AgirAzul Revista 1992-1998

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A ATUAÇÃO DO ESTADO

Vivenciando a Polícia Florestal gaúcha

Por Heinrich Frank*

Fui convidado a abordar a questão do policiamento ambiental exercido pela Brigada Militar e tentarei me desincumbir da tarefa como posso — será pela ótica de um ecologista (tem gente que se recusa de ceder‑me este adjetivo) que trabalha junto à Brigada Militar há três anos de forma intensa. Como ex‑caçador (pratiquei caça amadora por cinco anos) e ex‑pescador (por mais de 15 anos), sei muito bem como se comportam caçadores e pescadores em campo, pré‑requisito este que facilitou muito o início da fiscalização.

HISTÓRICO

Fundado em 1989, o Grupamento Florestal da BM efetivou‑se através de um convênio com o IBAMA e ocupou o prédio da sua garagem, na rua Baronesa do Gravataí, em Porto Alegre. Contava com aproximadamente 65 homens comandados pelo Capitão Ivan. Destacou‑se, neste período, o episódio em que o Tenente Adelar Anderle, um dos mais dinâmicos do Grupamento, foi “chutado” do mesmo após “ferir os brios” do dentista Palombini, à época Secretário da Agricultura, que se desagradou de ouvir algumas verdades sobre o Parque de Itapuã.

Mais ou menos na mesma época, em ação paralela e independente que ocorreu em 1990/91, através do subtenente Gilberto, amante de barcos, efetivou, no âmbito do 5º Batalhão de Polícia Militar ‑ BPM, de Montenegro, a PATRAM ‑ Patrulha de Água e Mananciais. Através de doações de empresas e Prefeituras, conseguiu‑se estabelecer quatro barcos com bons motores ‑ 25 a 40 HP ‑ fiscalizando os rios Caí, Jacuí e Taquari.

Em 1992, após a substituição do capitão Ivan Ceroni pelo capitão Carlos Nogueira, o Grupamento foi transferido para o Regimento Bento Gonçalves (4º Regimento de Polícia Montada) na av. Aparício Borges, no Partenon, em Porto Alegre.

As ações ambientais foram quase totalmente substituídas por policiamento normal no Presídio Central, na FEBEM, na CRT, no Grupamento Aéreo, na casa do vice‑governador, etc. Só continuou o plantão permanente no Parque de Itapuã, as ações com a ASCAPAN e algumas ações esporádicas com a SMAM. Ali, integrado no 2º Esquadrão, o Grupamento tem aproximadamente 80 homens.

Em 1993, o Grupamento passou por um Curso de Atualização e Reciclagem com 2,5 meses de duração, passando a chamar‑se Esquadrão Ambiental. Em março daquele ano ocorreu o primeiro CEPAM — Curso de Especialização em Policiamento Ambiental. Baseado num convênio FEPAM/BM, teve três meses de duração e foi ministrado a um tenente e um sargento de cada um dos 30 Batalhões do Estado. Uma vez terminado o CEPAM, as duplas voltaram às suas Unidades com a missão de formar ali uma Patrulha Ambiental (PATRAM) com entre 11 e 29 soldados. Isto ocorreu realmente até a metade de janeiro de 1994, de maneira que há agora, em cada Batalhão, um grupo de policiais capacitados a atuar em policiamento ambiental. Cabe lembrar aqui duas facetas importantes da questão:

a) a instituição das PATRAM's só se deu após longa e silenciosa quebra de braço interna na BM entre duas correntes; uma defendendo a criação de um Batalhão Ambiental centralizado, como há em muitos outros estados brasileiros, e a outra corrente optando pelas patrulhas baseando‑se na boa experiência do 5º BPM e no custo menor de manutenção das mesmas.

b) Como as PATRAM's foram instituídas pelo QG da BM (mais especificamente pelo Grupo de Trabalho na PM‑3), restou aos comandantes dos Batalhões apenas acatar as ordens. Como há falta de efetivo para o policiamento normal e alguns comandantes não têm experiência pessoal em fiscalização ambiental, nota‑se e ouve‑se comentários da pouca disposição destes comandantes em empreender, por conta própria, ações ambientais.

No início de 1994 assume o Comando do Esquadrão Ambiental o capitão Binotto, mais ou menos concomitantemente à expedição de três novos Decretos do Governador Collares que instituem e regulamentam a função de Polícia Florestal da Brigada. Com o advento das ações individuais das PATRAM's do Estado, a orientação do Esquadrão é a atuação na Região Metropolitana e em operações especiais, do tipo Nonoai ou queimadas.

É importante lembrar a atuação do Grupamento/Esquadrão na Operação Golfinho. A primeira atuação foi ainda na gestão do capitão Ivan, no verão 91/92, com três equipes (Cidreira, Tramandaí e Torres). A segunda oportunidade foi no verão 93/94, com resultados excelentes (centenas de redes apreendidas).

EXPERIÊNCIA DA ASCAPAN

Como responsável pelo Departamento de Campo da Associação Canoense de Proteção ao Ambiente Natural ‑ ASCAPAN, comecei a trabalhar com o Grupamento Florestal em 1990 usando dois barcos de minha propriedade. Foram saídas históricas e pioneiras, causando choques no pessoal do rio Jacuí, que nunca tinham visto a Brigada Militar atuando no rio e nas ilhas. Algumas vezes o trabalho se fez de carro mesmo e, a partir de agosto de 1991, trabalhamos sistematicamente cinco dias por mês com o Grupamento. Dois dias por mês, o trabalho é no Parque Estadual Delta do Jacuí financiado pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza através de três projetos sucessivos. 

Inicialmente, pedia‑se equipes com dois dias de antecedência, até consolidar‑se o esquema de calendário mensal.

Houve muitos contratempos e dificuldades. Minha inexperiência pessoal em fiscalização e a falta de equipamentos produziram muitos episódios dos quais a gente ri — hoje. Pernoitar dentro de um barco com mais de 200 mosquitos como companhia, pegar chuva em barco aberto a 30km/h, tiritar de frio em viagem com temperaturas a 4ºC, suar sem parar durante horas em dias tenebrosamente quentes no verão, dormir no chão de um banheiro em desuso, improvisar lanches e refeições nas condições mais diversas possíveis, descascar a pele das nádegas de tanto sentar em banco de barco de alumínio em dias de sol forte — enfim, foram vivências que não vou esquecer nunca mais.

Os brigadianos aguentaram tudo com um estoicismo admirável. Normalmente bons cozinheiros, desprovidos dos equipamentos mais elementares (que compramos para eles usarem) ‑ luvas, botas, touca, etc.., tiveram e têm um desempenho muito bom. O clima das saídas sempre foi muito saudável, sem gritos, tiros, correrias, bebedeiras, agressões, etc. Por ano, calculo, eles tiveram que puxar a arma em três ou quatro oportunidades e em uma duas atiraram para cima, advertindo. Mesmo caçadores de arma em punho são rapidamente convencidos a largar tudo. O uniforme da Brigada impõe um respeito absoluto e imediato, valendo, em campo, muito mais do que qualquer colete de outra autoridade — Polícias Civil, Federal, Naval, DNPM, FEPAM, IBAMA — com os quais também já trabalhamos.

Problemáticos são os atrasos que volta e meia ocorrem: a gente marca 8 horas e acaba saindo só às 8h30min ou até 9 horas. Para evitar isso e para ter pronta uma equipe às 5h da manhã no verão, por exemplo, já optei muito em pernoitar com a equipe completa. Assim, é garantido. A comunicação interna da BM também é complicada: entre o comandante do Batalhão que recebe o pedido de equipe e os policiais que integram a mesma perdem‑se frequentemente dados importantes como hora da volta, dicas adicionais, etc. Já tive equipes de dois soldados, ao invés de três, horários alterados, locais trocados, pedidos que sumiram, etc. A solução encontrada foi deixar com o sargento ou cabo que escala as equipes uma cópia do ofício que foi ao comandante no mesmo dia em que o mesmo recebe.

ATUAÇÃO DAS PATRAM's

Não tive dificuldades em integrar‑me às PATRAM's do 17º BPM de Gravataí e do 15º de Canoas, com os quais trabalhamos agora rotineiramente. A receptividade foi muito boa, o desempenho em campo dos PM's excelente (atravessar valão de arrozal com água até o peito atrás de caçador clandestino? Não tem problema!). Estamos trabalhando tanto de barco como de carro com eles e esta cooperação tem mostrado resultados muito bons nos poucos meses em que existe.

Principalmente o “Correio do Povo” é pródigo em notícias sobre a atuação das patrulhas. Através dele sei que a PATRAM de Alegrete, junto com o Eliseu Moraes, da Fundação Rio Ibirapuitã, tem feito um bom trabalho. O mesmo ocorre em Santa Maria, vez que outra junto com a ASEPAN. A União Protetora dos Animais de Erechim (UEPA) prometeu trabalhar junto com a PATRAM de lá na repressão à caça clandestina. As PATRAM's de São Borja, Livramento, Canela e região de Nonoai também freqüentaram o noticiário. A PATRAM de Gravataí tomou a si o controle do Parque de Itapuã.

Por outro lado, recentemente, um major da região de Santo Ângelo anunciou a desativação da Patrulha de seu Batalhão até que conseguisse equipamentos — pick‑up, barco com motor, binóculos, etc. —. Parece, como sempre nestas situações, que a coisa não é tão quente quanto parece, mas a falta de equipamentos realmente está entravando a ação das patrulhas. No caso do Esquadrão Ambiental, a ASCAPAN investiu mais de U$ 300,00 em consertos e equipamentos para que se viabilizasse uma patrulha permanente no Parque do Delta do Jacuí, mas esta evolução está recém iniciando.

De uma maneira geral, tenho a impressão de que a atuação das patrulhas nos diversos batalhões depende de uma pessoa ou entidade interessada que, sabendo o que quer e o que dá para fazer, faz a máquina funcionar. Este pode ser, em alguns casos, o papel das entidades ecológicas.

AVALIAÇÃO GERAL

Como caçador e pescador conheci a fiscalização do IBDF e nunca tomei conhecimento da fiscalização da SUDEPE. A fiscalização do IBDF, pelo menos na época, parecia constituir‑se apenas de barreiras de estrada durante a temporada de caça amadora. Certamente havia mais do que isto, mas não me lembro de nada que sobressaísse. A SUDEPE, como fiscalização, não existia. Talvez em Rio Grande houvesse algo, mas a ação nunca se fez sentir na Região Metropolitana onde os pescadores clandestinos são amadores e tem só algumas redinhas pequenas.

Considerando que o IBAMA resultou da fusão do IBDF com a SUDEPE, o resultado continuou sendo a mesma coisa: nas ocasiões em que precisávamos de fiscal do IBAMA surgiam obstáculos enormes e a experiência negativa de outras entidades, como a UPAN ‑ União Protetora do Ambiente Natural, nos desestimularam de vez.

Desta forma, o quadro atual é o melhor que já tivemos no Estado em termos de fiscalização ambiental: em qualquer canto há uma patrulha a qual se pode apelar para ajuda. A inexperiência e a falta de equipamentos das equipes são obstáculos a serem transpostos, exigindo, de nossa parte, um esforço concentrado.

Não se pode colher bergamotas de uma muda que recém está mostrando algumas folhas.

*O autor é geólogo; diretor da ASCAPAN ‑ Associação Canoense de Proteção ao Ambiente Natural<F255D>. Caixa Postal 383 ‑ 92001‑970 Canoas, RS Brasil. Fone: (051) 3472‑5685. 






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