As últimas notícias da EcoAgência
[ Conteúdo total | Pesquisar | Avançar | Voltar | Página Inicial ]


ENERGIA - A CONFERÊNCIA DE BONN

Fórum Brasileiro de ONGs acusa retrocesso nas posições brasileiras na Conferência sobre Energias Renováveis

5 junho 2004

Bonn, Alemanha,  Dia Mundial do Meio Ambiente - A participação do Brasil na Conferência Renewables 2004, que terminou ontem em Bonn, na Alemanha, bloqueou avanços nas negociações internacionais para a promoção de uma matriz energética global sustentável, com maior participação das novas fontes renováveis de energia, surpreendendo aos países e instituições presentes pela flagrante contradição com as posições e compromissos que o país vinha assumindo nos últimos anos.

Como resultado do posicionamento intransigente da delegação brasileira liderada pela Ministra Dilma Rousseff, a conferência aprovou, sem estabelecer compromissos e metas claras para a sustentabilidade energética, uma declaração morna que inclui as grandes hidrelétricas como energia renovável, ignorando os seus enormes impactos sociais e ambientais. O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) manifestou "grande frustração" com o papel do Brasil na Conferência, ressaltando o estreito alinhamento da Ministra com a indústria internacional de construtoras de barragens e a sua falta de vontade de dialogar com as organizações não-governamentais e movimentos sociais sobre alternativas à destruição causada pelas grandes hidrelétricas no Brasil.

As ONGs e as delegações oficiais de outros países esperavam papel muito mais construtivo do governo brasileiro em Bonn, uma vez que o Brasil foi o autor da então arrojada proposta de aumento de participação das novas fontes de energias renováveis – energia solar, eólica, biomassa sustentável, das marés, geotérmica e pequenas centrais hidrelétricas - na matriz energética mundial até 2010, apresentada na Rio + 10 em Joanesburgo no ano de 2002, pelo então porta-voz do Brasil para a questão, José Goldemberg.

O fracasso das negociações de Joanesburgo na área de energia foi o que levou países como a Alemanha e o Brasil a liderarem um processo internacional que desse passos adiante na promoção de uma política energética global sustentável, e assim mais de 100 países aderiram ao processo da Conferência sobre energia renovável em Bonn. Como resultado, 154 países aprovaram ontem uma Declaração Política em que reconhecem que as energias renováveis, combinadas à promoção da eficiência energética, como fundamentais ao desenvolvimento sustentável.

O Grupo de Trabalho sobre Energia - GT Energia -  do FBOMS co-publicou a declaração "12 razões para excluir as grandes barragens das iniciativas para Energias renováveis", assinada por 260 organizações de mais de 60 países, distribuída na Conferência (e traduzida abaixo). Representantes das organizações do FBOMS presentes em Bonn foram fundamentais na tentativa de diálogo entre as entidades da sociedade civil da América Latina e o governo Brasileiro, e foram testemunhas da surpreendentemente retrógrada posição do Brasil, que em muitos momentos, e infelizmente, assumiu o papel de porta voz da região nas negociações em Bonn.

O Brasil, em Bonn, afirma os representantes do GT Energia, trabalhou para que não fosse aprovado um plano de implementação com compromissos e metas a serem cumpridos pelos países presentes que fosse além da Declaração Políica. Sobre o texto da mesma, a Ministra defendeu a inclusão da hidreletricidade gerada de forma centralizada, não admitindo nas negociações qualquer restrição ou qualificação ambiental ou social a estes empreendimentos, retrocedendo ao autoritarismo da ditadura militar, quando o Brasil e as instituições financeiras internacionais priorizavam a construção de mega centrais hidrelétricas sem debate público.

E foi além quando apoiou Uganda para que nem sequer as recomendações da independente Comissão Mundial de Barragens - que considera uma avaliação de outras opções para água e energia e a discussão com a sociedade fundamental para garantir a sustentabilidade de hidrelétricas -, fossem adotadas como critério. Mais surreal foi a participação da Ministra em uma mesa redonda sobre Financiamento, afirmam as ONGs, onde defendeu os financiamentos públicos para as grandes hidrelétricas, enquanto o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e oficiais do Banco Mundial e do Banco Europeu de Reconstrução de Desenvolvimento, a advertiram sobre seus impactos e recomendaram que ela "conversasse com as ONGs". "Quem diria, os bancos multilaterias à esquerda do Governo Lula", foi o comentário.

No Brasil as grandes barragens já deslocaram mais de 1 milhão de pessoas, inundaram 34 mil km² de terras agricultáveis e florestas. Mais preocupante é o fato de que 64% do potencial hidrelétrico restante no Brasil encontra-se na Amazônia, e que o país está priorizando o represamento dos grandes rios da região, como o Araguaia, Xingu, Tapajós, e Madeira.

Antes de planejar medidas de eficiência e racionalização do uso de energia em todos os níveis, de redução das perdas de transmissão, de repotencialização das hidrelétricas velhas e de maior participação nas novas renováveis, o Governo Lula vê como prioritários os megaprojetos de hidreletricidade que devem implicar enormes impactos na diversidade biológica e nas populações ribeirinhas e indígenas. Somado a isso, não descarta a intenção de construir mais uma usina nuclear (Angra III) e de expandir a geração a carvão mineral no sul do Brasil, negligenciando as expectativa da sociedade sobre seu comprometimento com as causas socioambientais e com o debate democrático sobre as questões de desenvolvimento sustentável, onde o acesso à energia, produzida de forma descentralizada, ecológica e socialmente apropriada, utilizada e distribuída de forma racional e gerenciada com controle social, é uma questão chave.


Renováveis Sim! Grandes Barragens Não!

Doze Razões para Excluir as Grandes Barragens das Iniciativas para Energias Renováveis

Este resumo do documento "Doze Razões para Excluir as Grandes Barragens das Iniciativas para Energias Renováveis" foi preparado para distribuição na Conferência Internacional sobre Energias Renováveis em Bonn, em Junho de 2004. Este documento foi endossado por mais de 260 grupos e redes de organizações de todo o mundo.

Os recursos para reduzir os impactos das mudanças climáticas e outros impactos ambientais decorrentes da produção e do consumo de energia, para que se avance na promoção do desenvolvimento sustentável e para aumentar a segurança energética, devem ser utilizados na promoção das "Novas Energias Renováveis". As mais importantes "Novas Renováveis" são a biomassa moderna (sustentável), energia geotérmica, eólica, solar, marinha e as pequenas centrais hidrelétricas – PCHS (<10MW) adequadas às recomendações da Comissão Mundial de Barragens (CMB).

Abaixo estão 12 razões do porquê os projetos hidrelétricos devem ser excluídos dos esforços globais para a promoção das energias renováveis:

1. Grandes barragens não apresentam os benefícios de redução de pobreza das energias renováveis descentralizadas

  • As grandes barragens são capital-intensivas e dependentes de grandes centros de demanda e de longas linhas de transmissão. Em contraste, as "novas renováveis" podem ser construídas em pequenas unidades de capacidade, geograficamente dispersas, minimizando custos de transmissão e as perdas de energia e ampliando o alcance dos benefícios do desenvolvimento econômico. Prover serviços de energia modernos a um quarto da população mundial atualmente sem acesso a estes requer um enorme esforço de expansão das renováveis descentralizadas. A promoção de grandes represas irá apenas distrair os fundos e a atenção deste esforço.

2. Incluir grandes represas nas iniciativas renováveis irá saturar os fundos para novas renováveis

  • As grandes centrais hidrelétricas estão entre os projetos de infra-estrutura mais caros do Planeta. Incluir subsídios para estes nas negociações sobre renováveis irá consumir o a maior parte dos fundos especiais, deixando muito pouco para a promoção das "novas renováveis".

3. Os promotores das grandes represas subestimam os custos e exageram os benefícios

  • Os promotores das barragens têm regularmente subestimado os custos econômicos dos grandes projetos hidrelétricos, bem como o número de pessoas que requerem reassentamento ou compensação por perda de terras, casas e fontes de sobrevivência. Enquanto os custos ficam na média bem mais altos dos previstos, das grandes centrais hidrelétricas geralmente geram menos energia do que o prometido.

4. Grandes barragens aumentarão a vulnerabilidade às mudanças climáticas

  • Os promotores das grandes barragens não levam em consideração os impactos hidrológicos das mudanças climáticas. Isto significa que as barragens estão sendo construídas com base em projetos que não suportam os novos extremos de secas ou inundações previstos como causa do aquecimento global. Isto traz sérias implicações para a performance das barragens – particularmente as secas reduzirão notavelmente a geração hidrelétrica – e a segurança.

5. Não existe benefício de transferência de tecnologia das brandes barragens

  • Fundos globais para renováveis e mecanismos de comércio de carbono supostamente devem facilitar a transferência de novas tecnologias dos países do Norte para os do Sul e fornecer o suporte necessário para aumentar a produção e baixas os custos unitários destas tecnologias. Estes argumentos não se aplicam às grandes barragens, as quais já constituem uma tecnologia madura e bem estabelecida nos países do Sul.

6. Grandes barragens implicam em grandes impactos sociais e ecológicos

  • De acordo com a Comissão Mundial de Barragens (CMB), as grandes barragens são responsáveis pelo desalojamento de 40 a 80 milhões de pessoas, com muitos dos deslocados recebendo nenhuma ou inadequada compensação. Milhões de pessoas têm também perdi suas terras e modos de vida e têm sofrido por causa dos efeitos à jusante e de outros impactos indiretos das grandes barragens. As grandes barragens são um importante fator no rápido declínio da biodiversidade fluvial no mundo todo.

7. Os esforço para mitigar os impactos das grandes barragens tipicamente falham

  • Muitos impactos das grandes barragens não são reconhecidos ou são subestimados, e as medidas para prevenir ou reduzir seus impactos freqüentemente falham. Mesmo quando as pessoas são reconhecidas como elegíveis para reassentamento, raramente têm seus modos de vida restaurados. Existe um recorde similar assombroso de esforços falidos para mitigar os impactos ambientais das grandes barragens.

8. Os promotores das grandes barragens se opõe às medidas que previnam a construção de projetos destrutivos

  • A CMB desenvolveu critérios para o planejamento energético e do uso da água que podem encorajando melhores alternativas e reduzindo os impactos de projetos existentes. Mas já que seguir estes critérios significaria construir menos barragens, os proponentes das hidrelétricas, como banco Mundial e as Associação Internacional de Hidroenergia, têm atacado a credibilidade da CMB e feito lobby para prevenir a aplicação de suas recomendações.

9. Grandes reservatórios podem emitir grande quantidade de gases de efeito estufa

  • A decomposição da matéria orgânica nos reservatórios das hidrelétricas causa a emissão de metano e gás carbônico. Mesmo que ainda exista muita controvérsia científica sobre a medição das emissões das barragens e comparação destas com as emissões das plantas a combustíveis fósseis, parece que os projetos de hidrelétricas com grandes reservatórios nos trópicos podem ter maior impacto climático por unidade de energia gerada que a geração com base em combustíveis fósseis.

10. As grandes barragens são construídas lentamente e a empurrões, são inflexíveis e cada vez se tornam mais caras

  • Por causa das suas grandes dimensões e requerimentos específicos de localização, os projetos de grandes barragens levam mais tempo para serem construídos e são mais caros que outros tipos de plantas de geração de energia. Enquanto as grandes centrais hidrelétricas levam em média seis anos para serem , turbinas eólicas e painéis solares podem começar a prover os benefícios e a pagar os empréstimos dentro de meses da entrada em construção. O Banco Mundial descobriu que o custo da capacidade hidrelétrica está continuamente aumentando porque os melhores locais em termos de potencial hidrelétrico já foram explorados.
     
  • Grandes centrais hidrelétricas adicionam grande capacidade às redes de transmissão de forma descontínua, enquanto a demanda geralmente cresce de forma gradual. Adições de capacidade desta forma desparelha podem significar racionamentos de energia antes que a nova capacidade esteja disponível, e então uma custosa sobre capacidade uma vez que a nova planta esteja pronta..

11. Muitos países já são demasiadamente dependentes da hidreletricidade

  • Grandes barragens contribuem com mais da metade do total do suprimento de energia em 63 países, quase todos no Sul global e na ex-União Soviética . Muitos destes países dependentes da hidreletricidade experimentam "apagões" induzidos por secas e racionamento de energia, um problema que se espera seja exacerbado pelas mudanças climáticas. Mesmo assim, é nestes países onde a maior parte dos novos projetos de barragens está planejada.

12. Os reservatórios das grandes barragens são freqüentemente declarados não-renováveis por sedimentação

  • Os reservatórios das hidrelétricas são reduzidos com o tempo por sedimentação, um sério problema que eventualmente impede ou acaba com a habilidade de uma planta hidrelétrica em produzir eletricidade. A grande maioria da cargas anuais de sedimentos são carregadas durante os períodos de cheia. A maior intensidade e freqüência de inundações devido ao aquecimento global devem aumentar as taxas de sedimentação e então reduzir o tempo de vida útil dos reservatórios.

"Doze Razões para excluir as Grandes Barragens das Iniciativas para Energias Renováveis " foi co-publicado por International Rivers Network (IRN) e as seguintes organizações: Campanha pela Reforma do Banco Mundial (Itália), CDM Watch, CEE Bankwatch Network, GT Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Friends of the Earth International, Intermediate Technology Development Group (ITDG), Network for Advocacy on Water Issues in Southern Africa (NAWISA), Oxfam America, Coalizão Rios Vivos, Rivers Watch East and Southeast Asia (RWESA) e South Asia Network on Dams, Rivers and People (SANDRP). O documento completo pode ser obtido, nas versões em Inglês

 

Maiores informações:

Texto distribuído à Imprensa pelo Núcleo Amigos da Terra Brasil, com edição da EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br 


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
O texto divulgado pela EcoAgência de forma EXCLUSIVA poderá ser aproveitado livremente em outros saites e veículos informativos, condicionada esta divulgação à inclusão da seguinte informação no corpo do material: Nome do Jornalista - e-mail © EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br.

As fotografias deverão ser negociadas com seus autores.