AgirAzul 7 - Condenação judicial
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AgirAzul 7

OS PROCESSOS JUDICIAIS E OS ECOLOGISTAS

A Ecologia nos Tribunais

por Arno Kayser*


Temos tido a oportunidade de trabalhar como perito em algumas causas judiciais promovidas pelo Ministério Público contra empresas que tiveram atitudes ilegais. Trabalho que tem permitido fazer algumas reflexões sobre a questão jurídica quando vai para os Tribunais.

Em primeiro lugar, constata-se um problema grave que atrapalha em muito o andamento de tais ações. A Lei dos Interesses Difusos, quando acionada pelo Ministério Público, transfere para a conclusão do processo o pagamento dos honorários das peritos. Como, geralmente, demoram anos para a conclusão graças ao mil malabarismos jurídicos que os advogados de defesa criam somados à contumaz lentidão da justiça, acabam caindo fora destas questões os peritos profissionais e o trabalho acaba quase sempre sobrando para os heróis de sempre: os militantes do Movimento Ecológico. Como são raros os que dentre estes têm habilitação profissional para desempenharem tal papel é muito comum ações ficarem paradas por anos enquanto o promotor público sai a cata de um perito. Neste meio tempo os infratores, obviamente, gozam do benefício de uma não punição e quem paga o pato é o meio ambiente. Ele segue vitima dos efeitos deletérios de um sem número de situações que, ainda que sustadas por liminares, conservam um potencial poluidor latente. Caso típico são os lixões, barrados pela Justiça, que mesmo embargados ficam anos a espera de uma solução legal
jogando o chorume nos cursos d'água.

Urge uma discussão entre o Ministério Público e o Movimento Ecológico para sanar este grave entrave a Justiça para que ela possa ter mais agilidade no cumprimento de seu papel. Não temos uma solução, mas gostaríamos muito de abrir este debate na expectativa de ouvir opinião de outros colegas e dos digníssimos representantes do Ministério Público que, diga-se de passagem, têm se empenhado muito em cumprir sua missão a despeito de todas as limitações que a nossa realidade impõe.

Outra questão que me tem saltado aos olhos é a dificuldade que o direito brasileiro tem de compreender a dinâmica de um ecossistema. Nossa lei tem muito da inspiração de uma visão mecanicista e positivista da realidade. Lógica esta que dificulta muito a compreensão de fenômenos altamente dinâmicos como o são os da natureza cuja capacidade de reversão de situações de desequilíbrio provocada por ações humanas ainda encontra dificuldades de entrar na cabeça de nossos juristas, mesmo os simpáticos à questão ambiental.

Cito um exemplo para ilustrar o que digo. Há poucos dias tive a oportunidade de examinar um processo cm que um advogado de defesa apresentava o resultado de uma única analise de ausência de vida em dois pontos acima e abaixo de um curso d'água que era agredido por seu cliente. Com base nesta única e pontual análise queria provar que o referido arroio estava definitivamente morto e mesmo ainda se a ação de seu cliente cessasse, não havia mais rio para ser salvo.

Baseado nesta "prova" ele queria justificar que não valia a pena impor sanções para, recuperar o dano. Não surpreende esta visão na cabeça de um advogado acostumado com a lógica de um exame de balística. Mas mesmo o juiz do caso teve dificuldades de aceitar nossa argumentação de que tal situação, ainda que vista  naquele ponto e instante específicos parecesse definitivamente perdida, tinha o curso d'água latente um potencial de recuperação para o qual urgia uma sanção à firma infratora e a determinação de ações de recuperação do dano. No caso em questão o arroio ainda tinha partes quase intactas a montante e extravasava num rio com boa vitalidade, o que bastaria para gerar vida suficiente capaz de recuperar e repovoar o local se todas as ações necessárias fossem levadas a efeito, É claro, no caso em questão, além da empresa acionada haviam muitas outras coisas aqui e ali para fazer,

Mas o que importa aqui é dizer que a lógica que embasa nosso Direito precisa necessariamente se oxigenar com as luzes que as discussões mais atuais da pós-modernidade vem trazendo à cena. A percepção que temos hoje da dinâmica da natureza e sua relação com as ações antrópicas está a exigir do Direito uma adequação aos tempos. Algo que nos parece um grande desafio aos muitos juristas que têm buscado com sua ação trabalhar em prol da vida. As observações que trazemos são as primeiras impressões de uma reflexão da praxis como perito judicial em questões de meio ambiente que lançamos como provocação a uma discussão da questão.

Queremos que tique bem claro não ser uma crítica a pessoas ou à instituição judiciária mas um alerta quanto à defasagem de algumas visões de mundo já ultrapassadas pela ciência mas que à semelhança de outras tantas teorias sociais ainda fundamental a lógica dos processos judiciais no trato das questões ambientais.

*Arno Kayser é presidente do Movimento Roessler de Defesa Ambiental, vice-presidente do Comitê Sinos, assessor de educação ambiental em Novo Hamburgo e autor do Livro "Signos de Renovação".

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