AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

Do Taim ao Chuí entre erros e vaidade

Por Ney Gastal

Ecologia também é arte. Não é bem isso, mas passa perto. Pelo menos é o que o chamado mercado de livros de arte, no Brasil, parece acreditar. De uns tempos para cá multiplicam‑se os livros “de arte” com temas ecológicos. “Livros de arte”, na definição debochada de um dos maiores editores brasileiros, são livros grandes, coloridos, bonitos, cheios de fotos, que podem ser folheados em cinco minutos e cujo texto ninguém lê. Até algum tempo atrás centravam‑se em temas arquitetônicos ou (realmente) artísticos, de forma que valiam mesmo principalmente por seu conteúdo pictórico. Problema é que, ao passarem a registrar temas ambientais, passaram também a pretender possuir um conteúdo técnico e científico do qual, na maior parte das vezes, passam longe. Muito longe.

Exemplo? “Do Taim ao Chuí”, fotos de Alex Soletto, texto de PauloNogueira‑Neto, patrocínio da Albarus, edição da Empresa das Artes, Projetos e Edições Artísticas Ltda., de São Paulo. Preliminarmente é preciso deixar claro que a parte “artística”, ou seja, o lado visual do livro é perfeito. Tanto as fotos de Soletto quanto a programação visual da obra são de primeira qualidade, e cumprem perfeitamente com os objetivos propostos a um “livro de arte”. Quer dizer, se você folhear suas páginas em cinco minutos, olhando as figuras, terá o máximo que o livro pode lhe dar.

Mas se você, ao contrário, for daqueles leitores que busca informações em tudo que lhe cai nas mãos, bem, aí a coisa complica. Por absoluta falta de espaço ‑ seria preciso outro livro para apontar todos os equívocos do citado ‑ vamos passear rapidamente por alguns de seus equívocos iniciais. Por exemplo: a bela foto da página seis, apresentando um chamado “caapão de mata da Estação Ecológica do Taim” na verdade mostra uma estrada fora da Estação Ecológica. O mapa da Estação publicado na página 10, então, é um fenômeno. Com exceção da praia (até porque dali prá frente é tudo mar) praticamente nenhum dos limites que apresenta está correto. De certa forma, os limites ali registrados seriam os ideais, mas não foram os estabelecidos. A “vista ampla do grande banhado do Taim” da página 28 mostra, na verdade, uma área particular incrustrada dentro da Estação, onde o proprietário cria gado. Quem olhar a imagem com uma lente poderá ver boizinhos e vaquinhas pastando.

O animal que aparece na página 83, identificado como “zorrilho ou raposa, também chamado cachorro‑do‑mato (Dusicyon thous)”, não é nada disso. Na verdade, nem mesmo o zorrilho (Conepatus chinga) tem coisa alguma a ver com a raposa ou com o cachorro do mato. E o bicho que aparece na foto é um graxaim do campo (Dusicyon gymnocercus), que na época da foto estava confinado a um viveiro, preparando‑se para ser reintroduzido ao ambiente.

Já o texto em si, fora das legendas das fotos, contém todo o tipo de erro que você puder imaginar. Desde chamar a UFRGS de UFRG (certamente a unindo à FURG, de Rio Grande), até errar distâncias em mais de 50 quilômetros, como a que separa a Fortaleza de Santa Tereza, no Uruguai, da sede da Estação Ecológica. Aliás, em termos rodoviários, o autor chega ao cúmulo de errar a estrada que corta a Estação Ecológica. Nas páginas 55, 61 e 74, onde ele a rebatiza de BR‑116, o leitor deve ler BR‑471. Por outro lado, ao citar que este ano o IBAMA obteve na Justiça ganho de causa para tirar o gado invasor, de criadores limítrofes, de dentro da área da Estação, o autor esqueceu de dizer que, quando esteve lá, o gado continuava placidamente dentro da área.

Este, ao lado dos erros que se multiplicam, é outro pecado mortal do autor. Interessado em agradar a gregos, troianos, egípcios, assírios, fenícios e quem mais houver por perto, ele se derrama em citações puxa‑saquistas e não faz uma única crítica. Cuidado, talvez, de quem tem telhado de vidro. É que foi justamente Nogueira‑Neto quem, quando Secretário Especial do Meio Ambiente, criou as Estações Ecológicas, a do Taim incluída. Conta a lenda que, na época, ele e o ornitólogo Willian Belton sobrevoaram a região em um helicóptero e plotaram os limites da Estação nos pontos onde puderam observar cisnes‑de‑pescoço‑negro. Não sei se a história é verdadeira, mas é a única forma de explicar porque ecossistemas preciosíssimos, como as dunas que existem a menos de dois quilômetros da sede e os matos que contornam a área fora de seus limites (inclusive o da foto da página 6)ficaram fora da área protegida. Não poucos visitantes assinalam que estes marcos naturais seriam a demarcação ideal dos limites da Estação, mas a verdade é que ficaram de fora.

Curiosamente, o tal mapa publicado na página 10 do livro praticamente demarca os limites que Nogueira‑Neto deveria ter estabelecido. Fosse verdadeiro, a grande maioria dos problemas fundiários que hoje assolam a Estação, derivados justamente da indefinição de seus limites, não existiria. Talvez ele queira agora se redimir do erro. Talvez, por pouquíssimas vezes ter visitado a região nos últimos dez anos, apenas não lembre de mais nada. Por isso erra nomes, distâncias, grafias, cria um mapa onde além dos limites da Estação, também os acidentes geográficos estão errados, e até nas homenagens troca o nome de seu maior colaborador no período de implantação: na cabeça do autor, Aldino da Rosa, o primeiro administrador da Estação (nomeado por ele, Nogueira‑Neto), verdadeiro herói a quem coube a batalha prática da implantação da mesma, virou Albino.

Paga‑se, nisto tudo, o preço da desinformação. Muito melhor teria sido que o texto tivesse sido escrito pelo próprio Aldino. Ou, caso houvesse necessidade de dar ao mesmo um cunho erudito, pelo historiador Péricles de Azambuja, de Santa Vitória do Palmar, especializado na região. Ou pelo professor Tuiskon Dick, da UFRGS, a quem a Estação esteve subordinada quando era gerida pela Universidade. Ou por José Truda Palazzo Júnior, pioneiro do trabalho voluntário naquela área. Ou por todos nós, que de uma ou de outra maneira estamos envolvidos, desde que a Estação existe, na luta por sua preservação. Em qualquer destes casos, é certo, haveria maior conhecimento de causa, menos vaidade, menos erros, mais informações e muito menos puxa‑saquismo no texto. Coisas que teriam sido evitadas se a Albarus, como boa empresa gaúcha que é, tivesse entregue a responsabilidade a um autor gaúcho e ligado ao assunto. Questão de coerência...

* O autor é jornalista e presidente da ABRAPA ‑ Porto Alegre






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