AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

O Rio Grande precisa das nossas idéias – Pensando Grande!

Por Zeno Simon e Carlos Gustavo Tornquist

Desistimos. Anos a fio tentamos convencer nossas elites de que progresso e desenvolvimento têm que andar juntos com preservação ambiental. A cada ínfima vitória – por sinal, sempre temporária – obtida com relação a programas e projetos perdulários, ambientalmente nocivos elaborados pelos tecnoburocratas, somam-se fragorosas derrotas, como o fim de Sete Quedas, a implantação de Angra I e II, a aprovação da expansão da RioCell ou a continuação de Jacuí I. Como se não bastasse, somos incompreendidos pelas massas. Acabamos passando por ecochatos. Parece que apelar ao bom-senso das pessoas já não tem mais efeito.

Surge agora a idéia de um canal ligando as lagoas costeiras do nosso Estado ao mar, para que empresários espanhóis do ramo náutico possam construir iates e levá-los ao mar.

Chega. Não dá mais mesmo. Como diz o ditado, se não se pode vencer, o negócio é aderir. Eis a nossa primeira participação pública dentro desta filosofia.

Eco-fábula

Estimulada pela proposta de ligação das lagoas costeiras do nosso Rio Grande com o mar, proposta na coluna de jornal local, e por outras matérias da mesma época, não poderíamos deixar de nos manifestar, visto que esta brilhante idéia está ganhando corpo entre as elites econômicas e intelectuais do Estado.

Entendemos que o projeto tem grandes méritos, assim como implicações ambientais significativas, como é de praxe em todos os projetos de desenvolvimento regional. Infelizmente, peca por um erro capital: sua pouca integração com outras áreas da atividade humana e pela não observação de possíveis soluções de outros problemas já existentes na região. Cria algo isolado, específico – e só. Contempla apenas barcos (lazer náutico). Podemos ser muito mais ambiciosos, com repercussões ambientais criativas e positivas e, de lambuja, resolver outros problemas.

Nós ecologistas somos severamente condenados quando não apresentamos soluções alternativas para as críticas que são feitas a projetos desta natureza. Desta vez, porém, não nos omitiremos. Aqui vai a nossa proposta para o aproveitamento total das lagoas costeiras e o desenvolvimento integrado da região do Litoral Norte, interligando-a ao mundo.

Chegou finalmente o momento redentor de desengavetar um projeto antigo, principalmente em vista da boa vontade da iniciativa privada – no caso, o grupo espanhol construtor de barcos. É hora de pensar grande. Referimo-nos a genial idéia da inversão do fluxo do rio Gravataí e de sua ligação com o Oceano Atlântico em algum ponto entre Tramandaí e Cidreira, aproveitando as lagoas existentes na latitude de Porto Alegre e Tramandaí. Basta examinarmos o mapa da região para verificarmos que há um caminho curto, natural, até lógico (é surpreendente que a Natureza não tenha pensado nisto antes!) para ligar a Capital ao mar: o prolongamento do Gravataí ao longo de uma linha reta perfeita, em direção à lagoa das Custódias. Isso feito, poderíamos realizar o sonho – com a colaboração dos espanhóis – de viajar de Porto Alegre ao litoral por água, sem gastar gasolina e sem perder a paciência com os intermináveis e cada vez piores engarrafamentos da free-way. 

Feita a obra de canalização e a reversão do fluxo, não faltarão empreendedores do ramo turístico local para construir uma marina em Porto Alegre e outra em Tramandaí (somadas aquela já pleiteada pelo prefeito de Capão da Canoas), para dar guarida aos viajantes em suas peregrinações aquáticas. Ao mesmo tempo, o projeto teria implicações favoráveis para a agricultura do Vale do Gravataí, que hoje enfrenta crise de abastecimento de água.

Teríamos ainda a oportunidade de por em prática outra idéia antiga, injustamente sepultada: a do “tubão”, que levaria até alto mar, através de uma adutora devidamente projetada, todos os dejetos cloacais e industriais da região metropolitana, resolvendo em definitivo os problemas dos esgotos, saneando magistralmente a Bacia do Guaíba. 

Aproveitando as obras civis de abertura do canal – para o que se poderia convocar o pessoal do Programa Nuclear Paralelo envolvido em pesquisas com o “uso pacífico da energia nuclear” (conforme informação do General Danilo Venturini em recente programa na Rádio Gaúcha) – e, com pequenas e bem calculadas detonações, abrir caminho através da rocha mais dura, usando o material escavado ou explodido como leito para a adutora.

Projetos associados desta forma diminuem seus custos significativamente. E é exatamente o que reivindicamos hoje: soluções holísticas – que, é claro, afetam ligeiramente o meio ambiente, mas também resolvem vários outros problemas simultaneamente. Isso sem falar na geração de empregos “em cascata”, característica intrínseca dos projetos de Desenvolvimento Regional Integrado.

Por que não ousar? Por que deixar a mula encilhada passar mais uma vez? Há linhas de crédito no BID e no Banco Mundial para soluções deste calibre. E certamente poderemos contar com o aval dos empreendedores espanhóis e empreiteiras nacionais, sempre eficientes em desovar verbas públicas para este tipo de obra social.

Também nos preocupamos com os aspectos ambientais. De fato, há pequenos pontos de potencial conflito: o Banhado Grande e o Banhado do Chico Lomã, duas áreas de proteção ambiental, desgraçadamente ficam no caminho do nosso canal e da adutora. Algumas insignificantes matas nativas poderão ser transplantadas para áreas onde não atrapalhem o desenvolvimento. Também não se pode descartar a hipótese de um ínfimo de incremento no teor de alguns elementos químicos em solução [vulgo salinização] nas águas interiores da região. Mas o que não falta no Rio Grande são técnicos capacitados a gerenciar conflitos e encontrar as soluções apropriadas para compatibilizar um projeto de desenvolvimento holístico, digno da grandeza do povo sulriograndense, com a preservação ambiental.

Após a plena implantação do projeto, com o grade sucesso esperado, por que não seguir pensando grande? Não deixemos de lado o sonho dourado (incompleto) de Fitzcarraldo – a Hidrovia das Américas, a interligação fluvial do Atlântico com o Pacífico, pelas Bacias do Jacuí, Ibicuí, Paraná, Amazonas. A ligação deste último com o Pacífico, por exemplo, obrigaria a construção de um “túnel hidroviário” sob a Cordilheira dos Andes – obra de inimagináveis repercussões sócio-econômicas e de grande interesse por parte de empreiteiras (bi-) nacionais.

Levando em consideração tudo o que foi acima exposto, temos certeza que nosso Governador (e esposa) encampará inquestionadamente nossa proposta. Ela certamente representa a verdadeira emancipação do povo pampeano – a nossa independência econômica e intelectual, a recuperação do nosso orgulho ancestral.

Por via das dúvidas, enviamos cópia para Irton Marx.






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