MERCOSUL

Globalização de mercado ou universalização da vida

por Sebastião Pinheiro*/**

O mundo passa por uma série de transformações fantásticas. Os países se aglutinam em blocos, mas, simultaneamente, etnias, culturas, povos e enclaves alcançam autonomia e liberdade de existência e expressão.

A divisão anterior em três ou quatro mundos tem seus dias contados, pois a globalização de mercados impõe uma nova ordem internacional. O sistema ISO de padronização industrial habilita as empresas que assumem compromissos da nova ordem, respeitando aspectos sociais, culturais, entre outros, e privilegiando seus produtos. Todos deverão adequar-se às normas, não importando o mundo atual a que pertençam. Assim, a devastação ambiental, poluição, trabalho infantil, discriminação feminina, segregação de minorias e aspectos congêneres têm prazo para serem eliminados. As normas ISO 9.000, ISO 9.001, ISO 14.000, ISO 19.000, ISO 22.000 e muitas vindouras, são gestadas na procura da uniformidade global.

A mídia divulga aos quatro cantos estas transformações. No entanto, devemos estar alerta, pois as normas ISO são compromissos de procedimentos para adequação de mercados, e não universalização de princípios. Por exemplo, uma madereira que devasta uma floresta tropical úmida pode assumir o compromisso de, em cem anos, tornar sua exploração totalmente sustentável. Terá imediatamente um certificado ISO e o beneplácito internacional como garantia de sua boa vontade em sanar seus problemas. O mesmo ocorrerá com uma usina de cana-de-açúcar que explore mão-de-obra infantil ou em servidão e proponha-se a aboli-la em 30 anos.

Um outro aspecto é que, entre nós, a corrida para adequação do mercado à globalização, com o enfraquecimento do Estado pela propaganda "neoliberal", está propiciando a articulação de interesses submersos.

Banidos na União Européia; mas à venda no Mercosul

No Mercosul, os países membros são obrigados a compatibilizar suas legislações de agrotóxicos. O lobby das transnacionais comerciantes de venenos força para que a legislação artentina, menos atualizada, seja adotada como padrão para gerir o bloco econômico, o que é um retrocesso, pois a grande maioria dos agrotóxicos banidos ou restritos no Nafta, União Européia e Brasil, por razões ecológicas e sanitárias, tem venda livre na Argentina. Isto passa a ser compreensível, tendo em vista que a grande maioria dos produtos banidos no Nafta e U.E. precisa do Mercosul para absorver seus estoques e produção.

Em nome do verdadeiro "espírito da globalização , devemos mostrar ao Parlamento Europeu e ao Congresso dos Estados Unidos a importância que a legislação de agrotóxicos, adotada internamente por eles, seja a léi válida no Mercosul, pois se somos um grande produtor de matérias-primas e alimentos importados por eles, não há melhor garantia de qualidade que a adoção de isonomia legal. Isto, além do mais, traz um componente ético e moral na relação bilateral, tornando-a fraterna.

Um agrotóxicos não foi banido da U.E./Nafta do dia para a noite; foram necessários mais de dez anos para que isso acontecesso. Assim, todas as fábricas "exportadas" durante este período devem ser reavalizadas, também, por uma questão ética, pois, hoje, muitos produtos banidos em suas sedes não podem ser banidos entre nós, somente porque as fábricas foram transferidas para nossos países.

Dentro da nova ordem, vemos nossos governos implementando a Agricultura Sustentável Sem Agrotóxicos, sob normas de certificação ISO, para exportar para a U.E./Nafta com preços vantajosos, além de suprir uma elite interna privilegiada. Porém, simultaneamente, o Mercosul aceita os venenos já banidos do Primeiro Mundo, garantindo uma sobrevida aos negócios das transnacionais. Isto não é globalização de cidadania ou universalização de ética. É simplesmente pirataria do Século XVII e não tem lugar entre nós.

O aspecto importante hoje é o consumidor universal livre de fronteiras, feudos ou reservas de mercado, informado pela mídia internacional. Não interessa se ele está no Mercosul, União Européia, Nafta ou África, sua necessidade e vontade devem ser respeitadas, não apenas por uma questão de mercado, mas por universalização da cidadania.

O Rio Grande do Sul foi pioneiro, na região do Terceiro Mundo, nas questões ecológicas e sanitárias dos agrotóxicos. Em 1980, proibiu os fungicidas mercuriais; em 1982, criou a legislação estadual de agrotóxicos, seguido por 16 estados da Federação, que resultou, depois, na elaboração da Lei Nacional de Agrotóxicos. Simultaneamente, é também o local em toda a América onde mais se faz agricultura ecológica, de forma socializada, disseminando suas técnicas por todos os cantos do mundo.

Mantendo este pioneirismo, e por uma relação ética, moral e principalmente fraterna com o Mercosul, União Européia, Nafta e África, estamos banindo uma série de agrotóxicos de nossa agricultura, como forma de respeito ético a todos os cidadãos do mundo. Com isto, alcançaremos mais rapidamente a universalização do respeito às comunidades e ao planeta.

* Artigo originalmente publicado em POLÍTICAS AMBIENTAIS, edição nº 13, de dezembro de 96 a março de 97. POLÍTICAS AMBIENTAIS é publicação quadrimestral do IBASE.
* *O autor é engenheiro-agrônomo.

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