AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

Depois de um ano... – Os efeitos da ECO 92

Por Arno Kayser*

Passado pouco mais de um ano da Conferência do Rio, já se pode ir fazendo um diagnóstico de seus resultados, mesmo com tão pouco tempo passado desde então.

Se hoje ainda percebemos que as idéias da Conferência de Estocolmo, em 1972, ainda não foram de todo digeridas a ponto de ter se traduzido numa prática diária, que dirá as coisas ditas há pouco mais de um ano. Somente hoje pode-se perceber com mais clareza a importância daquele momento de reflexão e o tempo necessário para se traduzirem os seus resultados em práticas coletivas.

Em Estocolmo, a ênfase dos problemas colocados forma a nível local cujos efeitos ainda eram só perceptíveis em determinados locais do planeta.

Tanto que muitos do que lá foram e que ainda não vivenciavam tais situações, voltaram dizendo que lá só foram discutidas propostas calcadas num alarmismo baseado em fenômenos isolados. Era muito mais importante, para estes, o progresso para combater a miséria. Mesmo ao preço de um rio ou animal. Nestes poucos anos o que era isolado passou a ocorrer num número muito maior de locais. A miséria aumentou a despeito de todos os progressos, e os efeitos apontados em 72 se manifestaram muito mais claramente. Tanto que hoje estas idéias sobre problemas locais não são mais contestadas.

Mesmo os maiores poluidores concordam que algo precisa ser feito para recuperar aqui e ali os estragos do Planeta. Foi preciso que os problemas se multiplicassem para que os governos e amplos setores da sociedade aceitassem e se mobilizassem e passassem a tomar atitudes relativas ao que já em 72 era levantado. Ou seja, hoje podemos avaliar muito mais claramente a importância daquele evento que foi fundamental para que muita coisa mudasse e acontecesse no mundo.

Inclusive a própria ECO 92. Sem dúvida que estas questões levantadas em 72 repercutiram primeiro na sociedade civil.

As organizações ecológicas têm sido um dos principais fatos novos na cena mundial ao ponto de surgirem as agências e instituições governamentais voltadas para o meio ambiente que junto com a pressão dos movimentos ambientalistas pressionam o poder econômico para este atacar os efeitos de suas agressões ambientais. Junto, houve o início de um grande trabalho educativo formal e informal que veio gestando uma nova geração de pessoas com uma visão de ecologia. Houve reflexos ao nível político guindando-se ao poder político com, no mínimo, um discurso ecológico. Estes passaram a tomar algumas atitudes, ainda que em muitos casos puramente retóricas e demagógicas contribuindo para modificar as coisas e gerar uma nova consciência em relação ao planeta.

Mas a grande maioria destas mudanças foi dentro da ótica de 72. Toda calcada sobre problemas locais. O fato novo de 92 foi a dimensão global dos problemas ecológicos. Não é mais um rio ameaçado ou uma espécie. É o clima do planeta, os grandes ecossistemas e toda uma teia de seres vivos ameaçados.

A percepção desta nova ótica certamente levará muito tempo para se traduzir em uma consciência e uma prática incorporadas ao cotidiano das pessoas que transcenda o conceito, já arraigado, de cuidar dos bichos e das plantas como prática ecológica.

Há uma grande disputa ideológica entre a visão consumista da nossa cultura e a visão ecológica que mal e mal está se iniciando. Principalmente nos países e setores que não tiveram acesso a um mínimo material, idéias como consumo reduzido, uso racional e economia de energia podem cheirar mais como um golpe contra as suas mais modestas aspirações de vida.

Por isso talvez ainda tenhamos que esperar até que os problemas denunciados em 92 se agudizem mais ainda para colhermos melhores efeitos práticos deste evento. Parece ser esta a sina da humanidade. Só aprende quando seus erros alcançam proporções alarmantes. Mas mesmo assim já se pode perceber que um bom número de pessoas traduziu a mensagem da ECO 92 em prática diária.

Principalmente aqueles que antes já tinham uma visão ecológica. Para esses, a ECO 92 foi uma confirmação de ideais e um ponta-pé decisivo para se atirar de corpo e alma naquilo que já vinham fazendo.

A presença de quase todos os chefes de Estado ao evento e a ampla divulgação pela mídia contribuíram para uma ampla difusão da questão ambiental junto à população. Mesmo que isto tenha modificado sua prática diária, percebe-se uma maior abertura das pessoas e dos dirigentes para com os ecologistas. De anarquistas utópicos passamos ao status de cidadãos que devem ser ouvidos. O que é um passo importante e um desafio grande. Exige que nos capacitemos muito mais. Já não basta só a denúncia. Temos que ter propostas muito bem embasadas. Precisamos conhecer tudo com mais detalhes e nos unir a projetos concretos que sejam o ensaio das soluções que há anos vinham sendo propostas.

A ECO 92 trouxe um maior respaldo para iniciativas no trato de resíduos, reciclagem, educação ambiental, fiscalização e outros tipos de ação. Os efeitos disto poderão ser melhor avaliados com o tempo.

Como em 1972, quem melhor absorveu a mensagem foi a sociedade civil. É dela que vem os melhores resultados. O Movimento Ecológico está mais profissional se comparando com o voluntarismo das décadas passadas. Isto é bom, pois os desafios são maiores. O setor empresarial vem tentando capitalizar a onda ecológica transformando-a em mais uma onda de consumo a exemplo do que aconteceu com o movimento hippie. Esta me parece a face mais perigosa da questão pois a despeito de muitos industriais sinceros, boa parte quer só faturar programa de marketing. Fato que fica mais grave quando sabemos que a grande mídia abandonou em grande parte as linhas editoriais ecológicas.

Segundo o Sindicato dos Jornalistas, a maioria dos jornais dispensou os especialistas da área ambiental e hoje restringe as publicações a uma linha branda omitindo, principalmente, o caráter de questionamento do modelo de exploração consumista da natureza. Faz-se a apologia de algumas belas iniciativas ou se critica efeitos pontuais mas não se faz uma análise profunda das causas daquilo que se manifesta aqui e ali. O objetivo tem sido mais o de explorar o filão do marketing ecológico do que gerar transformações.

Aqui se percebe mais uma vez a importância de criarmos canais próprios de veiculação de informação junto com uma crítica bem fundamentada que contrabalance a versão pasteurizada que a grande mídia tem passado da questão. Ao nível governamental, podemos contabilizar como positiva a eleição e posse de Clinton e Gore nos EUA. Principalmente porque o vice tem uma boa posição em relação à questão. O caso dos homossexuais no exército americano ilustra bem que há algo de novo na Casa Branca.

Mas, ao mesmo tempo, assistimos uma Brundtland, depois de assumir posições progressistas na ECO 92, regredir à defesa da caça das baleias atendendo as pressões da indústria do seu país. Parece-me que com eles vale a velha receita: pressão da sociedade para estimular bons projetos e combater os oportunistas.

Mas não resta a menor dúvida de que a Eco 92 foi um grande evento pelas possibilidades que abriu para a questão. O que é um avanço mas representa também um desafio. Os ecologistas têm de rever o seu agir e fundamentar cada vez mais claramente as propostas de transformação ao mesmo tempo que têm que refinar sua capacidade de diálogo com a natureza e os outros setores da sociedade apontando caminhos para a construção de uma sociedade justa e ecológica.

Aprendemos muito na ECO 92 a respeitar a diversidade cultural e de organização dos povos e culturas em torno da questão ecológica. A saída vai por aí. É claro que alguns setores se aproximaram da ecologia por falta de bandeira. Mas muitas forças sociais progressistas, que antes ignoravam a questão ecológica hoje estão mais próximas de nós. Temos que saber nos aproximar e unir forças sem perder nossa identidade. Usando uma imagem difundida no Fórum Global, temos que ser como a Terra. Ao mesmo tempo que vamos fortalecendo internamente a visão ecológica e tornando-a mais densa como o núcleo de ferro e chumbo do planeta, temos que nos tornar mais claros e transparentes como a atmosfera na nossa relação com o mundo. A oportunidade histórica está aberta. É questão de aproveitarmos pois muito das conquistas dependem de nossa forma de agir daqui pra frente.

* Arno Kayser é engenheiro-agrônomo e presidente do Movimento Roessler de Defesa Ambiental – contatos: Rua Tarso Dutra, 106 – 93540-210 – Novo Hamburgo – RS.






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