AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 6

Circular Estadual da UPAN*

Portaria do CONAMA não é obedecida – Classificando os rios do Rio Grande do Sul

Em 19 de fevereiro de 1992, a UPAN - União Protetora do Ambiente Natural fez sua primeira representação ao Ministério Público do RGS solicitando ajuda para que fosse aplicada a Resolução 20/86 do CONAMA, sobre a classificação das águas do território nacional.

A matéria vem tramitando desde então sob a responsabilidade da promotora Dra. Sílvia Capelli, da Coordenadoria de Promotorias de Defesa Comunitária (fones 226-4038 e 226-8557), em Porto Alegre. Desde então, já fizemos outras representações a respeito. A classificação das águas é importante porque significa um zoneamento ecológico dos rios, das lagoas e de todo o litoral gaúcho.

As águas doces, por exemplo, são classificadas em cinco classes. A Classe Especial, águas praticamente não poluídas, é a primeira. Depois temos a Classe 1, onde basta um tratamento simples de água para que seja abastecida a população. Na Classe 1, natação e mergulho não são problemas. Na Classe 2, a balneabilidade continua livre, e a água vai para a população com tratamento convencional. Na Classe 3, a poluição é maior, a balneabilidade desapareceu, mas os animais podem beber a água livremente assim como a água é usada na irrigação agrícola, e basta tratamento convencional da água para abastecer a população.

A Classe 4 é a mais poluída. Aqui as águas são destinadas à navegação, à harmonia paisagística, e aos usos menos exigentes.

Mas duas coisas são importantes para compreender a Resolução 20.

Em primeiro lugar, o artigo primeiro da Resolução é muito claro:“São classificadas, segundo seus usos preponderantes, em nove classes, as águas doces, salobras e salinas do Território Nacional”. Do total de nove classes, cinco são de águas doces (Especial, Classe 1, Classe 2, Classe 3, Classe 4). O que fica claro, aqui, é que a classificação se faz em função dos usos preponderantes, hoje, e não em função do desejo hipotético das comunidades, o que envolveria complicadas pesquisas, etc. A classificação das águas nada tem a ver com a proposta de comitês de bacia, que pretende trazer industriais, e outros empresários, além de políticos, para decidir que usos querem fazer das águas, vistas como “recursos naturais”. A classificação das águas consiste em dizer quais os seus usos atuais e em função deles dizer qual a qualidade mínima que a água precisa ter.

Aqui é que vem o segundo ponto, o segundo aspecto a ser levantado. A Classe 4, por exemplo, a mais poluída possível, ainda garante ao rio, lagoa ou arroio uma qualidade razoável, com materiais flutuantes e espumas virtualmente ausentes, com odor e aspecto não objetáveis, e Oxigênio Dissolvido, OD, superior a 2,0 mg/litro em qualquer amostra, além de pH entre 6 e 9.

Ora, o rio dos Sinos, por exemplo, automaticamente, inevitavelmente classificável na classe três pelo simples fato de que abastece população de cidades de grande tamanho como Esteio, Sapucaia e parte de Canoas, apresenta, como se sabe, Oxigênio Dissolvido igual a zero em determinada fase do ano. Isto significa que o Sinos, classe três, tem qualidade de água abaixo da classe quatro.

Mesmo os arroios de todos os rios gaúchos, que na maior parte dos casos poderiam ser classificados como Classe 4, teriam, todos, que ter odor e aspecto não objetáveis. Arroios mau cheirosos como o Arroio Portão, merecem, portanto, um programa eficaz de despoluição, com cronograma, com ações concretas, para retrogradar a poluição de modo que o arroio seja de fato enquadrado dentro da classificação da Resolução 20.

O grande mérito da Resolução 20 do CONAMA é que elimina, legalmente, a possibilidade de existência de cursos d’água fedorentos, no Brasil. Ela diz, indiretamente, que nenhum curso d’água do país terá aspecto ou odor objetável ou terá menos de 2,0 mg de oxigênio dissolvido por litro, EM QUALQUER AMOSTRA.

A Resolução 20 dá dezenas de parâmetros definidores da qualidade da água de cada rio, arroio ou lagoa, entre eles, cobre, cádmio, chumbo, OD, alumínio, amônia, cloro, fenóis, graxas e óleos, DDT, mercúrio, níquel, Dieldrin, Malation, Paration, e muitos outros.

Classificadas as águas doces, salobras e salinas do RGS segundo esta Resolução, o governo do RGS estará assumindo formalmente a responsabilidade de zelar para que a qualidade das águas siga conforme os seus usos. O que implica monitorar eficazmente.

No entanto, não está sendo fácil obterá que a Classificação seja feita.

Decorrido todo o ano de 1992 e a maior parte do ano de 1993, chegou em 17 de agosto passado às mãos da Dra. Silvia Capelli, que coordena o expediente sobre o assunto aberto a pedido da UPAN, uma primeira proposta da FEPAM sobre Classificação das Águas.

A proposta prevê elaboração do enquadramento da parte sul da Lagoa dos Patos somente no 3º e 4º trimestres de 1994.

A identificação e definição, isto é, dizer o nome e limites das bacias a serem enquadradas, coisa muito simples, é tarefa para o primeiro trimestre de 1995.

A definição metodológica dos trabalhos (!) é coisa para o 2º trimestre de 1995.

Vai haver contratos. Gente será contratada e isto será para o 3º trimestres de 1995.

O Cronograma se arrasta até o final de 1997, quando então a primeira parte, a bacia do Guaíba, estará enquadrada. O litoral e a bacia do Uruguai ficarão, quem sabe, para depois do ano 2000. Nem data é assinalada na primeira proposta apresentada pela FEPAM para discussão.

A FEPAM parece estar pensando em uma complexa pesquisa de campo perguntando para as populações que usos gostariam de fazer das águas das suas bacias.Mas não é isto que diz a Resolução 20. A classificação se faz em função do uso preponderante e não de usos hipotéticos, portanto a tarefa é simples.

É preciso saber se a população se banha. Nos Sinos, há várias praias, o pessoal ainda toma banho no verão. Isto as prefeituras informam. Um funcionário da FEPAM percorre o Sinos um dia de barco e vê as suas várias praias em funcionamento. Dessedentação de animais é outra coisa facilmente verificável e que não envolve necessariamente gastos de milhões ou contratações de terceiros, em processos que podem demorar bem uma década.

Precisamos compreender que os rios gaúchos estão em uma corrida contra o tempo. A área metropolitana de Porto Alegre prossegue uma expansão econômica impensada e insustentável. É preciso levar a sério a classificação das águas como um mecanismo de contenção da atual irracionalidade econômica e ecológica. Este processo está transformando os nossos rios em esgotos hoje, e não podemos esperar até o final do século XX para fazer o simples reconhecimento do terreno do RGS aquático do ponto de vista da Resolução 20, que não é do passado, mas de 1986, isto é, já poderia estar sendo aplicada há sete anos.

A posição colocada no documento apresentado pela FEPAM apresente, a nosso ver, dois erros. Primeiro, complica a tarefa, que é simples. Depois, alega que não há recursos e posterga-a quase indefinidamente, já que só apresenta prazo para classificar a bacia do Guaíba e não apresenta prazo para classificar o Uruguai e o Litoral.

Precisamos conseguir que a FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental – seja definitivamente prestigiada pelo governo do Estado. Seus funcionários, sua direção devem ter o espaço e o peso institucional necessários. Cabe à sociedade gaúcha, incluindo o Ministério Público, fazer valer o cumprimento da Lei – e especialmente, neste caso, da Resolução nº 20 do CONAMA.

A ética ambiental não se limita ao cumprimento da lei pelo cumprimento da Lei. Ocorre que as normas ambientais têm por função, entre outras coisas, dar às gerações que ainda nascerão no futuro o direito a um meio ambiente razoavelmente equilibrado, decente, respirável, com água bebível, ou nos termos da Resolução 20/86, com odor e aspecto inobjetáveis.

* Texto da Circular Estadual de 9 de setembro de 1993 da UPAN – União Protetora do Ambiente Natural – Caixa Postal 189 – 93001-970 – São Leopoldo, RS. Telefone (051) 592-7933 Fax (051) 592-6617







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