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AgirAzul Artigos
Carta aberta a um Sarney ambientalista
José
Truda Palazzo Jr.
(Publicado no Jornal da Tarde -
edição de 20 de janeiro de 1999)
Meu caro Deputado Federal, e hoje Ministro do Meio Ambiente,
cidadão José Sarney Filho,
Não tive até hoje o prazer de conhecê-lo pessoalmente, muito embora
o seu pai tenha me brindado com a imensa alegria de, quando ainda Presidente da
República, receber-me no Palácio do Planalto para que me fosse possível assistir à
assinatura do Decreto que pôs fim à caça de baleias no Brasil, em dezembro de 1985,
coroando uma das lutas ambientais em que mais estive envolvido. O gesto de Sarney Pai me
fez nutrir desde cedo uma grande empatia pela trajetória ambientalista do Sarney Filho no
Congresso Nacional, a ponto de me permitir a liberdade de dirigir-lhe esta Carta Aberta, a
título de mensagem de estímulo para sua nova missão como Ministro de uma das áreas
mais relevantes - e abandonadas - do governo federal.
Nestes mais de vinte anos de militância ambientalista, este seu criado
já viu de tudo, ou quase, na área que ora o senhor está incumbido de gerir. Permita-me,
pois, alicerçado mais numa vintenária persistência pessoal do que em qualquer outros
méritos, que não os tenho, incorrer na ousadia de lhe propor alguns tópicos para
reflexão sobre o que poderia fazer de sua gestão um marco prático e ético num
Ministério criado para ser apático e cosmético:
- Faça implantar, a ferro e fogo se preciso, o corajoso projeto de
viabilização econômica dos Parques Nacionais através de parcerias com o setor privado.
Estimule o urgente desenvolvimento de programas de uso público, educação e fomento à
pesquisa em tantas áreas naturais legalmente protegidas quanto seja humanamente
possível. Fazer de nossas Unidades de Conservação, hoje meros vazios mal cuidados em
sua maioria, espaços públicos que promovam a educação ambiental, o turismo e a
geração de benefícios econômicos palpáveis é tarefa patriótica que não pode mais
ser adiada.
- Resgate nossa fauna silvestre, inestimável patrimônio ecológico e
econômico, da perversa política imobilista do Anada pode@; determine enfaticamente à
burocracia do IBAMA que ative e reviva, em cooperação com os Estados, a pesquisa de
campo necessária para orientar a melhor maneira de desfrutar dos recursos faunísticos de
nosso território, através de um manejo cientificamente embasado. Da Argentina aos
Estados Unidos, os países da América estão movimentando bilhões de dólares em suas
economias com a caça amadorista regulamentada e rigorosamente fiscalizada, e grande parte
desse dinheiro reverte para a conservação de ecossistemas e espécies ameaçadas; é um
potencial criminosamente suprimido das considerações oficiais sobre como viabilizar a
conservação da Natureza num Brasil semi-falido.
- Mantenha a todo custo a extinção das Superintendências Estaduais
do IBAMA; elas são um foco histórico de morosidade e de conflito entre a capacidade
técnica do funcionário e o poder discricionário do chefe político de ocasião. Combata
sem dó nem piedade os funcionários relapsos e omissos, mas prestigie com a sua
autoridade moral e apoio material os poucos mas notáveis centros de excelência que ainda
sobrevivem no Instituto. O Centro Peixe-Boi é um deles, recém-transformado em Centro
Nacional de Mamíferos Aquáticos, pólo de competência funcional pouco comum nestes dias
que correm.
- Preste atenção na guerra surda e não declarada, mas que todo munho
conhece, entre as burocracias do seu Ministério e do IBAMA. Por vezes, parece que
tratam-se de funcionários de órgãos antagônicos e não da mesma casa. Aproveite a
reforma administrativa para acabar com isso, extinguir a duplicidade de funções e fazer
de sua pasta um todo orgânico, dinâmico e que não se desgaste em pendengas internas
inúteis.
- Acolha os proprietários rurais num diálogo construtivo e sincero,
chamando-os à cooperação. Aprimore os incentivos diretos à preservação de ambientes
naturais nas propriedades rurais, e proteja-os da sanha tributária e expropriatória do
INCRA. Os ruralistas são os verdadeiros guardiões e senhores da maior parte do
patrimônio natural do País, e verá o senhor logo que mais vale, para o Brasil, o apoio
à causa ambiental de um fazendeiro honesto do que de muitos Aecologistas@ urbanóides que
vivem do verbo e não da produção.
- Agende para ontem uma longa conversa com o Ministro da Agricultura
sobre a infame divisão de competências sobre a pesca. A transferência para aquele
Ministério, por Medida Provisória, da responsabilidade de gerenciar e fiscalizar a pesca
de espécies migratórias, é medida inconstitucional que serve apenas aos lobbies dos
armadores que se associam às empresas asiáticas para depredar nossa Zona Econômica
Exclusiva. Lute para definir que fomento é com a Agricultura, mas gestão técnica dos
recursos naturais tem que ser do Meio Ambiente.
- Faça dos órgãos estaduais de meio ambiente verdadeiros parceiros
na gestão ambiental, e não meros cartórios de concessão de licenças. Dê
prosseguimento à política de descentralização administrativa, que é correta, mas
exija mais suor - e transparência - dos Estados.
- Apóie firmemente as indústrias que produzem com atenção às
salvaguardas ambientais, tirando do mercado pela responsabilização fiscal e criminal os
seus concorrentes ilegais, que ainda lucram com o desrespeito à qualidade ambiental.
Faça implantar os textos legais que vetam incentivos aos infratores das normas
ambientais, lembrando os bancos oficiais da sua responsabilidade neste processo.
- Guarde-se de algumas ONGs multinacionais que para cá vêm com
agendas redigidas em além-mar, sem o menor respeito pelo que pensam os extenuados
ambientalistas brasileiros, e que ainda por cima aqui muitas vezes vêm roubar-lhes os
associados. Conheça melhor essa gente toda e aprenda a separar o joio do trigo, veja que
entidades efetivamente querem cooperar com o Brasil, e sobretudo valorize as ONGs
brasileiras voluntárias que não têm caixa gordo o suficiente para manter escritórios
de lobby em Brasília, mas que se esfalfam no nosso interior, movidas somente pelo vigor
da cidadania.
- Valorize e amplie a presença de seu Ministério nos foros
internacionais. Sarney Pai, ao derrubar o lobby japonês da caça à baleia, abriu para o
Brasil um caminho de liderança mundial na área de mamíferos marinhos que segue sendo
admirado; temos que seguir avançando, principalmente nos tratados sobre o patrimônio
natural marinho e comum a outras nações. Derrube, aqui também, o imobilismo pernicioso,
e faça com que o Brasil assine logo a CMS - Convenção sobre Espécies Migratórias, na
qual somos ainda hoje uma escandalosa ausência.
- Levante desde já a voz com essa turma de alquimistas amadores da
equipe econômica, que no limiar do século XXI ainda sequer aprenderam que qualidade
ambiental não é despesa supérflua, é investimento com retorno mensurável e garantido.
Esses elementos estão tentando matar seu Ministério à míngua. Lute, com todas as suas
forças, para que essa burocracia não consiga continuar impedindo a entrada de
cooperação internacional em dinheiro e equipamentos para a proteção de nosso
patrimônio natural. Eles são contra incentivos fiscais à conservação da Natureza,
contra isenções a entidades que trabalham de graça, contra doações estrangeiras de
equipamentos a ONGs. Tente descobrir por que o trabalho voluntário no País paga o pato,
e não o contrabando explícito que deixam entrar do Paraguai todas as horas de todos os
dias.
- Apoiado em sua bem-sucedida liderança na Frente Parlamentar
Ambientalista, crie um canal direto, público e transparente de diálogo com o Congresso
Nacional, pondo fim de uma vez por todas ao atendimento paroquial, promíscuo e mesquinho
de interesses pessoais que muitas vezes os políticos de pior nível tentam extorquir do
IBAMA.
- Dê satisfação pública das atividades de seu Ministério, seguindo
a linha que caracterizou a sua atuação parlamentar. Proíba os funcionários de fazerem
serviço público como se dele fossem donos, e puna severamente aqueles que se recusam a
responder aos questionamentos legítimos da sociedade civil. O IBAMA deve satisfações
permanentes à sociedade brasileira e deve dá-las sem achar que está fazendo um favor ou
uma deferência.
- Por fim, abandone Brasília o mais que puder. Vá aos parques e
reservas, veja as florestas de mogno, os banhados do Sul, as garças do Pantanal e as
baleias de Abrolhos. Converse com os voluntários que asseguram a sobrevivência das
campanhas e dos parques que o governo não pode (ou não quer) sustentar. Dê-se o direito
de ouvir mais seus subordinados humildes que batalham nos confins do Brasil pelo nosso
patrimônio natural, e não os cortesãos sonolentos, arrogantes e muitas vezes viciados
pela burocracia que infestam a capital federal. Vá ver por que as coisas acontecem, não
acredite no que lhe passam nos papéis de processos somente.
Se as idéias aqui alinhavadas merecerem míseros três minutos de sua
reflexão, terei já grandemente satisfeita minha ânsia de contribuir para uma efetiva
gestão da nossa Natureza. No mais, ponha pra correr os Aconsultores@ e não perca tempo
com estudos caríssimos sobre como melhor gerir a área ambiental do governo. Vários já
foram feitos, e foram parar - assim como o dinheiro público neles empregado - no lixo.
Qualquer secretária, porteiro ou senhora que serve cafezinho no Ministério ou no IBAMA
sabe o que mais falta para o sistema dar certo: vergonha na cara e vontade política.
Estou certo de que o senhor tem os dois.
Mande brasa, Ministro!
Um abraço do
Truda Palazzo.
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