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BIODIVERSIDADE

Código Florestal não valerá para as áreas urbanas e entidades ambientalistas pedem veto do projeto já aprovado ao Presidente da República

Municípios poderão com um simples Decreto eliminar áreas de preservação permanente existentes nas áreas urbanas por exigência do Código Florestal

22 julho 2004

Brasília, DF - O Congresso Nacional aprovou em tempo recorde, com apenas um dia de votação, projeto de lei que trata de incorporação e credito imobiliário e com isso revogou dispositivo do Código Florestal que dispõe sobre áreas de preservação permanente em zonas urbanas e de expansão urbana.

O artigo 64 do PL 2109/99 (Câmara dos Deputasdos) e 47 de 2004 (no Senado Federal) diz: "Na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei 4771, de 15 de setembro de 1965 [Código Florestal]", o que significa que locais como restingas, encostas, brejos e falésias, lagunas, manguezais e margens de rios, relevantes para a integridade de processos ecológicos e para a manutenção do bem estar humano, poderão deixar de ser considerados Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Caso essa medida, que está na mesa do Presidente Lula desde 13/7, seja sancionada, a maior parte do pouco que resta da Mata Atlântica, da Zona Costeira, dos mananciais e dos recursos hídricos estarão gravemente comprometidos, pondo em riso a qualidade de vida de mais de 2/3 da população brasileira. Uma vez que, através de um simples decreto municipal, prefeitos poderão declarar áreas de matas ciliares, mata atlântica, restinga, mangues, entre outras, como de expansão urbana e com isso excluí-las das áreas de preservação permanente, condenando ao fim o pouco que resta.

Com o objetivo de impedir a sanção dessa lei que representa o maior retrocesso da historia para a gestão ambiental urbana do país, diversas entidades ambientalistas brasileiras estão convocando a sociedade para que recorra ao Presidente da Republica e peça o veto a esse projeto que fere o parágrafo 4º do artigo 225 da Constituição brasileira. O dispositivo constitucional estabelece que a Mata Atlântica, dentre outros biomas, são considerados patrimônios nacional e sua utilização far-se-á na forma da Lei dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente.

"As inúmeras criticas e retaliações que tentam transformar o processo de licenciamento ambiental vigente no Brasil “no bode expiatório da vez”, fazem com que iniciativas isoladas como essa, de parlamentares movidos por interesses setoriais, principalmente do mercado imobiliário e que acontecem em anos eleitorais, resultem em aprovações de Leis altamente prejudiciais à sociedade e ao meio ambiente e reforcem a imagem externa de um país na contramão da história", afirma Mario Mantovani, diretor de relações institucionais da Fundação SOS Mata Atlântica.

Esse contexto de contra-informação que visa colocar a gestão ambiental como entrave ao desenvolvimento, favorece iniciativas de políticos descompromissados com o interesse coletivo, de forma que um projeto de lei, voltado a questões do mercado imobiliário avance em um tema de maior complexidade e interesse nacional como o Código Florestal e seja votado e aprovado em tempo recorde, sem que a sociedade, o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a comissão temática da Câmara Federal tenham promovido analises, discussões democráticas e pudessem tomar posicionamentos, coloca Mantovani.

Uma aprovação tão ágil como a que ocorreu com esse projeto, o PL 47 de 2004, que dispõe sobre "o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário e dá outras providências”, aprovado no dia 07 de julho na Câmara Federal e no dia 08/07 no Senado, difere drasticamente do processo legislativo brasileiro, considera.

Como comparação, a SOS Mata Atlântica destaca que o projeto de lei que trata da proteção da Mata Atlântica, foi exaustivamente discutido com a sociedade e em comissões temáticas da Câmara Federal e que levou mais de doze anos para ser aprovado, sem que ainda tenha sido votado no Senado.

Fatos como esse, diz Mantovani, revelam que o processo legislativo é refém de acordos políticos momentâneos e de lobistas que se aproveitam de notícias e criticas plantadas contra o setor de meio ambiente, como se esse fosse o vilão do desenvolvimento e evidenciam a fragilidade do Sistema de Meio Ambiente e da própria sociedade com relação ao acompanhamento de questões extremamente importantes.

O avanço da fronteira urbana é retirado do controle dos órgãos estaduais de meio ambiente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A extensão dessa regra para as áreas de expansão urbana sem condicioná-la a instrumentos de planejamento, como um Plano Diretor ou um Zoneamento Ambiental, privilegia o crescimento desordenado que prevalece no país, com impactos graves especialmente para a Mata Atlântica e Zona Costeira. Atualmente, o Código Florestal, ao lado do Estatuto das Cidades, é o principal instrumento de suporte ao processo de ocupação urbana.

Além disso, ao permitir que municípios incorporem APPs, hoje sem valor econômico devido suas especificidades ambientais, como áreas urbanas ou de expansão, o PL deverá encarecer as indenizações previstas em desapropriações de áreas destinadas a Unidades de Conservação (UCs), com impactos incalculáveis para os cofres públicos estaduais e do Ibama. Exemplo disso são as indenizações milionárias já cobradas do Estado de São Paulo pelas Unidades de Conservação do litoral, considerado pelas legislações municipais como área urbana ou de expansão urbana.

Para piorar o quadro, o controle público e social da gestão ambiental dos municípios ainda é bastante frágil no país. Segundo a Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente (ANAMA), somente 10% dos municípios possuem órgão ambiental com alguma estrutura para proceder o controle, a fiscalização e o licenciamento ambiental. Além disso, a Pesquisa de Informações Básicas Municipais realizada em 2001 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que apenas 22,2% dos 5.560 municípios brasileiros contam com Conselhos Municipais de Meio Ambiente.

Participam da campanha o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, entidades da Rede de ONGs da Mata Atlântica, o Instituto Sócioambiental, dentre outras entidades.

A seguir a carta que será enviada ao Presidente da República:

Brasilia, 21 de julho de 2004.

Ao Excelentissimo Senhor Presidente da Republica do Brasil Luis Ignacio Lula da Silva

Referente ao Projeto de Lei 2109/99 (Camara) - 47 de 2004 (no Senado)

Tomamos conhecimento da aprovação pelo Senado, em 08 de julho passado, do projeto de lei em referência. Servimo-nos desta para informá-lo sobre a gravidade da lesão ao interesse público que o seu artigo 64 representa e em virtude disso solicitar a Vossa Excelencia o veto ao dispositivo. Diz o dispositivo em referência:

"Na produção imobiliária, seja por incorporação ou parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, nao se aplicam os dispositivos da Lei n? 4.771, de 15 de setembro de 1965."

É sabido que um dos principais instrumentos legais que fundamentam o controle e a gestão pública de áreas de risco como morros, margens de rios, nascentes, lagoas, e espaços territoriais de especial interesse socioambiental tais como manguezais, restingas, dunas é o Código Florestal brasileiro. É de amplo conhecimento também que muitas prefeituras no desejo de ampliar a arrecadação de IPTU tendem a ampliar suas áreas de expansão urbana sobre os remanescentes florestais brasileiros já bastante depauperados notoriamente na região mais urbanizada do Pais, as regiões metropolitanas da costa leste, onde habitam mais de 120 milhões de brasileiros.

A revogação incondicionada do Código Florestal para as áreas de expansão urbana estimulará essa tendência de ocupação de áreas de interesse socioambiental com graves reflexos para toda sociedade e o meio ambiente nacional. Essa situãção se agrava por vários fatores:

1. Ao excluir a aplicação do Código Florestal em áreas de expansão urbana sem qualquer condicionante como, por exemplo, a exigência de Plano Diretor ou de Zoneamento Ambiental, a Lei federal entrega todos os poderes para os municípios decidirem sobre os destinos de áreas que abrigam vegetação de interesse para a conservação do solo e das águas, bens cujas características próprias e a relevância demandam gestão integrada e transcendente ao interesse meramente local. O IBAMA e os órgãos estaduais não poderão agir no controle e fiscalização dessa áreas, ja que a lei que fundamenta o controle por esses órgãos (o Código Florestal) não mais vigorará nas áreas de expansão urbana.

3. Ao excluir a aplicação do Código Florestal em áreas de expansão urbana a Lei permite que os poderes locais burlem a obrigatoriedade de manutenção da chamada reserva legal das propriedades rurais. Ao declarar uma área como de expansão urbana mediante um simples decreto do Executivo, sem a exigência mínima de Plano Diretor ou Zoneamento Ambiental, tais espaços hoje considerados de interesse nacional poderão ser desmatados imediatamente o que agravara substancialmente as taxas de desmatamentos em todos os Biomas Brasileiros.

4. Ao excluir a aplicação do Código Florestal nas áreas de expansão urbana, pela redaçãoo aprovada, a Lei permitira que outras atividades associadas à "produção imobiliária" possam acontecer nas áreas de preservação permanente como, por exemplo, a mineração em margens de rios, nascentes, e terrenos com alta declividade, topos de morros hoje protegidos pelo Código Florestal, comprometendo substancialmente a produção e conservação de água no pais, ja bastante prejudicada principalmente nas regiões metropolitanas do Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil podendo inclusive agravar problemas de cheias nas áreas urbanas, alem da poluição dos corpos hidricos.

5. A ausência da ação dos Órgaos Estaduais e Federal de meio ambiente no controle e gestão da ocupação dos espaços territoriais protegidos pelo Código Florestal em áreas de expansão urbana é grave pois de acordo com o IBGE apenas 17,6% dos Municípios brasileiros possuem Plano Diretor, 29% possuem Conselho Municipais de Meio Ambiente (dos quais menos da metade funciona efetivamente) e menos de 10% possuem infra-estrutura suficiente e pessoal habilitado a proceder a fiscalização e o controle da expansão urbana desordenada.

6. A criação de espaços territoriais especialmente protegidos sob a forma de Unidades de Conservacao (Lei Federal 9.985/00) fica praticamente inviabilizada pois as áreas hoje protegidas pelo Código Florestal serão objeto de especulação imobiliária dada a possibilidade legal de ocupação o que elevará seus preços e inviabilizará a aquisição pelo poder público de áreas para proteção ambiental e lazer, fundamentais principalmente nas regiões metropolitanas.

7. Praticamente todo litoral brasileiro é hoje considerado pelas legislações municipais como área urbana ou de expansão urbana de sorte que deixarão de ser consideradas áreas de preservação permanente dunas, ilhas, costões rochosos, estuários, brejos e falésias, praias, restingas, lagunas e manguezais, alem de nascentes, margens de rios e montanhas em todo país, com a conseqüente liberação para ocupação de tais espaços.

Vale dizer que o Codigo Florestal em seu Artigo 1º diz serem de interesse comum de todos os cidadãos deste país as florestas e demais formas de vegetação nativa de interesse. A nossa Constituição Federal em seu artigo 225 diz que cabe ao poder publico a incumbência de proteger e restaurar os processos ecológicos essenciais e que a Mata Atlantica, a Serra do Mar, a Zona Costeira e a Floresta Amazônica, os principais biomas a serem impactados pelo dispositivo questionado, sao considerados Patrimônio Nacional cuja utilização deve ser feita em condições que assegurem a preservação do meio ambiente (parágrafo 4º ). Com a entrada em vigor desse dispositivo ora questionado os espacos territoriais hoje protegidos pelo Código Florestal passarão a ser geridos principalmente pelos órgãos municipais, a despeito do interesse nacional e de afetarem áreas consideradas Patrimônio Nacional.

Diante de tudo o que foi exposto, considerando ainda que este dispositivo constitui um corpo estranho ao objetivo do Projeto de Lei e que foi incluído por emenda em Plenário na Câmara dos Deputados sem um debate mais amplo e consistente com toda sociedade nacional e seus representantes, tendo sido aprovado em uma única sessão no Plenario do Senado no dia seguinte ao da votação na Câmara dos Deputados servimo-nos desta para solicitar a Vossa Excelência o VETO ao dispositivo em referência pelos seus notórios impactos prejudiciais aos interesses públicos e dos cidadãos brasileiros.

Certos de podermos contar com Vossa Excelência para desfazer essa manobra flagrantemente prejudicial ao direito dos brasileiros a um meio ambiente são e equilibrado reiteramos nossa consideração de estima e apreço.

Mais informações:

Redação final da EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br com materiais do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Rede das Águas, Instituto Sócio-Ambiental e Fundação SOS Mata Atlântica


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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