ÁGUA E BIODIVERSIDADE

Agricultores denunciam: "Estão transformando nossas terras num imenso lago"

9 novembro 2004

Porto Alegre, RS - Verônica Rubert vive numa pequena propriedade às margens do Rio Uruguai, na comunidade de Volta Grande, no município gaúcho de Alpestre. "Quando olho para o rio que hoje corre, não consigo acreditar que em poucos anos haverá um imenso lago e a terra onde nasci e cresci ficará embaixo d'água", revela a agricultora.

Verônica será atingida pela construção da Usina Hidrelétrica de Foz do Chapecó que teve a licença de instalação emitida pelo Ibama no último dia 21 de setembro. Assim como ela, outras três mil famílias de pequenos agricultores também serão expulsas pela represa que terá capacidade para gerar 855 megawatts de energia.

A construção de Foz do Chapecó segue um planejamento elaborado nos governos militares da década de 70, que prevê a implantação de 25 grandes barragens na Bacia do Rio Uruguai, sendo três binacionais. "Estão transformando nossas terras num imenso lago", denuncia João Vilmar de Oliveira, agricultor catarinense atingido pela barragem de Campos Novos que está expulsando 700 famílias das margens do Rio Canoas, afluente do Uruguai.

Além de Foz do Chapecó e Campos Novos em fase de construção, já foram concluídas e estão em funcionamento as barragens de Itá, Machadinho e Quebra Queixo. Há ainda a construção ou planejamento das barragens de Barra Grande, Manjolinho, Bernardo José, Pai Quere, Itapiranga, Garabi, entre outras, todas no Rio Uruguai e afluentes. Cerca de 15 mil famílias já foram expulsas pelas obras concluídas. A quantidade de famílias que perdeu suas terras pela construção de represas na região assusta, se comparado, por exemplo, com o número de famílias assentadas pelo programa de reforma nos últimos dois anos. No Rio Grande do Sul foram 53 famílias assentadas e em Santa Catarina 218 famílias assentadas.

Êxodo Rural

Dados divulgados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) revelam que de cada 10 famílias expulsas pela construção de barragens no Brasil, apenas sete recebem algum tipo de compensação. Ricardo Motangner, da direção do Movimento na Bacia do Rio Uruguai, destaca que a maioria das famílias expulsas acaba engrossando as cifras do êxodo rural no país. "Sem perspectivas, após perderem a terra, os atingidos migram para a periferia das cidades", afirma. Segundo o dirigente, as empresas construtoras desistimulam os projetos de reassentamento coletivo que podem garantir a permanência dos atingidos na terra. "Os reassentamentos existentes hoje são fruto da luta e organização das famílias no Movimento dos Atingidos por Barragens. Através de muitas marchas e ocupações, obtivemos conquistas que estão garantindo uma solução mínima para os problemas sociais causados pelas obras", destaca Montagner.

A história de implantação de barragens na bacia do Rio Uruguai, assim como em todo o Brasil, é marcada por muitos conflitos e pelo desrespeito às populações atingidas. A região é caracterizada pelo grande número de minifúndios com densidade populacional elevada para os padrões brasileiros, o que torna qualquer projeto de hidrelétrica altamente impactante em termos sociais. Comunidades inteiras estão sendo desestruturadas em toda a região pela construção das barragens, é o que revela Joceli Andrioli, atingido pela usina de Itá. Para ele, o enorme potencial agropecuário da região está sendo desperdiçado. "Pouca gente está ficando na agricultura, os que ermanecem na região atingida ficam isolados, sofrem com o fechamento das escolas, abandono das estradas, fim das linhas de ônibus", denuncia.

Na questão ambiental, a implantação dos projetos é marcada por escândalos como a fraude verificada na liberação da licença prévia para a Usina de Barra Grande. Cerca de seis mil hectares de mata atlântica, constituída especialmente de araucárias ameaçadas de extinção, foram ignorados no Estudo de Impacto Ambiental que garantiu a licença prévia da obra. Outro problema diz respeito à definição da faixa de preservação ambiental permanente ao redor dos lagos. Pela legislação, esta faixa deve ser de 100 metros, o que está sendo ignorado nas barragens já concluídas. Na Barragem de Itá, a Gerasul, empresa responsável pela obra, desapropriou uma faixa de apenas 30 metros ao redor do reservatório.

· mais informações: www.mabnacional.org.br

Texto do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens