AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 7

Parques, reservas e a farsa do bom selvagem – Nossos últimos santuários naturais devem virar quilombos antropológicos?

Por José Truda Palazzo Júnior/IWC – Brasil

Desde a malfadada e inútil ECO-92, quando todos os políticos safados e todos os destruidores da Natureza viraram travestis do “Desenvolvimento sustentável”, parece que os ambientalistas brasileiros caíram num buraco e nunca mais conseguiram sair. A defesa de nossos alquebrados mas ainda valiosíssimos parques e reservas naturais parece ter “saído de moda”, sendo substituída por um neo-ativismo socialóide baseado no antropocentrismo – “A Natureza para o Homem”, coisa que enoja profundamente.

Ora, dos parques e reservas brasileiros sabe-se que abrangem uma porcentagem ínfima do território nacional e que na sua implantação efetiva seria o mínimo absolutamente indispensável para salvar uma fração da já destroçada diversidade biológica de nosso país. Mas eis que surge, dentro das próprias hordas ambientalistas, uma corrente que acha que sequer essas ínfimas áreas inestimáveis devem ser protegidas contra a depredação humana. São os defensores das ditas “comunidades tradicionais”, onde parecem se encaixar quase todos os grupos humanos não-urbanos: pescadores, caiçaras, pseudo-índios e índios aculturados, seringueiros, caçadores, etc. Os únicos pré-requisitos em comum parecem que é ser pobre e morar numa área natural ainda relativamente preservada para qualificar-se como “tradicional”.

Baseiam-se, largamente, os defensores da ocupação de parques e reservas por comunidades humanas, no mito, rarissimamente provado, se é que alguma vez o foi, de que por serem “tradicionais”, ou seja, por estarem ali há “muito tempo” (quanto? Nem eles sabem definir), essas comunidades dominariam uma “sabedoria ecológica” capaz de garantir o uso “sustentado” da Natureza por essa gente. Estudos sobre o impacto ambiental destas comunidades? Ninguém sabe, ninguém viu.

Histórias da Carochinha à parte, a verdade é que as comunidades humanas sempre impactam o ambiente natural, lógico que em maior ou menor grau, com seus recursos tecnológicos, mas o impacto sempre existe. E, em nome de um conto de fadas de “bons selvagens”, deixar que grupos humanos quaisquer acabem com os últimos refúgios de biodiversidade do Brasil é, afirmo, um crime inominável.

Não se pretende, claro está, expulsar à ponta de baioneta e na calada da noite os habitantes de cada Unidade de Conservação recém-criada, como tentam fazer crer que acontece os arautos da “boa selvageria”. Mas existe, sim, um grande número de ecossistemas frágeis e ameaçados onde não se pode admitir a continuidade do impacto humano; nesses casos, que o Poder Público, que todos sabemos desperdiçar dinheiro em burocracia e falcatruas, ampare corretamente e indenize adequadamente essa gente, mas que ao mesmo tempo se preserve a todo custo, com a força da lei, o patrimônio público abrigado nessas áreas naturais ímpares.

Fico surpreso que até mesmo o WWF – Fundo Mundial para a Natureza, parece estar dando guarida a essas teses neo-antropocêntricas, eis que uma diretora do WWF/BRASIL afirmou, na minha frente, num workshop recentemente realizado em João Pessoa (PB), que o Sistema de Unidades de Conservação do Brasil é “inviável” e temos que investir mesmo é na manutenção das ditas “comunidades tradicionais”. 

Pior é que o WWF/BRASIL está aparentemente aplicando esse conceito miópico ao estudar, no interior da Estação Ecológica de Mamirauá (AM), a caça criminosa de jacarés e a derrubada ilegal da floresta para extração de madeira, duas atividades depredadoras de uma “comunidade tradicional” lá existente... Como ambientalista premiado pelo próprio WWF em 1990, por minhas brigas em defesa da Natureza, fiquei fulo, mas parece que a patrola milionária do WWF quer mesmo é impor “desenvolvimento sustentável” aos parques e reservas brasileiros...

Meus caros companheiros ambientalistas, sejamos claros: a conservação da Natureza não pode ser feita com base em mitos ou em conveniências políticas pseudo-sociais. As unidades de Conservação têm valores que transcendem a nossa geração e que não podem ser atirados ao lixo em nome de um pretensa “justiça social na posse da terra”, que não se pratica nos latifúndios da Igreja, nas terras do Exército ou nas fazendas de soja de especuladores trilhonários, mas que querem “praticar” em nossos pouquíssimos santuários ecológicos. Basta! Fora!

Que nossas unidades de conservação sejam implantadas JÁ e os pretensos “problemas sociais” de seus ocupantes e/ou invasores sejam resolvidos na forma da lei, à luz do conhecimento técnico e do interesse de defesa do patrimônio natural público que não pode ser dilapidado por interesses privados de pequenos grupos, sejam pobres ou ricos, que alguns teóricos querem endeusar. Isso é demagogia de caçar voto em véspera de eleição. Se cairmos nela, é bom também entregarmos o Taim aos arrozeiros, a Lagoa do Peixe aos ceboleiros e pecuaristas, e vamos pra casa ler, embasbacados, as fábulas idílicas de Peri e Ceci.






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