AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 7

Seminário sobre biodiversidade - A Flora de Porto Alegre

SOS Biodiversidade

A biodiversidade foi tema de diversos encontros ocorridos em Porto Alegre em novembro/dezembro de 1993. Um deles, reuniu técnicos da área de biologia, agronomia, engenharia florestal e interessados em geral no auditório da Faculdade de Farmácia. A discussão redundou na aprovação de um texto, divulgado em dezembro. A comissão de redação final do texto (que o AgirAzul publica na íntegra) foi aprovada ao final do encontro e constituída por João Roberto Meira (biólogo, mestrando em Ecologia na UFRGS), Magda S. Arioli (bióloga, SMAM) e Paulo Brack (biólogo, Fundação Zoobotânica, ex-SMAM). A atual gestão da SMAM - Giovani Gregol, está a dever para a comunidade tratamento mais eficaz das questões ligadas a sua área de atuação. (JBSA)

I. Introdução

O Seminário S.O.S. Biodiversidade, ocorrido em Porto Alegre nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 1993, promovido pela SMAM, e tendo como tema central A Flora de Porto Alegre, reuniu uma série de profissionais, técnicos e pessoas ligadas ao assunto, tendo como finalidade diagnosticar as diversas carências relativas à proteção das áreas naturais e dos recursos florísticos do município, tais como estudos e bancos de dados ambientais, política ambiental, fiscalização e proteção de áreas naturais, legislação, definição de novas unidades de conservação, espécies ameaçadas e de uso econômico. 

Entre as questões mais importantes, ficou evidenciada a necessidade de priorização, de políticas e de diretrizes para a questão ambiental, contemplando os aspectos naturais e a biodiversidade, dentro dos elementos necessários para a melhoria da qualidade de vida. A ausência de tal priorização faz com que o patrimônio natural venha a degradar-se ainda mais. 

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, a qual compete um papel central neste processo, vem apresentando-se cada vez mais enfraquecida e desestruturada, sendo que os demais órgãos municipais e estaduais, envolvidos com a temática, não incorporaram ainda, na sua dimensão necessária, à proteção aos aspectos naturais do município.

Assim sendo, a conservação ambiental em áreas metropolitanas como no caso de Porto Alegre, deve ser fruto de programas e ações constantes de gestão ambiental onde as áreas de preservação devam ser claramente definidas e efetivadas e sua biodiversidade constantemente monitorada e protegida. Isto só acontecerá quando a questão ambiental deixar de ser encarada de forma secundária pelos governos a quem lhes cabe esta incumbência.

II. Breve diagnóstico

O município de Porto Alegre possui uma superfície de cerca de 52.000 ha, sendo que aproximadamente um terço desta extensão é ocupada por áreas predominantemente rurais ou naturais, ricas em atributos paisagísticos e ecológicos, situadas principalmente na maior parte dos morros e em porções da orla do rio Guaíba. Em relação aos morros, reunindo beleza paisagística e biodiversidade, algumas áreas significativas ainda são encontradas nos morros São Pedro, Santana, da Companhia, da Polícia, do Osso, Agudo, da Tapera, da Ponta Grossa, do Sabiá, e tantos outros, os quais contêm atributos ambientais importantes que paulatinamente estão desaparecendo.

Em relação à flora, Porto Alegre contém 28 % das espécies nativas do Rio Grande do Sul, ou seja 1288 espécies (Rambo, 1954). Destas, cerca de 150 espécies são árvores nativas, ocorrendo de forma natural em Porto Alegre, sendo grande parte destas oriundas da região da mata atlântica. Esta diversidade de espécies arbóreas nativas corresponde, em comparação, à quantia de todas as árvores nativas do Uruguai. Apesar da riqueza do patrimônio, faltam estudos sobre as espécies ameaçadas e outras de importância, onde se possa planejar sua proteção e seu uso sustentável.

Atualmente, a administração municipal de Porto Alegre conta com somente 2 unidades de conservação para finalidades de preservação de ambientes naturais, sendo estas a Reserva Biológica do Lami (179 ha) e a área de preservação permanente do Parque Saint-Hilaire (950 ha), sendo esta em grande parte situada no município de Viamão. Somadas estas duas áreas, temos um total de 1.129 ha, correspondendo a 2,08 % de áreas do município preservadas pela administração municipal.

No âmbito da administração estadual, dentro do município de Porto Alegre, temos o Parque Estadual do Delta do Jacuí, ainda não implementado, possuindo 17.245 ha, sendo 4.420 ha dentro do município de Porto Alegre. A situação do parque é crítica devido ao não estabelecimento de uma administração local e a falta de controle pelo estado e município diante das inúmeras ocupações urbanas em áreas úmidas, contrariando a legislação ambiental vigente.

No que se refere à fauna, existem espécies raras ou ameaçadas de extinção tais como a lontra, o jacaré de papo amarelo, o bugio e o ouriço-caixeiro, entre outras, as quais não possuem levantamentos atualizados nem programas que viabilizem um mínimo de proteção à estas espécies. As atividades degradatórias sobre estas áreas, vêm acarretando uma série de problemas ambientais e urbanísticos tais como o surgimento de áreas de risco em encostas de morros, erosão e enxurradas sobre arroios, descaracterização paisagística da cidade, desaparecimento de espécies silvestres, e a impossibilidade ou o alto custo ambiental e econômico da urbanização destas áreas impróprias. 

É fato inquestionável que a destruição da vegetação, da flora e da fauna pelas ocupações irregulares de baixa renda nos morros da cidade e nas margens dos rios e arroios está em grande parte associada à concentração econômica, à política agrária, e a falta de políticas habitacionais. Entretanto a falta de políticas de proteção às áreas naturais também fragiliza as ações, às vezes pontuais de fiscalização. Estas ações emergenciais de fiscalização das áreas de risco e de ambientes naturais, foram um passo importante dado nos dois últimos anos pelos órgãos municipais contemplando áreas de preservação contidas na legislação federal, estadual e municipal, porém de forma ainda muito insuficiente para conter o acelerado ritmo de ocupações e destruição.

III. Moções

Moção 1

– Que sejam elaboradas com urgência políticas e diretrizes de proteção e gestão das áreas naturais de Porto Alegre pelo governo municipal.

Justificativa

A falta de diretrizes e políticas que contemplem a proteção à biodiversidade e às áreas naturais deixa um imenso patrimônio à mercê de interesses outros que paulatinamente acabam por degradar à natureza e a qualidade de vida da cidade.

Moção 2

– Que seja efetivada com urgência a ampliação da Reserva Biológica do Lami, no que se refere a área definida pelo Decreto 10.250 de abril de 1992, à qual corresponde a Ponta do Cego.

Justificativa

A indefinição quanto à continuidade do processo de anexação da Ponta do Cego, e por conseguinte, da ampliação da Reserva Biológica do Lami, é uma situação prejudicial, não somente pelo dano causado pelas dezenas de cabeças de gado mantidas na área de propriedade ainda particular, mas também devido à possibilidade deste processo de desapropriação não ter continuidade jamais, e assim cair no esquecimento, à semelhança da maioria das Unidades de Conservação estaduais.

Moção 3

– Que seja criada definitivamente uma Unidade de Conservação no Parque do Morro do Osso.

Justificativa

O Morro do Osso é talvez a área natural de Porto Alegre que recebeu maior atenção da comunidade em geral que reivindica há muitos anos a sua preservação. Parte da comunidade está descontente com as ocupações urbanas crescentes e, atualmente, com a possibilidade da própria prefeitura instalar um loteamento popular na base norte do morro.

Moção 4

– Que sejam criadas unidades de conservação, em âmbito municipal, que contemplem os morros da cidade.

Justificativa

Existem mais de 20 morros em Porto Alegre, sendo estas áreas as que abrigam maior biodiversidade através de campos rupestres, relitos de mata atlântica, entre outros ambientes, porém nenhuma destas áreas ainda foi contemplada por uma Unidade de Conservação.

Moção 5

– Que seja realizada a fiscalização efetiva do Parque Estadual Delta do Jacuí, bem como a urgente implementação do mesmo.

Justificativa

O Parque E. Delta do Jacuí como a maioria das Unidades de Conservação do Estado não foi implementado, nem tampouco possui administração ou fiscalização efetiva local. A situação hoje é alarmante devido ao descontrole dos inúmeros aterros e ocupações, em parte gerados pela confusão de atribuições e competências entre os órgãos estaduais e municipais responsáveis pela proteção desta área.

Moção 6

– Que sejam dadas, em caráter de urgência, diretrizes permanentes quanto ao regime das Áreas Funcionais de Preservação Permanente, definidas pelo Diretor de Desenvolvimento Urbano.

Justificativa

A não continuidade da definição de diretrizes para as áreas funcionais de preservação desde a elaboração do I Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano deixa espaço para a informalidade e o descumprimento das primeiras diretrizes de preservação de áreas não efetivadas.

Moção 7

– Que sejam realizados inventários atualizados sobre o patrimônio florístico e faunístico do município, e das espécies ameaçadas, sendo fundamental a formação de bancos de dados sobre os mesmos, devendo ser realizado um esforço conjunto das principais instituições que atuam em meio ambiente a fim de promover estes inventários de forma integrada.

Justificativa

Existe falta de dados sobre as espécies tanto vegetais como animais silvestres, muitas delas ameaçadas de extinção bem como de atualização de dados sobre as mesmas no município de Porto Alegre.

IV. Propostas e recomendações

– É necessária a promoção de maiores estudos sobre as espécies nativas de Porto Alegre com potencial de uso na arborização, a biologia destas espécies, as formas de propagação em viveiro e o comportamento em canteiros e outras áreas urbanas de plantio.

– É necessária maior integração de estudos realizados com espécies nativas entre os vários órgãos ambientais.

– É necessária maior divulgação da existência de espécies silvestres no município, bem como da importância desta biodiversidade. 

– É necessário realizar programas de educação ambiental que salientem a importância das áreas naturais da cidade, abordando que a proteção a biodiversidade e destas condições naturais traz como saldo uma melhor qualidade de vida.

– É necessário o reestudo das diretrizes urbanísticas da zona norte da cidade, a fim de não permitir aterros indiscriminados em várzeas e banhados. o que traria em um futuro não muito distante a destruição das características naturais da bacia do rio Gravataí, além da impermeabilização acentuada do solo.

– É necessário que o poder público crie instrumentos de incentivo aos proprietários que possuam terrenos em Áreas Funcionais de Preservação Permanente, como por exemplo a isenção de IPTU, e outros impostos, desde que condicionados à preservação permanente.

– Faz-se necessária uma definição dos limites de intervenção antrópica ao longo das linhas naturais de drenagem, administrando ambientalmente terras e águas, flora e fauna, bacia a bacia.

– É necessário diagnosticar a situação da arborização de Porto Alegre com vistas a estabelecer diretrizes que orientem o mercado produtor.

– É necessário investir maciçamente na conservação da arborização e de áreas verdes da cidade qualificando os serviços prestados.

– Faz-se necessário acelerar a produção de mudas nativas, dentro do enfoque de manter maior diversidade florística e maior variabilidade genética.

– É necessário criar incentivos fiscais e abrir linhas de financiamento para a produção de espécies nativas.

– São necessários maiores estudos sobre as plantas medicinais autóctonas, seu uso adequado e manejo sustentável. 

– É necessária a elaboração de uma cartilha, ou meio de divulgação semelhantes, pelos órgãos públicos municipais como forma de orientar agentes de fiscalização civis ou militares, bem como a população em geral sobre orientações e legislação básica de proteção à natureza.






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