AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

EM PROTEÇÃO AO AMBIENTE NATURAL

A Tragédia da Mata Atlântica

Por José Truda Palazzo Júnior e Augusto Cesar Cunha Carneiro*

Faz uns três anos o Governo Federal editou o Decreto nº 99543/90, que proibiu o corte dos últimos remanescentes florestais da Mata Atlântica, formação vegetal que ocupava todo o litoral brasileiro, entrando para o interior.

Em Santa Catarina, os madereiros, tradicionais gigolôs de árvores que se agitaram na época, acenando com “prejuízos sociais”, e bastante se esforçaram para derrubar a essência do Decreto. Em 1992, considerando que o Decreto era muito “rígido” várias entidades civis, em colaboração com o Governo, elaboraram o Decreto nº 750, de 10.02.93 (Nota do Editor: publicado integralmente no AgirAzul número 4). Este foi editado provisoriamente e como ele não resolve a questão da proteção da Mata Atlântica, espera‑se profundas modificações.

Este problema que parece complexo tem uma origem tristemente simples: a ganância e a imprevidência históricas dos setores econômicos que há décadas vêm auferindo lucros desmesurados com a devastação de nossas florestas nativas. Frisamos devastação, e não utilização legítima! Se não, vejamos: a Mata Atlântica constituía uma enorme extensão de floresta pujante, que acompanhava e recobria totalmente as serras do litoral brasileiro do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. Não apenas fornecia madeira, mas abrigava uma imensa gama de riquezas sociais em outras de suas funções ‑ a contenção da erosão nas encostas, a regularização e manutenção de fontes hídricas, a estabilização climática, a diversidade biológica ali mantida..., todos esses valores de importância social e econômica poderiam ter sido conservados se a exploração madeireira tivesse sido realizada com consciência e responsabilidade, utilizando‑se práticas de manejo sustentado e, principalmente, replantando árvores das mesmas espécies e em quantidades iguais ou superiores às abatidas. Tarefas trabalhosas, sim, mas plenamente exeqüíveis.

Infelizmente, nada disso foi feito pelos exploradores dos recursos florestais catarinenses. As árvores de madeira nobre não foram repostas; em seu lugar, quando muito apenas espécies exóticas de pouco valor, como eucaliptos e pinus, foram plantadas em monoculturas incapazes de restaurar os benefícios ecológicos da floresta nativa derrubada. De nada adiantaram os alertas dos cientistas catarinenses de renome mundial, como o saudoso Padre Raulino Reitz, ou os constantes relatórios de técnicos solicitando medidas urgentes para remediar o problema a tempo. Tachados de alarmistas, estes cidadãos conscientes foram menosprezados pelos arautos da exploração ilimitada e incontida dos nossos preciosos e finitos recursos florestais.

O resultado destas práticas predatórias hoje aí está, visível para todos: a Mata Atlântica foi reduzida a cerca de três por cento de sua área original; a terra, desprovida de sua cobertura vegetal, sofre a erosão que vai empobrecer o solo, comprometer os rios e agravar as enchentes. Não há praticamente mais nenhuma mata virgem senão nas encostas mais íngremes e difíceis de explorar. Em outras palavras, a Mata Atlântica passível de exploração da madeira já acabou. Os remanescentes que ainda persistem são um mínimo absolutamente vital para manter os recursos hídricos necessários à sobrevivência da população que vive ao longo do litoral e da Serra do Mar. 

O prejuízo social que sobrevirá se permitirmos a destruição desses últimos redutos de floresta nativa será muito maior do que os custos localizados que hoje alega sofrer a indústria madeireira, que tanto já lucrou com o uso (e abuso) do patrimônio florestal.

Agora que não há mais remédio, os interessados no arrasamento dessas últimas matas tentam imputar ao Governo Federal, em especial ao IBAMA, a responsabilidade pelo colapso da indústria extrativa e pelo desemprego setorial daí resultante. Recorrem, inclusive, a todos os expedientes. Ainda nesta undécima hora os exploradores da mata nativa, verdadeiros e únicos responsáveis por essa situação, tentam ocultar seus erros passados e — pior — continuar a devastação em prejuízos de toda a sociedade.

Não há mais nenhum espaço, pois, para o “jeitinho”, para o acerto entre amigos, para o favorecimento injusto que permitiu chegarmos a esta trágica situação. O IBAMA, apesar de pressionado, vinha cumprindo à risca sua missão de resguardar os últimos resquícios da Mata Atlântica, em benefício de toda a sociedade catarinense atual e futura. A comunidade científica e conservacionista internacional acompanha de perto e apóia firmemente esse trabalho, repudiando a demagogia política.

O momento, enfim, é de reflexão. A sociedade como um todo deve refletir sobre os interesses e atitudes que levaram à liquidação das matas nativas. E, quem sabe, com essa reflexão possamos evitar que a tragédia da Mata Atlântica se repita com outros recursos naturais catarinenses, patrimônio de todo o nosso povo e que nenhum interesse imediatista tem o direito de dilapidar.

*Os autores são, respectivamente, presidentes da IWC/BRASIL e da PANGEA ‑ ASSOCIAÇÃO AMBIENTALISTA INTERNACIONAL.






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