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NACIONAL

Ex-secretário da Agricultura do RS denuncia conluio à CPI dos transgênicos

Segundo o agrônomo José Hermeto Hoffman, ações articuladas entre produtores rurais,
a empresa Monsanto e o governo federal permitiram a disseminação, no Brasil,
de soja contrabandeada da Argentina

25 março 2004

 

Brasília, DF - O secretário de Agricultura do Governo Olívio Dutra, o agrônomo gaúcho José Hermeto Hoffman, foi inquirido nessa quarta-feira (24), em Brasília, pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investiga o contrabando e o plantio ilegal de sementes transgênicas em território brasileiro. Sua convocação foi solicitada pelo presidente da CPI, o senador amapaense João Alberto Capiberibe (PSB), para identificar os responsáveis pela entrada ilegal dessas sementes no país, o que acabou ensejando sua liberação para fins comerciais por meio de duas medidas provisórias assinadas pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.

Hoffman foi secretário de Agricultura no Rio Grande do Sul, entre 1999 e 2002. Ele disse aos senadores que pelo menos desde 1997, quando o Estado estava sob a administração de Antônio Britto (pelo PMDB), circulavam informações sobre o contrabando de sementes Roundup Ready (RR), resistentes ao herbicida Roundup, da empresa norte-americana Monsanto, vindas da Argentina. Segundo informou, não havia qualquer fiscalização na fronteira nessa época. Lembrou que a primeira denúncia concreta de cultivo de variedades contrabandeadas ocorreu no município de Júlio de Castilhos em julho de 1998, quando foram apreendidas 22 sacas de sementes transgênicas.

Hoffman disse que, ao assumir o governo gaúcho, o PT passou a adotar uma série de medidas visando tornar o estado uma área livre de transgênicos e, assim, cativar mercados que tinham preferência por sementes convencionais. Afirmou que, no entanto, já no primeiro ano da administração Olívio Dutra essa diretriz começou a encontrar resistências de associações de produtores, especialmente da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e do Clube Amigos da Terra que, mesmo diante da proibição do plantio de sementes geneticamente modificadas com finalidades comerciais, incentivavam seu plantio e disseminavam informações que induziam os associados a acreditar que a legalização dos transgênicos ocorreria em breve.

"Nessa época, ninguém sabia exatamente qual era a área com cultivos clandestinos. Porém, quando fomos à França, dizer que planejávamos ser um estado livre de transgênicos e negociar o fornecimento de grãos convencionais, ouvimos de um Executivo do Carrefour que lhe haviam informado que 30% da área no Estado era de sementes transgênicas. Era uma informação sem qualquer base técnica, parte da campanha para liberar as variedades transgênicas", disse Hoffman à CPI.

O ex-secretário do governo gaúcho explicou que, diante do impasse jurídico relacionado à liberação do cultivo de transgênicos no Brasil, a estratégia dos setores favoráveis foi a de adotar uma "política de fato consumado". De seu depoimento infere-se que três atores foram importantes nessa estratégia. Primeiro, as associações de produtores, incentivando o plantio ilegal das variedades da Monsanto, inicialmente com sementes contrabandeadas e, posteriormente, com sementes já multiplicadas em solo gaúcho. Segundo, o próprio Governo Federal que, à época, se esforçava para derrubar decisão liminar da Justiça Federal que proibia os plantios de transgênicos e, ao mesmo tempo, não adotava medidas que coibissem os cultivos ilegais. Terceiro, a própria Monsanto, que fomentava a situação de desobediência civil em curso no Estado.

Duas ações relatadas à CPI por Hoffman atestariam a participação da multinacional norte-americana nesse processo. Primeira, a localização e posterior interdição de um cultivo de 435 hectares com duas variedades RR fornecidas pela multinacional mediante contrato assinado com um produtor de Palmeira das Missões. Hoffman foi enfático ao dizer que a alegação de que se tratava de um plantio experimental é injustificada, face ao tamanho da área. "Era uma prova contundente de transgressão à lei, pois se tratava de um plantio destinado à multiplicação e à distribuição de sementes", observou. Segundo, as periódicas visitas de campo realizadas por técnicos da empresa, fazendo a divulgação de suas sementes RR junto aos produtores gaúchos.

Hoffman informou que, a partir de março de 1999, com base na legislação estadual, o governo de Olívio Dutra iniciou uma fiscalização mais rigorosa dos plantios de soja no Rio Grande do Sul, visando identificar e interditar plantios ilegais. Ao mesmo tempo, adotou uma série de políticas visando deter a expansão dos cultivos ilegais, como a troca de soja transgênica por convencional e a criação de uma linha de crédito para financiar a substituição das lavouras ilegais. Porém, a Farsul liderou um boicote a essas iniciativas, estimulando inclusive seus associados a impedir a entrada dos fiscais nas propriedades, a exemplo do que faziam com técnicos do Incra. "Tivemos fiscais presos por 48 horas em fazendas de Tupaciretã", disse.

A mobilização dos plantadores de soja gaúchos em favor dos transgênicos chegou ao Legislativo estadual em 2000, quando uma lei derrubando as restrições ao plantio e comercialização dessas sementes foi aprovada. Vetada pelo governador Olívia Dutra, a lei acabou entrando em vigor com a derrubada do veto pelos deputados estaduais. Restou ao Executivo recorrer ao Judiciário, com a apresentação de uma ação direta de inconstitucionalidade que só foi julgada em 2002. Além disso, a desvalorização do real, ao tornar o preço da soja nacional mais competitivo, facilitou sua proliferação. "Em 2001 não havia mais condições objetivas para fiscalizar, pois a maior parte dos produtores já plantava a soja transgênica, inclusive para observar suas eventuais vantagens", declarou.

O ex-secretário da Agricultura enfatizou que, durante todo esse processo, o governo federal foi avisado das ilegalidades. Disse que foi solicitada ao Ministério da Agricultura a adoção de medidas para fechar a fronteira do Rio Grande do Sul, impedindo assim a proliferação da soja transgênica ilegal por outros estados. Porém, nada foi feito. Hoffman ainda disse que, por não serem adaptadas ao solo e ao clima do país, as sementes argentinas estão perdendo produtividade rapidamente. Além disso, o surgimento de ervas resistentes ao Roundup faz com que os agricultores apliquem o herbicida duas ou três vezes, eliminando uma das supostas vantagens das sementes RR - qual seja, a diminuição dos custos relacionados à aplicação do veneno.

Após o depoimento de Hoffman, o presidente da CPI, senador João Alberto Capiberibe, indicou que, nas próximas sessões, pretende aprofundar a investigação acerca da responsabilidade da Monsanto no contrabando e disseminação de variedades RR no Brasil. O senador informou que vai solicitar à consultoria jurídica do Senado um parecer sobre a legalidade da cobrança de royalties pelo uso das sementes ilegalmente trazidas ao Brasil, que vem sendo feito pela Monsanto junto aos produtores gaúchos.

Fonte: Assessoria de Imprensa do Gabinete do Senador João Capiberibe (PSB-AP)


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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