AgirAzul Revista 1992-1998

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AgirAzul 9

Padrões de emissão de fontes individuais versus padrões de "Qualidade Ambiental"

Por  Carlos Gustavo Tornquist e  Zeno Simon

Os dois tópicos, ligeiramente modificados para publicação no AgirAzul,abaixo fizeram parte da contribuição da AGAPAN, através da Comissão Técnico-Científica, às discussões sobre a implementação daAgenda 21 ocorrida no Horto Florestal de São Paulo em meados de abril passado (vide AgirAzul n° 9).

Há um crescente (falsa) polêmica surgida a partir de alguns empresários, legisladores ambientais e seus assessores tentando desmerecer os controles de emissão na fonte por serem "anti-econômicos". Este ponto de vista baseia-se numa suposta capacidade de suporte dos ecossistemas para certos contaminantes, materializada nos "padrões de qualidade ambiental", a ser "ocupada" pelos poluidores sem danos maiores para a Natureza ou para a Sociedade. 

Já os ecologistas, além dos controles de emissões utilizados usualmente, têm demandado uma postura mais rígida, como a restrição severa e até o banimento para determinados contaminantes, práticas e processos, determinadas caso a caso (veja-se as dioxinas, o cloro em processos industriais, a "Dúzia Suja" nos agrotóxicos, etc.). Essa posição tem suas raízes na crítica informada dos NEL (no-effect-level - nível de efeito nulo) amplamente usados para justificar a produção e distribuição de substânciass tóxicas na Natureza.

De outra parte, o eminente jurista ambiental Paulo Afonso Leme Machado identifica uma complementaridade entre a fixação e o controle dos padrões de emissão na fonte e objetivos de qualidade ambiental mais amplos, reforçando ainda mais a constatação de que se trata de uma falsa polêmica, movida pela pura ignorância ou por interesses inomináveis enrustidos. 

Entendemos que existem argumentos muito fortes a favor dos padrões de emissão para fontes individuais, como por exemplo:

1. Objetividade: os padrões de emissão baseados em disponibilidade tecnológica atual, economicamente viável são objetivos e portanto, mais facilmente aceitáveis até pelos próprios empreendedores poluidores. Um padrão ambiental genérico é muito mais suscetível a questionamentos, dada a enorme gama de parâmetros que deságuam na sua fixação. Também a constatação de que os padrões ambientais tornam-se mais restritivos ao longo do tempo mostra que não há verdade a cerca de uma "qualidade ideal" do meio ambiente. Esta não só é alterável de acordo com o conhecimento científico disponível, mas também - e preponderantemente - pelas pressões políticas e sociais, de caráter preponderantemente subjetivo. 

2. Transparência: na discussão de parâmetros de emissão para determinada fonte (ou determinado tipo de fonte como, p. ex., usinas termoelétricas a carvão) temos menos variáveis a examinar. A discussão pode ser mais acessível e democratizada - evita-se a discussão de aspectos científicos complexos ou mesmo esotéricos, inacessíveis à maioria e o reinado absolutista dos experts e de toda a sorte de "gurus" geralmente patrocinados pelos poluidores. Ou seja, é mais fácil provar que um poluente pode (e deve) ser reduzido em x% na origem, a um custo razoável, do que provar a existência de uma concentração segura para este poluente no ar de y%, na água de z% e no solo de w%. Além do que esta última alternativa exige um custo de investigação muito mais alto.

3. Proteção às gerações futuras: aqui nos referimos a umamáxima dos ambientalistas, incorporada no Princípio 15 da Declaração do Rio, chamada "Princípio da Ação Precaucionária": basta haver dúvida sobre o potencial danoso de certo contaminante ou processo tecnológico para se tomar medidas de caráter restritivo e até eliminativo (como o banimento, puro e simples). Como já dito, os padrões de qualidade baseiam-se no conhecimento atual, desprezando ações subreptícias, retardadas e insidiosas dos contaminantes, poluentes, processos e atividades com impacto ambiental. Exemplo disso é o problema do "buraco de ozônio", ignorado até bem pouco em todos os modelos contemporâneos de "qualidade do ar global". Hoje são necessárias medidas muito mais custosas e audazes para sua reversão, enquanto seus efeitos negativos já estão sendo sentidos (pelo menos segundo alguns cientistas). Fica claro, então, que os padrões ambientais genéricos estão na retaguarda do conhecimento científico. A alternativa do controle na fonte, contrariamente, dificulta que um empresário ou qualquer poluidor isolado declare a impossibilidade daredução das emissões, e da inexistência detecnologias "limpas" de produção . 

4. Economicidade: os padrões de emissão controlados na origem tornam-se mais econômicos e mais justos para a Sociedade, pois desviam a prioridade do monitoramento - que acaba sendo feito pelo Estado, na linha da "socialização dos prejuízos" - para o controle na fonte, que pode ser imposto pelo Estado. Isso gera uma pressão de custo direta sobre os poluidores, que, eventualmente,adotarão as medidas de redução na fonte e alterações de processo que minimizem substancialmente a geração de resíduos tóxicos e perigosos, quando não as eliminem totalmente. 

Aavaliação de risco ambiental

As avaliações de risco ambiental se tornaram um procedimento-chave para manutenção do status quo dos poluidores mais empedernidos de nosso planeta. Sua utilização pretende a determinação de quanto dano ou degradação a Sociedade ou melhor, seus porta-vozes - no caso alguns tecnoburocratas dos governos e cientistas das mais variadas origens - vão permitir que seja causado ao planeta. A alternativa - como a sociedade pode evitar os problemas ambientais na origem, diminuir a poluição, a degradação já causada ou que vêm sendo causada atualmente ao meio ambiente - é absolutamente desconsiderada. 

As limitações intrínsecas desses estudos de risco via-de-regra passam desapercebidas, até porque são simplesmente escamoteadas pelos legisladores e técnicos governamentais. Além do que, para o cidadão comumé praticamente impossível digerir a sofisticação técnico-científica desses trabalhos e mesmo vislumbrar as repercussões desses estudos sobre sua vida.

Dentre os principais "vícios de origem" deste esquema temos:

a. as avaliações de risco pressupõem que se conhece profunda e conclusivamente as implicações ambientais da produção e utilização de qualquer substância tóxica, e que, a partir disso, é possível (e desejável) estabelecer níveis de contaminação "insignificantes" ou "de efeito nulo". Na verdade, os dados disponíveis se baseiam em estudos laboratoriais, muito longe da situação real aonde esssas substâncias serão lançadas pelo mundo afora - o grande "balão de ensaio" acaba sendo a própria Natureza, como nos mostram os exemplos do DDT e das dioxinas (sobre estas últimas, vide página xxx, neste número)

b. os autores e executores desses trabalhos em um momento ou outro acabam se tornando juízes (e, tragicamente, algozes), ao escolher acontaminação dita "aceitável" para sociedade. Ou seja, eles podem definir arbitrariamente que um caso (desencadeado por uma certa substância tóxica) de câncer em 100.000 é aceitável. Mesmo que tais cifras sejam absolutamente corretas, a população não tem noção exata do que isso significa em termos práticos - e certamente ninguém gostaria de ser o "um entre cem mil". Além disso, a grande maioria das outras espécies do planeta, menos representadas e mais vulneráveis, não são consideradas nesses estudos.

c. procura-se avaliar os riscos e danos causados pelo sistema tecnológico médio vigente, do "business-as-usual", e não daqueles referentes às melhores tecnologias já disponíveis (o que seria o "business-as-it-could-be"). Em decorrência disto, muitas destas acabam não sendo usadas - é mais fácil persistir poluindo com a pré-cambriana tecnologia "Z", já amortizada, do que dar um salto tecnológico em direção às tecnologias "limpas", "soft", inteligentes, ambientalmente benignas.

d. normalmente se usa uma aproximação cartesiana com relação aos possíveis danos e problemas ambientais que determinada área sofrerá. Explicando melhor: ao se estudar o impacto de uma represa sobre uma bacia hidrográfica, não se considera outros projetos associados e/ou decorrentes (poderia ser um projeto agropecuário que utiliza água de irrigação ou uma indústria de papel e celulose, por exemplo): os impactos ambientais dos dois empreendimentos são, no mínimo, cumulativos, mas podem até combinar-se sinergisticamente e serem muito piores do que os previstos e calculados para cada um dos empreendimentos isoladamente.







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