AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 7

O “Desenvolvimento Sustentável” no Litoral Norte do Rio Grande do Sul

Schwarzbold, Malabarba e mestrandos pedem estudos detalhados

Uma comissão de estudos formada por alunos do curso de Mestrado em Ecologia e professores da Universidade Federal do Grande do Sul – UFRGS posicionou-se sobre o plano de desenvolvimento do Litoral Norte. AgirAzul publica a íntegra das considerações, divulgadas pela UPAN – União Protetora do Ambiente Natural na sessão da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do RS, em 8 de dezembro

Considerações sobre o Plano de Desenvolvimento do Litoral Norte

O documento preocupa-se basicamente com os efeitos possíveis sobre os ambientes aquáticos continentais entre Torres e Cidreira e estabelece possíveis conseqüências, a partir do pressuposto de certos tipos de obras. Além disto, existe, como alerta, o exemplo presente de períodos de salinização em direção ao Norte de Tramandaí, nas grandes secas.

A preocupação de técnicos especializados e com conhecimento das características ambientais do Litoral Norte, bem como de inúmeras pessoas e entidades ligadas à região, levou à elaboração deste documento com o objetivo de contribuir na necessária discussão sobre propostas e planos de desenvolvimento, lançados por órgãos da administração pública e empresas privadas.

As previsíveis conseqüências estão, de outra parte, embasadas em históricos recentes de outras regiões como por exemplo os canais da Flórida (USA) e da região de La Coronilla (Uruguay).


 Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí

A existência de um complexo sistema de dunas, lagoas costeiras, canais, banhados e rios de planície é conseqüência de um frágil equilíbrio dinâmico alcançado ao longo dos últimos milênios, com as variações do nível do mar e a morfologia da Planície Costeira. Qualquer alteração dessas condições implica, necessariamente, numa nova busca de equilíbrio, em novas condições, que podem ser previstas com alguma aproximação e que sempre terão efeitos localizados.

O Sistema hidrográfico do rio Tramandaí pode ser subdivido em dois subsistemas: o subsistema Norte e subsistema Sul da barra do Tramandaí. O subsistema ao Norte está constituído pelos rios Maquiné, Cardoso, Três Forquilhas e as lagoas Itapeva, dos Quadros, Pinguela e lagoas da região de Osório. Estas lagoas têm uma cota acima do nível do mar que não permite refluxo de água salgada pelo rio Tramandaí. Desta forma, são lagoas de água doce. O subsistema ao Sul está constituído pelas lagoas Tramandaí, Armazém, Custódias, Gentil, Manoel Nunes, Fortaleza, Cidreira, Rondinha e outras. São lagunas (de água salobra) até a Lagoa Gentil por terem níveis próximos ao nível do mar e sofrerem influência do refluxo proveniente da barra do rio Tramandaí.

O complexo sistema de rios, lagoas e banhados existentes neste sistema abriga, além de outros grupos animais, 73 espécies de peixes exclusivas de água doce. A distribuição dessas espécies de peixes dentro deste sistema hidrográfico é determinada pelo volume e direção do fluxo de água doce, que regula a salinidade nas áreas mais próximas ao estuário de Tramandaí.


 Efeitos previsíveis com a abertura de canais ligando lagoas ao mar

Tomando-se como exemplo o projeto com abertura de uma marina na Lagoa dos Quadros ao mar, pode-se fazer as seguintes considerações:

No Subsistema Norte, com a abertura do canal, o nível das lagoas se iguala ou se aproxima ao nível do mar, causando:

Problemas relacionados com moluscos:

- significativa diminuição da superfície, profundidade e volume de água das lagoas, dificultando a navegação de embarcações de grande porte (argumento principal para a construção do canal) e diminuindo a água disponível para a agricultura e outros fins.

 - salinização, que afetará a qualidade da água tanto para agricultura como para consumo da população e dos animais.

 - abaixamento do nível do lençol freático e aumento dos depósitos de dunas móveis.

 Na lagoa Tramandaí e outras do Subsistema Sul as possíveis conseqüências da abertura do canal poderão ser as seguintes:

 - como o escoamento da água da região seria desviado para o canal superficial (da lagoa dos Quadros) a barra do rio Tramandaí ficará obstruída pela ação do mar, por perda de carga continental, permanentemente ou por longos períodos do ano.

 - as lagoas do subsistema Sul ficariam com água doce promovendo o avanço gradual de plantas aquáticas em áreas protegidas da ação do vento.

- a alteração completa na fauna de peixes da lagoa, desaparecendo as espécies de água doce em substituição a formas marinhas e estuarinas. Estas alterações se estenderão aos banhados e lagoas adjacentes à lagoa dos Quadros.

 - com a diminuição do volume das lagoas e secagem dos banhados marginais ao Norte, desaparecerão os ambientes de reprodução de peixes de água doce e diversos organismos de água doce do Litoral Norte.

 - conseqüências sobre a população de Tramandaí, onde parte dela sobrevive da exploração da pesca no estuário e na lagoa de Tramandaí.

 - a lagoa de Tramandaí caracteriza-se como uma área de alimentação, crescimento e desova de diversas espécies de peixes e de crustáceos, incluindo espécies de importância econômica como o bagre, a tainha, o camarão e o siri. Esta redução do volume de água que aporta na lagoa, proveniente principalmente da lagoa dos Quadros, com possíveis modificações na salinidade em relação às espécies pesqueiras desta região. A alteração na abertura do canal de Tramandaí pode reduzir, ou mesmo impedir, a entrada de espécies de importância econômica na lagoa, atingindo diretamente a comunidade que sobrevive da pesca.

Quanto à fauna de peixes os efeitos serão:

Hipótese de manejo – Controle dos canais artificialmente abertos

- A espécie de bivalve Corbicula flumínea é uma praga asiática que tem causado sérios problemas econômicos nos Estados Unidos em sistemas alterados pelo homem, sendo a abertura de canais favoráveis ao crescimento da população destes organismos. Os problemas observados são do tipo: entupimento de canalizações urbanas, entupimento de canais, obstrução de reatores e sistema de refrigeração industrial. Nas lagoas costeiras do Rio Grande do Sul, esta espécie tem ocorrido, até o momento, em densidades não preocupantes. Entretanto, estudos demonstram que em menos de dez anos, ela vem ampliando sua área de colonização dentro da lagoa da Suzana, em Cidreira, bem como aumentando sua distribuição nas lagoas do Estado.

Uma das formas de controlar os efeitos com a abertura de canais artificiais é a construção de eclusas a serem abertas somente quando da passagem de uma embarcação. Esta forma de controle tem custos elevados e além disso não é totalmente segura, pois pode haver mistura de águas doces e salgadas. O funcionamento da eclusa será mantido, mesmo na hipótese de ser economicamente deficitária?

Considerações finais

O ecoturismo (argumento principal da existência deste projeto) poder ser explorado desde que se mantenha a paisagem natural. Com a abertura de um canal toda a paisagem seria alterada e cairia o argumento da exploração desta modalidade de turismo. Vale a pena ter o ônus enorme construindo um outro canal se já existe a barra do rio Tramandaí? A região de Tramandaí e Imbé certamente será enormemente prejudicada.

Não é de se considerar a navegação interior com barcos apropriados às características das lagoas e canais da região? Uma limpeza periódica e controlada da vegetação dos canais (parte Sul), sem retificação de nenhum curso de água é uma solução barata, segura e, se bem conduzida, vantajosa à atividade turística na região (em países da Europa, é permitida a navegação nos lagos, mas isto é feito de forma controlada, usando0se barcos pequenos de motor elétrico e veleiros que não agridem o ambiente).

As lagoas representam áreas de extrema beleza pelas suas características naturais e pelo potencial de exploração em termos de esportes aquáticos. Apresentam ainda um grande potencial para a pesca amadora devido à presença de quatro espécies de peixe-rei de água doce de elevada aceitação na pesca e consumo. Hoje, os estoques de peixe-rei na lagoa dos Quadros encontram-se extremamente reduzidos devido à pesca não controlada, estando fadados a desaparecer com a salinização da lagoa. É sugerido aqui o repovoamento destas lagoas com espécies de peixe-rei (que são organismos de fácil reprodução e de baixos custos para a obtenção de alevinos) e o controle racional de sua exploração como uma medida alternativa efetiva e de impacto para o desenvolvimento turístico local.

Qualquer ação ou decisão deve ser precedida de estudos detalhados, principalmente dos aspectos hidrológicos da região (vazão, morfometria, fluxos, cunhas salinas, circulação superficial, níveis), da flora e fauna aquática e de restinga, seguidos de ampla discussão que atenda aos interesses de todos os seguimentos da sociedade envolvida.


 Assinam: Comissão de Estudos formada pelo Prof. Dr. Albano Schwarzbold (Depto. de Ecologia UFRGS); Prof. Msc. Luis Roberto Malabarba (Depto. de Zoologia UFRGS); e os seguintes mestrandos em Ecologia (UFRGS): Biólogos Simone Haas, Júlio Kindel, Liane Biehl Printes, Andreas Kindel, Eunice Alda Isaia Kindel, Alexandre Guimarães Só de Castro, Alexandre Arenzon, Carla Tedesco, Ana Elisa de Castro Freitas e Gilmar Klein e o ecólogo Dilton de Castro.







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