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NACIONAL

Verbas destinadas aos recursos hídricos não são executadas pelo governo

Professor Carlos Tucci, do IPH da UFRGS, participou de debate promovido pelo NEJ-RS

 

9 abril 2004 - Especial para a EcoAgência de Notícias

Porto Alegre, RS - No Brasil, o valor orçado para o setor de recursos hídricos não está disponível para execução. A afirmação foi feita nesta quarta-feira (7/4) à noite pelo professor Carlos Tucci, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que falou sobre o "Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Brasil" no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social (Fabico) da UFRGS. "O Ministério da Fazenda contingencia os recursos do Orçamento e apenas uma parcela do mesmo pode ser executada, variando de ano para ano. Apesar dos recursos ficarem em conta para uso futuro, o acesso ao mesmo não é permitido, visando o controle do déficit público do país." Segundo ele, a parcela efetivamente executada chega a ser da ordem de 50% do valor disponível.

Promovido pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS (NEJ/RS), com o apoio da Fabico e do Sindicato dos Jornalistas do RS, o debate foi mediado pelo jornalista Roberto Villar Belmonte e também teve como debatedor o coordenador do Programa Água Doce, da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, Renato Ferreira. De acordo com o professor Tucci, 65% das internações hospitalares no Brasil são provenientes de doenças veiculadas pela água. Ele lembrou ainda que, em janeiro deste ano, morreram mais de 80 pessoas no Brasil devido a inundações ou escorregamento de encostas.

A deterioração da saúde da população brasileira, o aumento da freqüência da ocorrência de inundações urbanas, a contaminação dos rios e aqüíferos e a redução da água segura distribuída aos cidadãos, com o conseqüente racionamento dela, estão entre os impactos diretos gerados pela falta de gestão apropriada dos recursos hídricos no Brasil.

Comentando que 83% dos brasileiros integram a população urbana do país, Tucci afirma que essa tendência dificulta o ordenamento das ações para um efetivo controle ambiental urbano, o que propicia a expansão irregular sobre as áreas de mananciais de abastecimento humano e o comprometimento da sustentabilidade hídrica das cidades. Além disso, os efluentes gerados não são tratados e, despejados nos rios, inviabilizam o uso da água. "Mesmo nas regiões com grande disponibilidade hídrica, como a cidade de São Paulo, observa-se permanente racionamento da água, já que após o seu uso a água retorna aos rios totalmente contaminada, inviabilizando os mananciais próximos." Ele observa também que a impermeabilização das áreas urbanas e a canalização do escoamento dos pequenos riachos resultam no aumento da freqüência da ocorrência das inundações. "Estes problemas ocorrem devido à falta de gestão integrada entre a ocupação do solo e os recursos hídricos urbanos."

A Política Nacional de Recursos Hídricos, implantada a partir da Lei n. 9433 de 8 de janeiro de 1997, explica o professor, se baseia nos princípios de Dublin, que define a água como um bem de domínio público e um recurso limitado, dotado de valor econômico. A lei também estabelece um mecanismo de gestão descentralizada por meio de comitês de bacia. A Agência Nacional de Águas (ANA), entidade de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos criada em 2000, é vinculada ao Ministério de Meio Ambiente e tem entre suas atribuições a outorga do direito de uso dos recursos hídricos em rios de domínio da União, a prevenção contra secas e estiagens, a fiscalização dos usos de recursos hídricos em rios de domínio da União e o estímulo à criação de comitês de bacia.

Século XX, período de crescente urbanização e degradação ambiental

De acordo com Tucci, o século XX passou por várias transições que marcaram o desenvolvimento dos recursos hídricos e o meio ambiente em todo o mundo. Logo após a Segunda Guerra Mundial, explica, houve a necessidade de grande investimento em infra-estrutura, seguido por uma fase de crescimento econômico e de população em muitos países desenvolvidos. "Neste período ocorre forte industrialização e aumento dos adensamentos populacionais, que resultam numa crise ambiental devido à degradação das condições de vida da população e dos sistemas naturais."

No início da década de 70, lembra, os governos de diversos países começam a ser pressionados no sentido de reduzir os impactos ambientais causados pela falta de controle dos efluentes das industrias e das cidades. Neste período, o Brasil investia fortemente em hidrelétricas. Nos anos 80, conta o professor, enquanto o acidente nuclear ocorrido em Chernobyl alertava o mundo para os perigos do descontrole ambiental, o Brasil aprovava uma lei ambiental, ao mesmo tempo em que eliminava os empréstimos internacionais para construção de hidrelétricas. “A concepção de desenvolvimento sustentável surge nos anos 90, numa tentativa de busca do equilíbrio entre o investimento no crescimento dos países e a conservação ambiental.”  Da mesma forma, explica, surge um movimento em favor do desenvolvimento dos recursos hídricos de forma integrada e o início do controle da poluição difusa nos países desenvolvidos, que resultou na aprovação, em 1997, da Lei de Recursos Hídricos.

Para o professor Carlos Tucci, o início deste século está marcado internacionalmente pelo movimento pela busca de uma maior eficiência no uso dos recursos hídricos. Segundo ele, a partir das discussões feitas em fóruns como a Rio+10, em Johanesburgo (África), em 2002, e a 3ª Conferência Mundial da Água em Kyoto, em 2003, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu metas para redução pobreza, tendo como foco principal a água e o saneamento. Estas metas, explica o professor, estipulam a redução pela metade do número de pessoas, no mundo, sem água potável e saneamento até 2015. "O Brasil tem boa cobertura de serviços de abastecimento de água, se comparados com a maioria dos países em desenvolvimento, mas necessita de fortes investimentos para atingir a meta do saneamento."

Agricultura, o setor que mais consome água no mundo

Carlos Tucci alerta que o grande consumidor mundial de água é o setor da agricultura, responsável por cerca de 70% do consumo. “Um hectare de irrigação de arroz por inundação pode equivaler ao consumo de 800 pessoas” explica, acrescentando, porém, que as tecnologias modernas em irrigação podem reduzir este número em 50%. Segundo ele, existe um conflito natural entre o uso da água para a agricultura e o abastecimento humano em algumas regiões brasileiras, principalmente quando a demanda é muito alta como para irrigação de arroz por inundação. “A solução passa pelo aumento da eficiência dos sistemas de irrigação e pelo gerenciamento adequado dos efluentes agrícolas quanto à contaminação. É importante também haver a conservação do solo, pois solo mal conservado é fonte de poluição difusa.”

Já no setor energético, diz o professor, o Brasil tem sua matriz fundamentalmente baseada em geração hidrelétrica, sendo um dos grandes produtores mundiais deste tipo de energia, com 10% da produção. Ele calcula que o país necessite, atualmente, de investimentos anuais de cerca de 3 a 5 bilhões de dólares em energia, a fim de manter a oferta para uma demanda que cresce de 2% a 4 %. Para ele, o racionamento de energia ocorrido em 2001, no Brasil, era totalmente previsível: “Desde a década 80, o risco de falha vem aumentando em razão do acréscimo médio anual de oferta de energia ser menor que o aumento da demanda.”

Enchentes resultam do descontrole ambiental nas áreas urbanas

Para Carlos Tucci, as enchentes urbanas que freqüentemente ocorrem em todo o Brasil são resultantes da ocupação inadequada do leito maior dos rios e da urbanização das cidades. Ele explica que, em razão da falta de políticas públicas de controle ou mesmo de ações governamentais equivocadas, a impermeabilização do solo e a canalização produzem o aumento da freqüência e magnitude das inundações. "Normalmente, existe uma combinação de falta de conhecimento e de interesse na solução desses problemas." As enchentes, alerta, também podem gerar o rompimento de barragens, mas atualmente não existem, no Brasil, programas preventivos de segurança neste sentido. “Isto é preocupante na medida em que um evento dessa natureza em um sistema de cascata de barragens poderá produzir um cenário desastroso, caso não existam programas preventivos de minimização de impactos.”

De acordo com o professor, a conservação dos recursos hídricos no ambiente depende, principalmente, do controle dos efluentes de esgoto doméstico, industrial e pluvial e da poluição difusa agrícola sobre os rios, reservatórios e aqüíferos, bem como de práticas que levem em conta a necessidade de preservação do solo, o controle do desenvolvimento urbano em áreas costeiras, evitando o lançamento de efluentes para o subsolo, e a construção de obras hidráulicas como reservatórios e diques. Outros impactos negativos importantes para o ambiente aquático brasileiro estão relacionados, segundo ele, à prática de desmatamentos e queimadas, à exploração da mineração e ao uso de pesticidas - agrotóxicos - e seu conseqüente impacto sobre os rios.

Sobre as perspectivas do desenvolvimento dos recursos hídricos no Brasil, o professor Carlos Tucci afirma: "Este processo é lento e gradual e dificilmente será possível completá-lo em curto prazo, mas é importante consolidar, na sociedade, a educação sobre o problema e a busca de soluções dentro de um universo integrado". Para ele, é necessária uma forte participação da sociedade para a construção do caminho para o desenvolvimento dos recursos hídricos no Brasil, “pois o esforço para construir é muito maior que para destruir”.

Texto do Jornalista Carlos Scomazzon - carlos@ecoagencia.com.br , especial para a Ecoagência de Notícias.


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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