AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

Reunião na Assembléia Legislativa desmascara a ELETROSUL 

O Desenvolvimento “Sustentável” segundo a ELETROSUL

A 25 de agosto de 1993, a Comissão Permanente de Saúde e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou sessão reunindo, pela primeira vez, todas as partes envolvidas na construção da Termoelétrica de Jacuí I: ELETROSUL, técnicos da FEPAM, deputados, vereadores e prefeitos da região carbonífera, Ministérios Públicos Estadual e Federal, e comunidade interessada.

Para garantir a presença dos técnicos da FEPAM, também pela primeira vez a Comissão de Meio Ambiente usou do seu direito-dever constitucional (art. 56, 2º, II da Const. Estadual) de convocação.

Preparada com semanas de antecedência em trabalho de bastidores de assessores da Comissão, a sessão foi tensa, chegando a ser interrompida pelo seu presidente, deputado Marco Peixoto, várias vezes.

AgirAzul publica com exclusividade excertos da transcrição da sessão (que tem 48 páginas) situando bem a problemática de forma a dar ao leitor idéia correta do que está acontecendo a respeito da construção da Usina de Jacuí I.

Leia na capa desta edição mais detalhes sobre a grande crise, construtiva, que se instalou na FEPAM.

A transcrição integral desta reunião da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia está à disposição dos interessados na redação do AgirAzul, na APEDEMA ou na Assembléia. (JBSA)

Mauro Gomes de Moura – Presidente da Associação dos Servidores da FEPAM

Fui convocado para esta reunião, mas viria da mesma forma se convidado fosse. A Associação dos Servidores da FEPAM foi fundada para que os técnicos da entidade possam manifestar-se como cidadãos, ou seja, ora iremos ao encontra e ora iremos de encontro à política ambiental do Governo do Estado.

Em relação à Jacuí I, convocamos uma assembléia-geral dos servidores da FEPAM, que foi realizada em 12 de agosto de 1993, para manifestarmos nossa discordância com relação à autorização contida na certidão formalizada pelo Sr. Secretário da Saúde e do Meio e Ambiente e pelo Sr. Diretor Técnico da FEPAM em 5 de agosto de 1993 para reinício das obras de engenharia da Jacuí I, localizada em Eldorado do Sul, pelos seguintes motivos: a ELETROSUL não cumpriu a legislação ambiental vigente desde o início de sua implantação, sendo sempre pautada sua atuação pela política do fato consumado. Isso é muito perigoso, podendo ser um precedente para que outras empresas assim o façam, instalando-se no Estado, inclusive na região do carvão, sem licença ambiental, sem respeito à legislação. 

Na certidão não foram acatados os critérios existentes no corpo técnico da FEPAM para a Jacuí I, os quais são decorrentes do alto potencial poluidor da má localização do empreendimento, que não obteve a licença prévia exigida por Lei. O alto potencial poluidor e a má localização já foram abordados pelos colegas. Não concordar com o parecer nº 9.736, de 1993, exagerado pela Procuradoria Geral do Estado, por entender que deficiências na legislação, como muito bem colocou nosso assessor jurídico, Paulo Régis da Silva, não poderão se sobrepor à proteção ao meio ambiente, à saúde pública e bens materiais de toda sociedade impactada pelas emissões de Jacuí I; não reconhecer a validade do termo de transação celebrado entre o Estado do Rio Grande do Sul e a ELETROSUL, em 2 de outubro de 1989, por seu conteúdo, pela não-participação dos técnicos pagos pela população para esse assunto e por não ter sido homologado judicialmente. Queremos dizer que, enquanto funcionários da FEPAM, vamos cumprir as determinações vindas do Governo do Estado – através desta certidão – enquanto a sociedade civil não tomar outras providências. Porém, como cidadãos, a nossa posição é contrária.

Paulo Lobato, vice-prefeito de Eldorado do Sul

O brilhante – em todos os sentidos – procurador da FEPAM fez certas considerações ao falar do compromisso da sociedade. Qual é a sociedade compromissada com aqueles que estão dependendo de empregos da região, por sinal, a mais pobre do Estado? É a sociedade elitista, ou é a sociedade carente, que não tem o pão para o dia-a-dia; aquela sociedade que foi mostrada na faixa. Naquela faixa estava escrito “a fome é a maior poluição”, os ianomâmis estão sendo dizimados não só pelas chacinas, como também pela inanição, pela falta de alimento, pela subnutrição e pelo desamparo. Pelo que sei, lá se respira o mais puro e perfeito ar sobre a Terra. (...)

Eldorado do Sul é o município onde está sendo instalada a Termelétrica Jacuí I, Causa-me estranheza esta reunião. Não sei porque reunir tão dileta platéia e tão importante técnicos para discutir um fato consumado, pois, segundo se noticia, já foi dada licença para o reinício das obras. Não sou técnico, portanto não vou discutir dados técnicos, pois entrar nesse setor seria uma impertinência da minha parte. Não conheço a diferença entre as Resoluções nºs 6 e 8 [do CONAMA], mas, se são conflitantes entre si – a ELETROSUL apega-se num lado e a FEPAM apega-se no outro -, os técnicos que resolvam isso, o que, porém, não está sendo muito fácil.

A maioria das manifestações é favorável à implantação da Jacuí I. Por que essa vontade de atrapalhar a sobrevivência da nossa gente? A região carbonífera, como disse, é a mais pobre do Rio Grande. Até quando ficaremos dependendo da boa vontade dos técnicos para sobrevivermos condignamente?

Ivar Pavan, Deputado Estadual

A segunda contestação que gostaria de fazer é com relação ao argumento utilizado pela ELETROSUL na exposição inicial, com relação à dependência energética do Estado. É verdade que o Rio Grande do Sul importa 60% da energia elétrica. Todos sabemos que o sistema ELETROBRÁS é interligados, inclusive a ELETROSUL sabe disso melhor do que eu. Não será essa termelétrica que irá abastecer o Rio Grande do Sul. A Candiota III tem uma capacidade instalada de 446 Mw e opera com 25% dela, porque quem abastece é o sistema interligado com a energia hidroelétrica. 

Quero fazer três contestações e levantar duas dúvidas. Sabemos que há interesses em disputa, mas não estão de um lado os defensores do progresso e de outro os que são contrários a ele. Em primeiro lugar, obviamente, está o progresso. Esse é o nosso discurso.

Essa dependência é relativa, porque essa termelétrica, que vai gerar 350 Mw, não operará com toda a sua potência, mas será construída e aguardará. Esse investimento custa caro para o País, inclusive já foram gastos US$ 750 milhões, que estão sendo pagos com juros altíssimos e só utilizaremos essa energia talvez daqui a quinze ou vinte anos.

A terceira contestação refere-se à questão da resistência da ELETROSUL com relação ao cumprimento da legislação ambiental. Foi defendido pelos seus técnicos que, conforme a tese proposta, a ELETROSUL está cumprindo a legislação. Particularmente, conversei, em Florianópolis, com um dos seus diretores, que me afirmou que, para a Empresa, seria mais barato abandonar o empreendimento do que cumprir a legislação ambiental. Então, há uma contradição entre o que foi dito pelos técnicos e pela direção. Gostaria que essa contradição fosse resolvida.

Celso Marques, presidente da AGAPAN

Conforme a minha avaliação, a empresa estatal deveria ser uma empresa pública, com o compromisso de preservar o interesse do povo. Parece-me que esse não é o caso. A obra vem em defesa de uma região, mas traz conseqüências que contrariam o interesse público. Para mim, esse é um ponto a menos na defesa da sobrevivência da ELETROSUL enquanto uma empresa pública. Os técnicos da Empresa precisam preocupar-se com isso, porque estão perdendo aliados. É norma do setor elétrico, no País inteiro, não considerar a legislação ambiental como uma questão importante, porque a compreensão nesse sentido é muito limitada.

Gostaria de saber por que a ELETROSUL decide implementar uma obra sem licenciamento prévio, sem permissão de instalação, sabendo que isso pode comprometer a licença de operação, assim como todo o empreendimento.

 O meu segundo questionamento é o seguinte: há um acordo de transação, assinado pelo Governador do Estado, que é a autoridade máxima. Portanto, a decisão de dar continuidade à obra é política. A Procuradoria-Geral do Estado disse que é lei o que as partes decidirem, e emitimos um parecer a partir dessa colocação. Esse parecer não está abrindo um precedente no nosso Estado, permitindo que outras empresas façam o mesmo?

Gostaria de expressar a minha total concordância com a avaliação que foi feita pelo Deputado Ivar Pavan a respeito dos problemas do setor elétrico, inclusive da própria ELETROSUL. Fui informado, não sei se é verdade, de que o titular da FEPAM está em Porto Alegre, mas não está presente neste momento. Isso é bastante estranho, assim como também o é o fato de o encaminhamento dos documentos que foram assinados visando essa tentativa de liberação da obra Jacuí I não terem sido feitos pelos titulares. O Secretário da Saúde e Meio Ambiente, que é titular do órgão ambiental do Estado, e o titular da FEPAM não assinaram esses documentos, o que é muito curioso.

Achei extremamente pertinente a avaliação do comportamento do setor elétrico brasileiro feita pelo Deputado Ivar Pavan. A ELETROSUL é uma empresa estatal que prima pelo meio ambiente. Se os Senhores forem a Santa Catarina visitar a Usina Jorge Lacerda poderão sentir exatamente o que eu estou falando. A ELETROSUL foi condenada duas vezes no Tribunal da Água que se realizou recentemente em Florianópolis, exatamente pelo comportamento que assume na área ambiental. É um verdadeiro descalabro. Acho que, nesse contexto todo que estamos vivendo, precisamos passar realmente para um desenvolvimento sustentável, não só de retórica, mas de ações concretas.

Na Conferência Estadual do Meio Ambiente, que ocorreu há uns dois anos, um dos maiores juristas ambientalistas brasileiros, Paulo Affonso Leme Machado, lançou uma informação incrível: 99% das 3 mil ações que correm no País com relação à área ambiental, o Estado está respondendo como réu. Quase 100% das atividades da AGAPAN resumem-se em apagar incêndios provocados, na maior parte dos caos, por órgãos estatais, ou pelo próprio Estado, que pretende ficar acima da lei ou ignorá-la em função dessa verdadeira inversão de valores que vivemos no Brasil. Este é um Estado que atua em função dos interesses privados e não em função dos interesses da coletividade.

Estamos vivendo um momento extraordinário, exemplar inclusive para a sociedade brasileira. Desde o século passado, temos uma legislação extremamente avançada. A primeira Constituição promulgada no Brasil tinha avanços notáveis em relação às Constituições européias da época. Sabemos muito bem as contradições que vivemos aqui, entre o que está escrito na lei e a realidade. É hora inclusive do setor público começar a dar exemplos, porque estamos cansados de ver casuísmos jurídicos, que têm como resultado lesar a população e o meio ambiente. (...) Acho que o Estado deve dar o exemplo, se quer realmente que a iniciativa privada cumpra a lei. Qual é a moral que o Estado vai ter para fazer exigências, [se] é réu na maior parte das ações?

Cláudio Bonato, coordenador das Promotorias de Defesa Comunitária do Ministério Público Estadual

Com todo o respeito que tenho à Procuradoria-Geral do Estado, digo que existem duas questões que ferem esse Termo de Transação. Em primeiro lugar, transação só pode ocorrer entre partes contrárias. O Estado aderiu como réu na ação e transacionou com um outro réu. O autor da ação ficou a “ver navios”. Em segundo lugar, não podemos transacionar com direitos indisponíveis, e esse direito é da sociedade e não do Estado. A lei está sendo atropelada. A lei está no Poder Judiciário para ser devidamente apreciada. O Poder Legislativo precisa se pronunciar sobre esse aspecto.






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