AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

Informação necessária – A produção de papel e celulose “ecologicamente correta”

Por Carlos Gustavo Tornquist*

O fato de que as indústrias de papel e celulose de todo o mundo vêm sendo apontadas como causadoras de graves problemas ambientais tem seu lado paradoxal. Afinal, sua responsabilidade com relação à poluição atmosférica, contaminação de rios e lagos com venenos de grande persistência, a devastação de florestas ancestrais ainda remanescentes e até o estabelecimento de gigantescas florestas homogêneas onde as primeiras já se foram é inconteste. Por outro lado, é um dos tipos de indústrias que, idealmente, poderiam ser sustentáveis a longo prazo, pois sua matéria-prima, a celulose – que não precisa necessariamente vir de florestas – é um recurso natural renovável, que pode sempre ser replantado, recriado ou reciclado.

Este aparente paradoxo é esclarecido quando se insere a indústria do papel e celulose dentro da estratégia de desenvolvimento industrial adotada por nossa sociedade, ainda quase que totalmente desprovida de uma preocupação radical com os aspectos ambientais. Esclarecendo: até bem pouco, os efeitos negativos da indústria eram simplesmente desconhecidos ou desconsiderados – como a contaminação dos efluentes líquidos com organoclorados e as conseqüências destes sobre os ecossistemas. E, não fosse o avanço do movimento ecológico na conscientização da sociedade e a realização de pesquisas e estudos por parte de cientistas independentes, certamente esta situação não estaria em vias de mudar radicalmente, como queremos mostrar adiante.

Um processo intrinsecamente poluidor

O problema ambiental mais grave da maior parte das indústrias em operação reside na etapa de branqueamento da celulose, quando se utiliza derivados de cloro como elemento ativo. Inicialmente, isto era feito com cloro elementar (Cl2) e hipoclorito de sódio. Por pressões dos ambientalistas e órgãos fiscalizadores tem havido uma grande mudança na indústria, que passou a utilizar em larga escala o dióxido de cloro (Cl2), reduzindo o impacto ambiental dos efluentes líquidos gerados, porém, insuficiente para eliminá-lo. A alternativa que se estabelece, pelas grandes vantagens para o ambiente e para a saúde humana, é eliminação total do cloro, em qualquer de suas formas. 

Para tanto, deve-se adotar as tecnologias TCF – Totally Chlorine-Free (Totalmente Livre de Cloro). Estas, além de eliminarem o problema da criação de organoclorados durante o processo, possibilitam outra grande vantagem: eliminado o cloro, que torna os efluentes corrosivos, torna-se viável tecnicamente implantar uma indústria com circuito fechado, ou seja, que recicla toda a água de processo. Circuito fechado também significa efluente zero, eliminando todo e qualquer problema potencial para os ecossistemas aquáticos. Segundo as próprias revistas técnicas do ramo de papel e celulose, indústrias de circuito fechado não podem ser mais consideradas como um sonho longínquo. Ate já se criou um novo termo para designar a celulose proveniente destas indústrias: TEF – Totally Effluent Free (Totalmente Livre de Efluentes líquidos), a grande tendência dos próximos anos.

Tecnologias sem cloro

Sem entrar em detalhes técnicos enfadonhos, pode-se manter os processos tradicionais (Kraft e sulfito) de produção da celulose não-branqueada, adotando-se modificações da seqüência de branqueamento com o cloro e seus derivados para outra com uma etapa prévia de deslignificação com oxigênio, seguidas de etapas com outras substâncias branqueadoras contendo oxigênio, como peróxido de hidrogênio (a popular “água oxigenada”) ou o ozônio.

Existem também tecnologias não-convencionais para produção de celulose: como o processo soda-antraquinona, que é similar ao Kraft, mas não usa compostos de enxofre na produção da polpa; o processo AlCell®, que utiliza uma mistura ácida de álcool e água, a alta temperatura e pressão para remover a lignina ou mesmo o OrganoCell®, que usa soda, antraquinona e metanol e o ASAM®, baseado numa extração alcalina usando sulfite, antraquinona e metanol. Todos eles estão sendo usados em algumas indústrias no Hemisfério Norte, basicamente porque apresentam vantagens ambientais e facilitam a operação de seqüência de branqueamento sem cloro.

Um rápido estudo destas alternativas de produção de papelo e celulose sem cloro mostram que não existem objetivamente empecilhos técnicos para que a produção de papel e celulose “ambientalmente benigna” torne-se dominante a curto prazo. Dados da própria indústria mostram que já existem 22 plantas em todo o mundo produzindo papel sem cloro (TCF), e outras dez estão conduzindo estudos e testes em escala piloto. É curioso encontrar nesta lista a norueguesa Borregaard Ind., que instalou a indústria hoje chamada RioCell no Rio Grande do Sul, ainda operando com branqueamento por derivados de cloro.

O mercado para papel “ecológico”

“Há uma escola de pensamento dizendo que praticamente toda a celulose usada na Europa em 1995 será sem cloro”. R Cockram

Entende-se por papel ecológico o papel produzido com processos sem cloro (TCF) em nenhuma de suas formas químicas. Havia até pouco tempo um mito de que o papel sem cloro não teria boa qualidade, que seria rejeitado pelas gráficas por apresentar limitações técnicas para impressão e pelos consumidores, pela baixa qualidade do produto final impresso. Graças ao grande avanço na técnica, isso já não é mais verdade. Ao usar papel TCF, teremos quando muito que nos acostumar com um papel levemente bege ou creme – que até traz vantagens, pois a alvura excessiva causa fadiga em leituras prolongadas. 

Para usos mais exigentes (revistas com fotos coloridas, por exemplo), já existem papéis TCF de boa alvura (tecnicamente falando, parâmetro ISSO igual a 80 ou mais).

Os papéis TCF disponíveis no mercado internacional não apresentam limitações de qualquer tipo em usos corriqueiros. Uma grande gráfica alemã, Gruner Druck, que imprimiu versão 1993 do catálogo do atacadista de móveis sueca IKEA, um trabalho que envolve milhares de toneladas de papel por ano, comentou que o papel TCF usado não apresentou nenhuma limitação para impressão e nenhum comprometimento quanto à qualidade do produto final que pudessem ser atribuídos a este tipo de papel.

Graças às pressões e às campanhas dos ecologistas denunciando os problemas causados pela indústria de papel e celulose em todo o mundo, o mercado para papéis ditos ecológicos também tem crescido. As indústrias européias produziram cerca de 500.000 toneladas de papel TCF em 1991, e a projeção para 1995 é de 4,5 milhões de toneladas por ano.

A Suécia, em 1992, teve 10% de sua produção de celulose Kraft branqueada produzida sem cloro. Na Finlândia, 1/3 da capacidade instalada pode produzir celulose TCF. Toda a produção alemã de celulose sulfite branqueada já é produzida sem cloro.

No Brasil, pelo menos uma indústria, a IMPACEL, de Arapoti, Paraná, que trabalha com o processo CMTP (quimicotermomecânico), branqueia sua pasta com peróxido de hidrogênio e produz vários tipos de papéis TCF. A RioCell, no Rio Grande do Sul, produz um papel com celulose que sofre apenas uma primeira etapa de branqueamento com oxigênio, mas infelizmente constitui uma diminuta fração do total produzido convencionalmente.

O papel reciclado

Outro aspecto fundamental, que não pode ser deixado de lado, é a reciclagem de papel e outros produtos da celulose, tão importante quanto a poluição química. A reciclagem é uma das soluções para a diminuição do impacto ambiental causado pela implantação de grandes florestas homogêneas para fornecimento de matéria-prima. Reciclar papel também alivia a enorme pressão sobre os aterros de lixo – que inevitavelmente caminham para a exaustão. Para produzir papel reciclado se gasta a metade da água e da energia necessária para produzir papel “novo”. Além disso, se diminui a poluição do ar em até 74% e a da água em até 35% (referente a produção de um mesmo volume de papel).

Alguns países, premidos pela impossibilidade de terem indústria de celulose própria, adotaram já há muito tempo programas radicais de reciclagem. Exemplos disso são o Japão e a Holanda, que reciclam em torno de 50% do papel que consomem. Mesmo grandes produtores de celulose e papel já adotam políticas de reciclagem, tanto obrigatórias (por força de lei) como por negociações e acordos com as indústrias. Por exemplo, nos Estados Unidos o American Paper Institute – Instituto Americano do Papel – estabeleceu o objetivo para suas indústrias atingirem uma taxa de recuperação (porcentagem reciclada do que é produzido a partir da madeira) de 40% até 1995. Também na Europa a metade do papel consumido é reciclada para a produção de papelão, envelopes e papéis de embrulho.

O futuro (não muito distante)

As considerações acima nos levam a concluir que, de uma maneira geral, a indústria de papel e celulose está prestes a atingir um novo patamar tecnológico. Isto se deve ao trabalho incansável dos ambientalistas, à pressão do mercado global, cada vez mais conscientizado sobre a “qualidade ambiental” dos produtos de consumo e à crescente adoção de legislação extremamente rígida sobre poluição causada por este segmento industrial. Por questões mercadológicas, a própria indústria já reconhece que o papel TCF, ou seja, a eliminação total dos derivados do cloro nos processos é o caminho a ser seguido. Resta saber se nós, aqui no lado mais escuro do mundo, seguiremos esta tendência com a mesma celeridade e firmeza.

Observação: este texto é adaptação de um texto mais amplo “Impactos Ambientais da Indústria do Papel e Celulose”, que pode ser obtido com o autor. O autor é membro da Comissão Técnico-Científica da AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Caixa Postal 1996 – 90001-970 Porto Alegre, RS. E-mail: ax.agapan.

Referências:

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