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Em votação histórica, Câmara dos Deputados aprova por unanimidade o Projeto de Lei da Mata Atlântica que segue para o Senado da República

EcoAgência - 3 dez 2003

Brasília, DF - Após 11 anos de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou no início da noite desta quarta-feira o Projeto de Lei no 285/99 (originalmente PL no 3.285/92), que trata da utilização e proteção da Mata Atlântica, o bioma mais degradado do país, do qual restam apenas 7,3% de sua área original. O projeto regulamenta o art. 225 da Constituição Federal. Houve 85 emendas ao projeto. Mais da metade delas foram aceitas e incluídos em um texto substitutivo. 

O Deputado João Paulo Cunha abriu a discussão sobre a matéria às 18h6min. A votação pela aprovação por unanimidade do texto final ocorreu às 19h35min. Após a votação, cumprimentou a Senadora licenciada Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente, presente na Câmara, pelo empenho do Governo no resultado da votação. E recebeu dela, e da Coordenadora-geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica, Miriam Prochnow, algumas bromélias em agradecimento e reconhecimento. 

REGIME DE VOTAÇÃO - Durante o regime de votação, passou a palavra ao Deputado Luciano Zica, do PT-SP, relator da matéria. Ele discorreu sobre as dificuldades do trabalho realizado em duas semanas, com a contribuição do Grupo de Trabalho integrado por representantes de diversos interesses onde se conseguiu um "consenso extraordinário". "Não é o projeto dos sonhos do Deputado Fábio Feldman, ou do Ministro Sarney Filho - que quando Ministro fez várias tentativas para votar o projeto aqui na Câmara -, nem o da Rede de ONGs da Mata Atlântica. Houve concessões de parte a parte. Definiu-se o que é o bioma da Mata Atlântica estabelecendo que somente os remascentes de vegetação nativa terão o seu uso e conservação regulado pela lei."

O objetivo foi compatibilizar as atividades econômicas com a conservação do bioma, afirmou o Relator.

O GT reuniu-se seis vezes nas duas semanas, às vezes por mais de 6 horas.

Antes da votação, o Deputado Dimas Ramalho (PPS-SP) pediu explicações sobre o alcance da região a ser delimitada como de Mata Atlântica. Ao que o Relator esclareceu que ainda nesta terça-feira (2/12) foi realizada uma reunião do GT com pesquisador do IBGE que esclareceu a delimitação geográfica do bioma incluídos no projeto dentro do art. 2°. O Deputado João Alfredo (PT-CE), afirmou que a Câmara "trabalhou por onze anos no projeto".

O Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-SP) defendeu o resultado do GT afirmando que entre a preservação e a produção houve um ponto de equilíbrio conseguido pelo trabalho do GT. O Deputado Walter Feldman, leu uma carta do ex-deputado Fábio Feldmann, que estava presente no Plenário, apoiando a aprovação do projeto.

A carta, entre outras afirmações, disse: "Não é exagero dizer que a comundiade ambientalista do mundo está atenta ao Brasil neste momento. Estamos cumprindo uma obrigação com os nossos netos e bisnetos para que eles possam usufruir da Mata Atlântica. O bioma presta serviço a grande parte dos cidadãos brasileiros e hoje há apenas 10% do que existia quando os europeus chegaram. Nâo é um projeto que congela o uso da Mata Atlântica; ao contrário - define o uso e proíbe o uso predatório, substituindo uma cultura extrativista para uma visão de conservação para o futuro"

Walter Feldman afirmou que foram 11 anos de peregrinação legislativa. Foi elaborado com a SOS Mata Atlântica, Rede de ONGs da Mata Atlântica, federação de empresários e outros participantes. O texto poderá desagradar alguns por pequenos detalhes, mas trata-se do texto que foi possível. O passado de devastação não pode subsistir, concluiu.

Vários deputados pediram esclarecimentos sobre a redação final do artigo 28 do projeto. No entanto, informados sobre o acordo sobre novo texto no âmbito do GT, apoiaram o projeto.

O Deputado Gervásio Silva, do PFL-SC, que havia se inscrito para opor-se à matéria, reconheceu avanço no texto. Em SC, a atividade agrícola e florestal tem um peso significativo na economia, com uma grande oferta de empregos, diz, "tinha toda a razão de ser contrário à matéria já que 100% do território do meu Estado seria congelado em suas atividades produtivas". Esclareceu que 4% do PIB brasileiro vem do setor florestal. Criticou o deficit de 300 mil ha/ano de área a ser plantada para recolhimento de madeiras. Cumprimentou os ambientalistas e os representantes do Governo presentes. Se a redação não atende as partes totalmente, é razoável, pois o meio ambiente será preservado e vamos ter a possibilidade de a atividade produtiva continue a gerar empregos através do desenvolvimento sustentável. Temos que pensar no homem que precisa sobreviver com o suor do seu rosto para sustentar a sua família, afirmou.

O Deputado Zezéu Camargo (PT-BA) afirmou que o Governo entendeu que era necessário serem resolvidos vários impasses decorrentes da aplicação do Decreto 750/93 e cumprimentou João Carlos Capobianco no construir a unidade ao se trabalhar para se quebrar a desconfiança entre os envolvidos na matéria.

Houve manifestações gerais em favor do projeto, já que representa um passo no sentido do "desenvolvimento sustentável". As lideranças partidárias sinalizaram a aprovação.

VITÓRIA - A votação representa uma vitória histórica para os ambientalistas, que há mais de uma década se mobilizam para aprovar o projeto apresentado em 1992 pelo então deputado federal Fabio Feldmann. Sua aprovação significa, ainda, o cumprimento de uma das promessas de campanha constantes do Programa de Governo do então candidato do PT e atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

O texto aprovado seguirá, agora, para o Senado Federal.

O PROJETO - Resultado de um longo processo de negociação com diversos setores da sociedade brasileira, o PL no 285/99 confirma o conceito de domínio da Mata Atlântica contido no Decreto no 750/93, que abrange as florestas ombrófila densa, ombrófila mista, ombrófila aberta, estacional decidual e estacional semidecidual, bem como os manguezais, as restingas e outras vegetações litorâneas, os enclaves de savanas e campos contidos na floresta ombrófila mista (a chamada Floresta com Araucária), os enclaves de campos de altitude existentes na floresta ombrófila densa, as matas de topos de morro e de encostas no Nordeste, também chamadas “brejos”, as formações vegetais nativas dos arquipélagos de Fernando de Noronha e Trindade e as chamadas áreas de tensão ecológica (vegetação existente nas áreas de contato entre ecossistemas).

Além disse, o texto aprovado pela Câmara define regras e condições para a proteção e o uso dos ecossistemas que integram a Mata Atlântica, tais como:

  • a) protege os remanescentes de Mata Atlântica em seus diferentes estágios (vegetação primária e secundária), inclusive a existente em áreas urbanas, impondo condições para sua supressão;
  • b) propõe ao Poder Público a adoção de incentivos econômicos para a proteção e o uso sustentável dos remanescentes de Mata Atlântica;
  • c) propõe a criação do Fundo de Restauração da Mata Atlântica, cujos recursos serão destinados ao financiamento de projetos de restauração ambiental no bioma;
  • d) confere tratamento privilegiado, por parte dos órgãos de financiamento e crédito, aos proprietários que mantiverem vegetação primária e secundárias sob proteção.

Entre os assuntos discutidos no GT, estão:

ABRANGÊNCIA - De acordo com o substitutivo apresentado em plenário, fazem parte do Bioma Mata Atlântica formações nativas e ecossistemas associados, delimitados em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como a mata de araucárias, manguezais, vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos, encraves florestais do Nordeste e outros.

ÁREAS EM REGENERAÇÃO - Um dos pontos de discordância nas últimas reuniões do Grupo de Trabalho que analisou as emendas eram os remanescentes de vegetação nativa em regeneração. Pelo texto, somente as vegetações nativas em estágio primário e secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência da futura lei terão seu uso e conservação regulados. O Conselho Nacional do Meio Ambiente definirá o tipo de vegetação em regeneração.

CORTE - O corte de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração é proibido se a vegetação abrigar espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção e a intervenção colocar em risco a sobrevivência dessas espécies. Também será proibido cortar a vegetação que formar corredores entre remanescentes em estágio avançado de regeneração.

LOTEAMENTOS - Para os loteamentos e edificações em regiões metropolitanas e áreas urbanas, assim definidas em lei, cujos perímetros urbanos forem aprovados após 30 de novembro de 2003, será proibida a supressão de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração.

FUNDO DE RESTAURAÇÃO - O substitutivo cria ainda o Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica, que será administrado por representantes de ministérios e associações da sociedade civil. Os recursos do fundo virão de dotações orçamentárias, doações e rendimentos que sejam conseguidos como remuneração de aplicações do patrimônio do fundo.

INCENTIVOS - O propietário ou posseiro que tenha vegetação primária ou secundária em estágios avançado e médio de regeneração do Bioma receberá das instituições financeiras benefícios creditícios como prioridade na concessão de crédito agrícola, prazo diferenciado de pagamento, que não poderá, no entanto, ser inferior a 50% do tempo normal de financiamento, e juros inferiores aos cobrados, com desconto de, no mínimo, 25% do índice ordinário.

A situação da Mata Atlântica hoje

A Mata Atlântica é o segundo ecossistema mais ameaçado do mundo, perdendo apenas para as quase extintas florestas da ilha de Madagascar, na costa leste da África. Recentemente foi considerada, a partir de estudos realizados por agências de fomento e grupos de especialistas, a grande prioridade para a conservação de biodiversidade em todo o continente americano.

De sua área original, de 1.290.692,46 km2 (o equivalente a duas vezes o território da França), restam 7,3%, ou 95.000 km2 (uma Hungria), segundo levantamento realizado em 1995 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Socioambiental.

Mesmo reduzida e muito fragmentada, a Mata Atlântica ainda abriga mais de 20 mil espécies de plantas, das quais 8 mil são endêmicas, ou seja, espécies que não existem em nenhum outro lugar do mundo. É a floresta mais rica do mundo em diversidade de árvores por hectare, com 454 espécies identificadas no sul da Bahia. Além disso, a Mata Atlântica fornece serviços ecológicos que asseguram bem-estar aos cerca de 120 milhões de habitantes que vivem em seus domínios, como a proteção de nascentes e rios, a estabilidade de solos e encostas nas áreas rurais e urbanas e lazer para populações humanas.

Texto do jornalista João Batista Santafé Aguiar - joaobatista@ecoagencia.com.br a partir de material da Rede de ONGs da Mata Atlântica e acompanhamento da sessão da Câmara dos Deputados  e Agência Câmara - www.ecoagencia.com.br 


Última atualização: 03 setembro, 2013 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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