos, num vôo que durou muitas horas e só terminou com o retorno a Porto Alegre justo a tempo de aterrisar antes do por‑do‑sol. Com tempo calmo e mar muito limpo, a equipe de vôo localizou e fotografou baleias em locais “fáceis”como próximo a Itapeva (Torres, RS) e extremamente difíceis de se trabalhar, como a praia de Matadeiro em Florianópolis — assim chamada porque ali se matavam baleias há décadas atrás — onde a proximidade das baleias dos enormes costões rochosos exigiu o máximo de atenção dos pilotos.

A equipe do Projeto faz questão de registrar que não apenas o DAE/RS promoveu o vôo, mas também que o pessoal do Departamento esforçou‑se visivelmente para que a missão fosse um sucesso, enganjando‑se no esforço de defesa das baleias francas com um entusiasmo difícil de se encontrar nas esferas oficiais.

Os órgãos públicos ditos “ambientais” do Brasil, que tantas vezes torcem o nariz para as ações promovidas pelas ONGs, poderiam se espelhar no apoio do DAE/RS ao Projeto Baleia Franca. A união de esforços entre entidades civis e governo, como neste caso, poderia resolver diversos problemas de conservação da Natureza em nosso País. Bastaria querer...






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