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TRANSGÊNICOS

Especialista analisa evolução da soja transgênica no Rio Grande do Sul

Hoje, a responsabilidade dos formadores de opinião é inegável e não pode ser esquecida, diz Leonardo Melgarejo.

Safras norte-americanas, canadenses e argentinas demonstram que a soja transgênica é menos produtiva do que a soja convencional.

10 maio 2004  - Especial para a EcoAgência de Notícias

 

Porto Alegre, RS - A jornalista Adriane Bertoglio Rodrigues entrevistou o Engenheiro Agrônomo Leonardo Melgarejo para a EcoAgência de Notícias. Doutor em Engenharia de Produção, Melgarejo vem acompanhando, de forma crítica, a expansão das lavouras de soja transgênicas no Rio Grande do Sul.

Pergunta - Como se deu a rápida expansão do cultivo de transgênicos no RS? O que ocorreu de tão especial na safra passada?

Resposta - Ao longo de 2003 lideranças comprometidas com o agronegócio,formadores de opinião e mesmo setores do Governo Estadual construíram, na cultura popular gaúcha, a perigosa interpretação de que a expansão no cultivo das sementes de soja transgênica contrabandeadas seria indicativo de ações coerentes com a busca do progresso e do desenvolvimento de nosso Estado.

Utilizavam como argumentos a repetição exaustiva de afirmativas onde sustentavam que aquelas sementes sem procedência definidas eriam a base sólida de uma tecnologia mais produtiva e menos danosa ao ambiente. Diziam que, com a legalização de seu uso, os gaúchos poderiam investir com segurança seu tempo, seus recursos e seus esforços, pois colheriam, em cada hectare cultivado, maiores volumes de soja, aplicando menores quantidades de veneno. Sugeriam que era necessário proceder dessa forma, pois só assim o Governo Federal seria forçado atomar uma atitude coerente com as estratégias comerciais desenvolvidas pelos grandes produtores internacionais de soja, evitando que a agricultura brasileira perdesse em competitividade e levando-nos a alcançar um melhor posicionamento, na disputa por mercados globais.

Os argumentos que sustentavam necessidade de maior cautela se chocavam contra as orientações emitidas pelo Ministro da Agricultura, pelo presidente da FARSUL, por alguns deputados e cientistas comprometidos com a defesa das mesmas posições e eram classificados como insensatos, estúpidos, ideológicos e mal informados.

Com esse discurso ampliado pela grande imprensa, foi estimulada a cobiça e o brio dos agricultores gaúchos. Confundindo aquelas perspectivas fantasiosas com algumas evidências efetivamente favoráveis ao plantio das sementes contrabandeadas, nossos agricultores ignoraram as desvantagens e as advertências, e se jogaram por inteiro nesta empreitada. Hoje, a responsabilidade dos formadores de opinião é inegável e não pode ser esquecida.

A ausência de postura mais responsável e mais cautelosa, de parte de homens públicos e do próprio Estado, no sentido de impedir que as ecisões individuais centradas em horizonte tão estreito comprometessem o interesse coletivo de longo prazo será lamentada, ainda este ano de 2004, porto dos nós.

Pergunta - Que argumentos poderiam mudar esse quadro?

Resposta - Todas as afirmativas destacando os problemas associados à substituição de sementes tradicionais por sementes transgênicas provêm deestudos que apontam prejuízos relevantes, que são crescentes ao longo dos anos. Trata-se de comparação simples, entre prejuízos reais, já dimensionados, que se avolumam com o passar do tempo, com ganhos reais, que são decrescentes e se tendem a se anular em poucos anos, se não forem compensados por sucessivas expansões na escala das lavouras. Existem também vantagens hipotéticas ainda não demonstradas, e problemas descomunais também antecipados com projeções teóricas.

Mas examinando apenas os dados reais, o saldo das comparações, na Argentina e nos Estados Unidos, se mostra fortemente negativo para a adoção das sementes de soja transgênica. Se lá é assim, porque seria diferente no Brasil? Safras norte-americanas, canadenses e argentinas demonstram que a soja transgênica é menos produtiva do que a soja convencional. Além disso, os custos de produção deveriam considerar a redução no volume colhido por hectare, ao longo das safras. Isso é importante para nós, porque nos Estados Unidos, o governo subsidia a safra e os agricultores trabalham com prejuízo real, que não aparece.

Na Argentina, o subsídio vem da fertilidade do solo, que assegura rendimentos superiores com investimentos reduzidos. Mas este não é o único argumento. Existe ainda o crescente (embora a mídia sustente o oposto) uso de agrotóxicos, e as questões relacionadas à autonomia nacional e à disputa de mercados internacionais. Mesmo que os agricultores gaúchos houvessem acertado na medida e obtido ganhos de curto prazo nesta safra, ao embarcarem nesta aventura inadvertidamente arrastaram o Brasil para um caminho de onde será difícil retornar, e com isso prejudicaram o futuro de todos nós.

Pergunta - Por que aconteceu isso?

Resposta - Como produtor de soja transgênica, o Brasil perde uma oportunidade de se diferenciar no mercado internacional da soja, uma das principais comodities mundiais. Todos os manuais de orientação mercadológica recomendam investimentos em marketing para que os ofertantes diferenciem seu produto dos concorrentes. Inclusive os políticos que se apresentam como mercadorias pagam fortunas aos marqueteiros, para que os “ajustem” aos desejos domercado. E no mercado de alimentos há uma tendência global de retomadados valores naturais, de busca por produtos limpos, etc, indicando uma preferência dos consumidores, que não pode ser ignorada.

Com a soja “natural”, o Brasil só tem a ganhar, pois é o país que apresenta a maior produtividade e o que mais avança em termos de aceitação nos mercados internacionais. Portanto o que está em jogo é uma crescente oportunidade de mercado. Para se distinguir dos concorrentes, o Brasil não poderia vender a soja por menor preço que seus concorrentes, pois os solos do pampa argentino são mais produtivos e permitem redução nos custos médios. E os agricultores norte americanos são subsidiados. Então, a oportunidade da diferenciação, que de maneira absurda, estamos jogando fora, não poderia ser ignorada.

Ao viabilizar, estimular e oficializar a safra transgênica gaúcha (e agora também a safra nacional), o Ministério da Agricultora desprezou o impacto da diferenciação, sobre os consumidores. Antes da legalização desta safra, o Brasil possuía quase exclusividade sobre a oferta internacional de soja livre de transgênicos. Que valores estão em jogo, numa oportunidade deste tipo?

Pergunta - Como você avalia a atitude do Governo?

Resposta - O Ministério da Agricultura não se empenhou em contribuir para que o Paraná se qualificasse como área livre de transgênicos. Ao contrário, o MAPA dificultou ou mesmo inviabilzou esta oportunidade. E com isso, comprometeu a credibilidade do Governo Federal, desmoralizando normas legais, e esvaziando uma iniciativa correta e responsável do governador do Paraná, que vai além de seu estado, pois é do interesse de todos. É claro que o governador Requião se beneficia politicamente pelo fato de assumir essa luta que é do interesse de todos. Mas isto constitui uma espécie de mérito nacionalista, que deve ser valorizado. Os homens públicos deveriam assumir como regra geral este tipo de responsabilidadede agir no interesse da sociedade.

Se as lavouras transgênicas são menos produtivas, por que agricultores no mundo inteiro estão optando pela soja transgênica? Isto é confirmado em pesquisas e estatísticas realizadas em diversasr egiões do planeta. Os agricultores estão adotando estas lavouras porque percebem vantagens. E os aspectos positivos se referem a uma visão decurto prazo, e são quase que exclusivos das lavouras de médio porte. NaArgentina quem cultiva menos do que 500 hectares, segundo estudos deWalter Pengue, não tem vantagens. Já os aspectos negativos apontam impactos negativos sobre o solo, sobre a água, sobre a biodiversidade, sobre a estrutura fundiária, sobre a presença nos mercados e a soberania dos governos, frente à pressão dos grandes oligopólios do agronegócio internacional.

Me refiro a dados do USDA, da CONAB e do IBGE, da EMATER/RS, das Secretarias da Agricultura do RS e do PR, para as safras brasileira, norte-americana, argentina, gaúcha, paranaense e do Centro-Oeste brasileiro. Quanto à produtividade comparada, de lavouras transgênicas e não transgênicas no Rio Grande do Sul, me refiro a dados da Fundacep (Fundação Centro de Experimentação e Pesquisa), obtidos e disponibilizados por José Ruedell e outros pesquisadores. Também me refiro a pesquisas desenvolvidas nos EUA e na Argentina, por universidades e organizações independentes, divulgados pelo Dr Charles Benbrook e pelo eng. Agr. Walter Pengue. Todas estas informações são disponíveis, e não há motivo para que sejam ignoradas pelo Ministro daAgricultura e seus assessores.

Pergunta - Por que a soja transgênica é tão defendida?

Resposta - A área de soja transgênica se expande no Planeta. Isso se dá pela redução de custos no momento do plantio, e pela facilidade de controle de invasoras. No caso do Pampa Argentino, nos últimos oito anos, a área média passou de 200 para 350 e atualmente alcança os 600 hectares, segundo estudo publicado por Walter Pengue. Isto implica na concentraçãode terras e na expulsão de milhares de agricultores, que se deslocam paraas cidades em busca de alternativas. Na Argentina, o pacote da soja transgênica está provocando uma reforma agrária ao contrário, que amplia os índices de desemprego e a fome. No Brasil, o crescimento da área cultivada com estas sementes se deve ao somatório de impactos causados pela propaganda, pela ação e pela omissão de autoridades, e pela obtenção de redução de custos no manejo das lavouras. Os impactos negativos começam apenas agora a ser percebidos, e seguramente serão mais dramáticos para os pequenos agricultores.

Pergunta - Por que a soja transgênica é menos produtiva?

Resposta - Os motivos tendem a ser os mesmos em todos os locais. Enquanto geneticistas mencionam instabilidade no DNA modificado, agrônomos mencionam aspectos de suscetibilidade a estresse hídrico e floração muito próxima do solo, com perdas na colheita em áreas irregulares, entre outros aspectos. No Rio Grande do Sul, são utilizadas sementes desenvolvidas para serem cultivadas em outros ambientes, que aqui tendem a acelerar seu ciclo, e com isso reduzem a produtividade. Como ameaça, também há a introdução de novas doenças.

Pergunta - Como assim?

Resposta - A soja responde a uma relação entre horas de luz e horas de escuridão, e as variedades são desenvolvidas com base nas características do ambiente onde serão cultivadas. É considerada a disponibilidade de água, o tipo de solo, as doenças mais comuns e, o número de horas de luz, que definirá o volume de fotossíntese realizado a cada dia. Assim, as variedades têm seu ciclo produtivo condicionado a determinada combinação destes fatores.

Conforme o número de dias necessários para completar seu ciclo e, portanto, de horas de luz recebidas, as plantas se dividem em precoces e tardias. Como no verão deste hemisfério, quanto mais ao Sul maiores são os dias, e menores são as noites, as variedades de soja desenvolvidas para serem cultivadas em regiões mais próximas ao Pólo Sul, não se adaptam bem a nosso ambiente, de dias mais curtos. Esta diferença de latitude faz com que aquelas variedades contrabandeadas da Argentina, quando cultivadas aqui, adiantem seu ciclo, cheguem à maturidade com um desenvolvimento menor do que seria possível com dias mais longos.

Por isto, se observa que no início de março as lavouras gaúchas já estão amareladas, quando tradicionalmente estariam verdes. Por isso, elas são menos produtivas e mais suscetíveis a qualquer tipode estresse. Uma deficiência hídrica menos relevante as torna mais vulneráveis a ataques de insetos e outros tipos de instabilidades produtivas. Sendo assim, o desvio destas sementes para plantio no Paraná e no Centro Oeste brasileiro deverá causar impacto ainda maior do que no RS, onde a diferença de rendimentos, em um ano de estiagem como este, deverá superar os 20%-30%, segundo estimativas preliminares da Fundacep.

Pergunta - Como foi a colheita, no RS, da soja transgênica?

Resposta - Este fenômeno foi detectado em diversos ambientes, e nele se baseia a afirmativa de que, nas condições excepcionais da safra passada, o Rio Grande do Sul talvez houvesse colhido perto de um milhão de toneladas a mais, na ausência do contrabando daquelas sementes. Pelo menos foi em torno de 10% a diferença de produtividade a favor das variedades locais, identificada pelo prof. José Ruedell nas lavouras por ele acompanhadas. Como aquele foi um ano excepcional, onde o clima permitiu que rendimento médio superasse largamente a média histórica,esta diferença passou desapercebida. Agricultores que colhiam 30 sacospor hectare, e que ficaram maravilhados quando colheram 35-40 sacos com a Maradona, possivelmente colheriam 50-55 sacos por hectare, com o plantio das nossas variedades.

Pergunta - Por que nos Estados Unidos e na Argentina, a produtividade da soja trasngênica é menor?

De acordo com cientistas internacionais, 7 a 10 dias após a aplicação do glifosato, as plantas reduzem seus níveis de alguns aminoácidos, com impacto sobre sua resistência imunológica, tornando-se mais suscetíveis ao ataque de pragas e doenças. Outro argumento científico é de que a aplicação continuada de glifosato reduziria o número, o volume e o peso dos nódulos criados em simbiose entre as raízes da soja e bactérias benéficas. Estes nódulos são essenciais para a fixação de nitrogênio e possuem importância crescente em solos empobrecidos. Segundo informe do Dr. Charles Bembrook esta condição seria agravada em situação de estresse hídrico. O mesmo pesquisador informa que o uso continuado de glifosato determina alteração nas condições oferecidas à microvida do solo. Estas alterações ofereceriam vantagens relativas a alguns fungos do gênero fusarium, determinando uma explosão populacional desproporcional. O pesquisador alerta que, mesmo se este problema não se mostrar relevante para a soja, deveria ser considerado como de extrema cautela para o trigo, cultivado em sucessão à soja. Ele destaca que, apenas devido a fusarioses, os Estados Unidos registrariam perdas de milhões de dólares por ano, e sugere que os dois fenômenos possuam relação estreita. Enfim,existem diversos argumentos que só conhecemos com base em pesquisas desenvolvidas em outras regiões do planeta. Espero que possamos aprender com isto, antes de nos defrontarmos com os mesmos problemas, no solo gaúcho.

Pergunta - Qual a situação atual da safra gaúcha?

Resposta - Neste ano, cerca de 81 mil gaúchos declararam ter cultivado soja transgênica em quase 3 milhões de hectares. Com isso, a safra de 2003/04 compromete o futuro do Brasil e ameaça nossa posição diferenciada nomercado internacional da soja. Espero que os formadores de opinião responsáveis por este quadro comemorado como “a vitória da racionalidade,sobre o obscurantismo”, venham a ser lembrados como referência negativa para a sociedade. Houve, em 2003, momentos de euforia, abertamente comemorada pelos responsáveis por este desastre, em todos os canais da mídia.

Por exemplo, quando se deu a equivocada liberação, pelo governo federal, das safras cultivadas com sementes ilegalmente obtidas, e também quando, apósa lenta construção do “fato consumado”, se deu sua rápida validação. Também quando, quase como deboche, a grande imprensa noticiava a receptividade do povo brasileiro à bela e mistificadora campanha de marketing desenvolvida em rede nacional pela Monsanto, onde se associava o desejo natural de um futuro melhor à aceitação de produtos transgênicos aliás a campanha foi retirada do ar porque se comprovou mentirosa, apoiada em afirmativas inconsistentes e falaciosas. Em todos aqueles momentos, foi fortalecido o processo de indução dos agricultores gaúchos à incorporação de valores equivocados. Vale lembrar também o desprezo com que vem sendo tratada a legislação que obriga a rotulagem dos produtos e a informação aos consumidores.Infelizmente, os pequenos e médios produtores gaúchos foram ludibriados pela expectativa de ganhos fáceis, e arrastaram consigo boa parte das possibilidades da agricultura nacional, na disputa com concorrentes.

Possivelmente estes agricultores colherão em torno de 40-50% do rendimento obtido na safra passada, pois a estiagem afetou radicalmente aquelas lavouras desenvolvidas com sementes inadaptadas. As escassas lavouras desenvolvidas com sementes ajustados a nosso meio devem apresentar, segundo dados preliminares que nos foram adiantados pelo professor Ruedel, da Fundacep (Fundação Centro de Experimentação e Pesquisa) perdas pelo menos 20% a 30% inferiores as que ocorrerão com os plantios geneticamente modificados. Evidentemente, ainda não estamos diante dos números definitivos, cabendo esperar os dados e estimativas de abril. De toda forma, algumas características desta safra são evidentes desde agora.

Pergunta - Como será esta safra de soja?

Resposta - A expansão do cultivo da soja, para regiões marginais, onde o plantio não é recomendado mesmo com sementes adaptadas, certamente sugere enormes possibilidades de perdas. Temos informações de que, com as chuvas irregulares, existem algumas áreas onde a quebra de safra já supera 50%-60%, e os dados ainda não são finais. Para um Estado onde as manchetes deste ano previam rendimentos de até 70 sacos por hectare, nos aproximamos da triste realidade onde a média deverá ficar abaixo dos 25, sendo que não poucos agricultores colherão em torno de 15-20 sacos/hectare, e em alguns casos, a perda será quase total. E isso não é tudo, os grãos de soja, nas áreas colhidas, tenderão a ser menores, mais leves, de menor qualidade.

Felizmente a ferrugem asiática não chegou ao RS. Aqui foram identificados um ou dois focos rapidamente controlados, enquanto no Mato Grosso e no sul da Bahia, segundo a EMBRAPA, o prejuízo causado por esta doença é tamanho que, em termos nacionais, deverá superar o valor de um bilhão de dólares. Felizmente a economia da agropecuária gaúcha é diversificada, e este ano teremos as melhores safras de arroz e de uvas viníferas, das últimas décadas. Felizmente, também, as quebras nas safras de soja Americana e Argentina, e mesmo a redução na oferta nacional determinarão elevação nos preços internacionais do produto. A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) estimou, em notícias publicadas na primeira semana de março, que com tudo isto a receita cambial do complexo soja, este ano, será cerca de 30% maior do que a verificada na “super-safra” do ano que passou e os impactos positivos da alta de preços pouco se refletirão sobre os pequenos produtores, em função da pequena escala com que trabalham.

A primeira, do deputado Nelson Marquezelli (PTB-RS), propõe que os agricultores não sejam responsabilizados pelos eventuais prejuízos ambientais e a terceiros, decorrentes do uso das semente contrabandeadas de soja transgênica. Trata-se do projeto de lei 2817/03. A segunda, do Deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), demanda que os agricultores sejam ressarcidos pelas perdas decorrentes do uso daquelas sementes. Trata-se de matérias polêmicas, porque uma das condições para a legalização desta safra transgênica era que seus usuários se responsabilizassem pelo prejuízo eventualmente causado, ao ambiente e a terceiros. Quanto ao seguro, o PROAGRO (Programa de Garantia da Atividade Agrícola) estabelece algumas exigências óbvias. Uma delas é de que o plantio respeite medidas de cautela, como por exemplo, que não sejam utilizadas áreas inaptas, nem sementes de origem duvidosa.

Portanto a demanda de ressarcimento das perdas, nas condições desta safra transgênica, pode abrir precedentes perigosos, que terminarão por liquidar com o PROAGRO, conquista importante dos trabalhadores rurais. Sabíamos que as condições excepcionais da safra passada não se repetiriam, e que os agricultores que utilizassem sementes inadequadas se sujeitariam a perdas expressivas. A crise que recaiu sobre os pequenos produtores de soja poderia ter sido evitada e pode ser compensada em parte com medidas emergenciais, desde que estas não levem à ampliação do problema e ao acúmulo de novos erros, com impactos sobre o futuro. A descaracterização do PROAGRO e a desresponsabilização dos produtores pelo uso destas sementes parecem se incluir no grupo de decisões que tendem a ameaçar o futuro.

Pergunta - Que implicações são esperadas?

A excepcionalidade do clima no ano passado permitiu ótimos resultadospara a lavoura de soja. As sementes contrabandeadas, do grupo 6, ao substituírem sementes dos grupos 7 e 8, sujeitaram os agricultores aos riscos de trabalhar com safras de ciclo mais curto. Houve casos em que a televisão destacou os benefícios desse encurtamento de ciclo, mencionando a possibilidade de colheita de duas safras de soja, nas mesmas lavouras, no mesmo ano.

Infelizmente, a realidade é outra, e é amarga. O encurtamento do ciclo tornou de difícil recuperação o debilitamente provocado pelo estresse hídrico, as lavouras perderam em rentabilidade,os agricultores estão ameaçados de não conseguirem resgatar os investimentos e o Estado terá reduzida sua arrecadação de impostos e sua capacidade de investimentos, em relação ao que poderia obter se mantivesse uma política de estímulo às sementes adaptadas, produzidas para a realidade local. Muitos agricultores estão sujeitos a perderem suas terras, o Estado demonstra séria preocupação com suas finanças, funcionários públicos ameaçam ondas de greve em resposta aos atrasos nos salários, enfim, as implicações são muitas. Como já mencionado, se tivermos o azar de que um inverno frio, seguido por outro verão seco, o Rio Grande do Sul sofrerá durante muitos anos o revés da comemoração daquela vitória da “ciência sobre o obscurantismo”.

Pergunta - Algum comentário final?

Resposta - Cabe mencionar a grande questão: Qual a política e qual o objetivo do Governo Brasileiro com relação ao mercado internacional da soja? O jornalista Washington Novaes tem colocado esta questão de forma muito clara, e não vem obtendo respostas de parte do Governo. As opções são três:

  • 1 - O Brasil pretende se diferenciar no mercado internacional e aproveitar a vantagem de ser o único grande ofertante de soja natural? Então deve segregar a soja transgênica aos limites do estado do Rio Grande do Sul, e evitar o comprometimento das lavouras do Paraná e do Centro Oeste. Infelizmente o Rio Grande do Sul perdeu sua oportunidade histórica, mas nem por isto o Brasil deve seguir o mesmo rumo, e afundar junto. Se no Rio Grande do Sul conseguirmos reverter o processo, ou, se no Rio Grande do Sul os promotores desta realidade conseguirem demonstrar que o que ocorre em todo o planeta não se repetirá por aqui, o Brasil terá oportunidade de revisar sua decisão, sem prejuízos.
     
  • 2 O Brasil pretende trabalhar com os dois tipos de produto, permitindo que cada agricultor tome sua decisão individual?  Neste caso, o Governo deve viabilizar processos que permitam o mapeamento, a segregação e o acompanhamento dos dois tipos de lavoura, assegurando capacidade de rotulagem, transporte e escoamento diferenciados. Se esta é a opção do Governo, ele deve assegurar os instrumentos e a capacidade de implementá-la. Infelizmente parece temerário acreditar na seriedade de uma proposta deste tipo, dadas as evidências de descaso do MAPA para com este tema. Se o governo não consegue assegurar disponibilidade de sementes, se não consegue mapear as lavouras, com que recursos estabeleceria os processos correspondentes a tão sofisticada logística? Além disso, a vontade política demonstrada no sentido de impedir o Paraná de avançar nestadireção revela que esta não é a estratégia pretendida pelo ministro Roberto Rodrigues.
     
  • 3 O Brasil pretende concorrer de igual para igual com seus oponentes no mercado internacional? Prefere não decidir e assim facilitar a expansão das lavouras transgênicas em todo o Brasil? Neste caso, iremos competir de “igual para igual” com a Argentina, que tem os solos mais férteis do continente (embora estudos demonstrem que o uso continuado do glifosato, naqueles campos, está reduzindo drasticamente sua fertilidade), e com os Estados Unidos, cuja política é agrícola é a que aplica maiores volumes de subsídio, em todo o planeta, e onde existem instrumentos públicos voltados a segregação de lavouras transgênicas e não transgênicas. É bom lembrar, enquanto a safra Argentina e a gaúcha são interpretadas como 100% geneticamente modificadas, porque não existe identificação, rotulagem separação das variedades, a safra americana é 30% “natural”. Lá existem diversos ambientes, como por exemplo condados da Califórnia, onde o plantio de qualquer espécie de cultura geneticamente modificada está proibido por lei. Os políticos locais alegam que os produtos da região não podem correr o risco de perder vantagens comparativas no mercado internacional,caso o ambiente venha a ser contaminado. Nossos homens públicos deveriam refletir a respeito destas informações, que estão disponíveis a todos os interessados. Se esta é a posição do governo, devemos nos preparar para redução na produtividade das lavouras, incremento no uso de agrotóxicos, incremento do êxodo rural, surgimento de inços resistentes e crescente influência de algumas poucas transnacionais, sobre as políticas públicas desenvolvidas em nosso país.

Enfim, entre estas alternativas, em pelo menos duas só temos a perder. Por que a alternativa onde o Brasil ganha não está sendo considerada? A quem isto interessa?

Para comparar os dados, o pesquisador a seguinte matéria, publicada no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, 19 de abril de 2004:

Setor amplia discussões de OGMs

Especialistas afirmam que lavouras de soja transgênica são mais suscetíveis as ações da estiagem
Weber calcula quebra de 50% com OGM

Luciana Bueno

Quem plantou soja transgênica nesta safra foi mais castigado com a estiagem que assola o Estado. Cientistas na área de biotecnologia apontam a falta de uma variedade desenvolvida especialmente para o clima do Brasil como uma causa para as perdas nesta safra de dias secos. De acordo com o diretor técnico da Fundacep, José Ruedell - que comparou as safras de 2001/2002 e 2002/2003 com variedades da Argentina (transgênicas) e com variedades do Brasil (convencionais) em áreas limpas de invasoras, plantadas na mesma época e em condições iguais - as sementes vizinhasf oram adaptadas a clima e solo diferentes e preparadas para latitude maior. 'No RS ficaram com o ciclo apurado', declarou.

O assistente técnico regional de culturas da Emater, Cláudio Dóro, acrescenta que o ciclo, precoce na Argentina, aqui virou superprecoce. 'E o déficit hídrico acumulado de janeiro pra cá passa de 75 dias', informou. O produtor de Não-Me-Toque, Arlindo Weber, que planta soja há 30 anos e que 'desde 1973 não via seca assim', admite quebra de quase 50%na lavoura com organimos geneticamente modificados (OGMs). 'Imaginava 50 sacos por hectare e consegui 28', destaca. No ano passado obteve 60 sacos/ha. Da lavoura convencional que ainda está colhendo observa: 'Não tem 50% de quebra. Acho que agüenta mais a seca'.

O agrônomo Leonardo Melgarejo fundamentado em estudos de pesquisadores dos Estados Unidos e Argentina, confirma que a seca afeta de forma mais dramática as variedades de ciclo mais curto: 'Estudos dos pesquisadores Charles Benbrook e Walter Pengue mostram que os transgênicos são mais suscetíveis a deficiência d'água. Na transgenia a produção é 6% menor do que a não transgênica'. O produtor de Tupanciretã, Alcides Alves, que há 15 anos semeia o grão, destinou 90% de sua área para os OGMs. 'Ostransgênicos são mais eficientes por não terem inços competindo. Naconvencional a água também é absorvida pelas invasoras', defende ele. Para Ruedell, as variedades precoces sofrem mais do que médias ou tardias porque 'trabalham mais para formar o grão.' Mas, comprovou que 'as argentinas produziram mais em áreas sujas com invasoras do que as brasileiras'. Em nota oficial, divulgada pela multinacional Monsanto, a empresa esclarece que 'a biotecnologia minimiza impactos da estiagem e impulsiona o plantio direto, prática que preserva solo e economiza recursos hídricos'.

Jornalista Adriane Bertoglio Rodrigues - adriane@ecoagencia.com.br - Especial para a EcoAgência de Notícias.


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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