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POLÍTICAS PÚBLICAS

Meio Ambiente: atropelado pela Economia no Governo Lula

23 agosto 2004

Rio de Janeiro, RJ - O Ministério do Meio Ambiente do Brasil possui políticas e projetos interessantes, além de uma titular respeitada. Entretanto, é freqüentemente atropelado por emergências econômicas, frustrando as expectativas dos ecologistas. O Ministério não conseguiu estender os critérios ambientais a todo o governo (a chamada transversalidade), afirma o deputado Fernando Gabeira, que abandonou o Partido dos Trabalhadores em outubro, decepcionado com decisões governamentais em detrimento do meio ambiente e dos direitos humanos.

Um decreto autorizando a plantação e venda da soja transgênica, cultivada com sementes contrabandeadas da Argentina, foi a principal discordância de Gabeira com o governo. A medida legalizou um fato consumado, a semeadura ilegal que acontece no sul do Brasil desde 1997. Além disso, Brasília autorizou a importação de pneus usados do Paraguai e Uruguai, sob o pretexto de respeitar o livre comércio dentro do Mercosul, e não cumpriu a promessa de homologar a demarcação de um território indígena no norte do país, enumerou Gabeira.

O Ministério do Meio Ambiente "começou bem, com bons programas", mas a recessão econômica do ano passado o converteu em "bode expiatório", alvo de acusações de ser um obstáculo ao crescimento por retardar a concessão de licenças ambientais para grandes projetos produtivos, comentou o deputado. Porém, para Gabeira — conhecido ecologista desde início dos anos 80 — a principal falha desta administração é a falta de uma política nacional de saneamento básico, déficit que aumenta as doenças causadas por contaminação hídrica, as mortes e os custos com a saúde.

Nove milhões de crianças brasileiras vivem sem saneamento neste país de 178 milhões de habitantes, e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que já tem 19 meses, não desenhou uma política para esse setor esquecido na política ambiental, acusou o deputado. Tampouco há avanços no combate ao desmatamento na Amazônia e às queimadas. Contudo, existe um esforço para controlar esse processo de longa data, alimentado pelo modelo de desenvolvimento econômico em vigor, reconheceu.

Entre as iniciativas positivas, Gabeira destaca a forma como as autoridades conduzem a pavimentação da polêmica BR-163, na Amazônia oriental, pela primeira vez com ampla participação da sociedade e de ecologistas, para definir medidas que reduzam o impacto ambiental. Também é uma "boa idéia" o plano de concessão de áreas florestais públicas para exploração sustentável por comunidades e empresas privadas, acrescentou. Trata-se de um projeto polêmico, proposto pelo Ministério para conter a apropriação de terras públicas por particulares, um problema de prioridade do solo que está na raiz do desmatamento desenfreado.

Os fracassos ambientais do governo se devem ao modelo econômico adotado, de crescimento e ajuste fiscal "a qualquer preço", afirma Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direitos do não-governamental Instituto Socioambiental (ISA). Entretanto, a "ação no diálogo" e a busca constante de soluções negociadas, que caracterizam a ministra Marina Silva, ecologista de longa trajetória, a colocam em desvantagem nas disputas internas do governo, disse Adriana em entrevista à IPS. Na discussão sobre a soja transgênica, a ministra aceitou o fato consumado das semeaduras, mas negociou a formulação de uma solução definitiva para a questão, uma lei de biossegurança, que tramita no Senado.

O principal confronto atual dentro do governo é entre os ministérios do Meio Ambiente e o de Minas e Energia, cuja titular, Dilma Roussef, pressiona por licenças ambientais para dezenas de novas centrais hidrelétricas, argumentando que sem elas o Brasil pode sofrer um déficit energético a partir de 2007. O temor da repetição dos apagões de 2001, e o conseqüente racionamento de eletricidade, que durou oito meses naquele ano, conspira contra as exigências do Ministério do Meio Ambiente. Não se trata de criar obstáculos às hidrelétricas, mas de evitar danos ambientais e sociais com a execução de projetos de grande impacto e mal elaborados, que podem, inclusive, impedir um aproveitamento melhor das bacias hidrográficas, argumentou a ecologista.

Muitos desses projetos foram criados sem avaliação do potencial energético dos rios nem da área mais adequada, tanto do ponto de vista ecológico quanto energético, acrescentou Adriana Ramos. São projetos herdados de décadas anteriores que não conseguem atender aos novos critérios ambientais e geram conflitos. O novo modelo energético estabelece normas, como estudos da bacia hidrográfica e licenças ambientais prévias à apresentação de uma nova iniciativa. Porém, esta política não resolve as debilidades de planos anteriores.

As políticas discrepantes que, às vezes, coloca frente a frente o Ministério do Meio Ambiente e outras pastas, como a da Agricultura e a do Trabalho, por exemplo, tendem a continuar sacrificando o meio ambiente, por imposição dos interesses econômicos, explicou a coordenadora do ISA. Isto, entretanto, não significa ausência de políticas nem de uma postura correta da ministra Marina Silva. Isto é conseqüência de um governo de coalizão de muitos partidos, com interesses díspares, o que dificulta o cumprimento dos critérios ambientais em todos os setores, concluiu Adriana Ramos.

Por Mário Osava para a IPS - Inter Press Service - Distribuído no Brasil pela Envolverde. 
Título original: Meio Ambiente: Atropelado pela economia


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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