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POLÍTICAS PÚBLICAS

Um ano depois, as reivindicações das ONGs ao governo pedindo sustentabilidade, continuam as mesmas

A situação não se alterou depois de doze meses. Ao contrário. As grandes questões como a liberação dos transgênicos, a transposição do Rio São Francisco, a aprovação do PL da Mata Atlântica, a homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, só para citar algumas, continuam pendentes.

19 outubro 2004

 

São Paulo, SP - (Nota do ISA) - Em outubro do ano passado diversas organizações não-governamentais que atuam na área socioambiental enviaram carta ao Presidente Lula em que manifestavam seu inconformismo com decisões de governo que fragilizavam as políticas socioambientais e inviabilizavam a diretriz de transversalidade proposta pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Citavam como exemplo, entre outros, a liberação do plantio de transgênicos, por meio de Medida Provisória (MP) para a safra 2004 .

Passado um ano, a posição do governo em relação aos temas socioambientais não se alterou. Ao contrário, o governo acaba de editar nova MP liberando o plantio de transgênicos para a próxima safra. A justificativa está na dificuldade de aprovação do Projeto de Lei de Biossegurança em tramitação no Congresso. O Senado promoveu inúmeras alterações na versão aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano. Com isso, o substitutivo voltou à Câmara, cuja pauta está trancada e não havia previsão de que fosse votado a tempo de colocar os produtores de soja transgênica na legalidade, já que a data para iniciar o plantio era 15 de outubro.

O texto aprovado pelos senadores contradiz o projeto original do governo, retirando a competência da área ambiental para exigir estudos de impacto ambiental antes da liberação dos organismos geneticamente modificados. O mesmo vale para o Ministério da Saúde. A aprovação no Senado contou com o apoio de líderes do governo na Casa. Agora, o Presidente Lula argumenta que a prerrogativa de decidir é da Câmara dos Deputados.

Alguns setores do governo chegaram a defender que a nova MP trouxesse todo o conteúdo do projeto aprovado no Senado. O próprio Presidente Lula disse no rádio que o líder do governo, senador Aloísio Mercadante, sugeriu, antes mesmo da votação no Plenário do Senado, "que talvez fosse melhor o governo retirar o projeto aprovado nas várias comissões do Senado e transformá-lo numa medida provisória". O não cumprimento dessa ameaça foi interpretado pelo jornal O Estado de S. Paulo como resultado da pressão exercida pela ministra Marina Silva.

Em novembro de 2003, na abertura da 1ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, Lula buscou responder à manifestação de ambientalistas anunciando a votação do Projeto de Lei da Mata Atlântica na Câmara dos Deputados, que, no entanto, encontra-se até hoje pendente de votação no Senado Federal. Afirmou ainda que o governo estava trabalhando intensamente para "construir os acordos que levem à homologação de áreas ainda pendentes, como a Reserva Raposa/Serra do Sol". Em seu discurso, Lula enalteceu também os mecanismos de participação da sociedade. "Para nós, ouvir a sociedade é a regra", disse. E citou o processo de elaboração do Plano Plurianual 2004-2007 (PPA) como exemplo do empenho do governo em fortalecer a democracia participativa.

O dito e o feito

Em agosto deste ano, entretanto, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e a Inter-Redes, articulação de redes e fóruns da sociedade civil anunciaram, em carta, seu afastamento do processo de discussão do PPA devido ao não-cumprimento pelo governo da construção dos mecanismos que possibilitassem a participação e controle social no plano.

A situação da homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol também não se resolveu. O processo, que dependia apenas da assinatura do Presidente da República, virou alvo de decisões judiciais sobrepostas, acirrando cada vez mais o conflito. O governo não se posicionou e deixou que o Judiciário passasse a dar as cartas na definição do caso.

Além dos temas citados na carta enviada a Lula em outubro de 2003, outros temas de interesse socioambiental estiveram em evidência em 2004. É o caso do licenciamento ambiental das obras de infra-estrutura, bombardeado pelos empreendedores e pelo próprio governo como um empecilho ao desenvolvimento.

O caso da transposição do Rio São Francisco também é motivo de grande preocupação por parte dos movimentos sociais. No programa de governo elaborado para as eleições de 2002 o tema era tratado com o objetivo de "promover um amplo debate sobre a transposição do São Francisco, com todas as forças sociais interessadas". Durante meses o Vice-Presidente da República, José de Alencar, promoveu discussões sobre o projeto, que, segundo o governo, colheram subsídios para "adequar o empreendimento às condições hidrológicas do rio". Na prática, o périplo serviu para levantar as demandas dos diferentes estados e municípios com relação à transposição, bem como os conflitos e impasses existentes. Como resultado, o Presidente da República anunciou a decisão de fazer a transposição, inserida em um projeto de "Revitalização e Integração", como parte de um "Plano de Desenvolvimento Sustentável para o semi-árido".

Concretamente a proposta atende a interesses políticos, e não prioriza a revitalização do rio, principal demanda das organizações não-governamentais e movimentos sociais. O próprio Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco tem se manifestado contrário ao projeto como esclarecem em carta divulgada em Propriá (SE) na última quinta-feira, 14 de outubro. O Comitê reconhece a necessidade de se atender às demandas de água para consumo humano e animal, mas ambientalistas afirmam que, no projeto, 60% das águas são para a irrigação industrial e fins econômicos.

Algumas iniciativas anunciadas pelo governo federal como estratégia para alterar o modelo de tratamento de questões socioambientais, como a criação dos grupos de trabalho interministeriais do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento e da BR-163 ainda não apresentam resultados práticos. O real envolvimento das demais áreas de governo nem sempre é satisfatório na execução das ações emergenciais previstas nos planos. Há casos em que os ministérios envolvidos sequer participam das iniciativas promovidas, por exemplo, pelo Ministério do Meio Ambiente. Embora diversos processos de consulta e discussão com a sociedade tenham acontecido, nem todos os setores de governo reconhecem como legítimas as demandas apresentadas.

A julgar pela forma com que o governo federal tem atuado, a diretriz de transversalidade proposta pela Ministra Marina Silva pode deixar como marca a subordinação do Ministério do Meio Ambiente ao desenvolvimentismo desenfreado deste governo. O espetáculo do crescimento desejado pelo Presidente Lula pode significar retrocessos inaceitáveis no campo socioambiental. Muito longe da perspectiva de sustentabilidade anunciada nos documentos do programa de governo que embasaram a escolha da nação nas eleições de 2002.

Assessoria de Comunicação do Instituto Socioambiental (ISA).


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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