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FME - Educação Ambiental: dentro ou fora da Escola? - entrevista com Moacir Gadotti

De: - EcoAgência de Notícias
Hora: 19:21:51
Data: 21 jan 2003

Para o professor Moacir Gadotti, titular da faculdade de Educação da USP, diretor do Instituto Paulo Freire e autor do livro "A Pedagogia da Terra", a dicotomia não existe. Hoje (21), após coordenar uma mesa de debates sobre educação formal e não formal com educadores e pesquisadores do Mali, da Alemanha e da Escócia, no Fórum Mundial de Educação, Gadotti conversou com jornalistas. Na entrevista, ele falou sobre educação popular, o otimismo com o governo Lula e sobre educação ambiental. Leia a seguir, alguns trechos da entrevista.

Pergunta: Tem-se falado muito das novas experiências de educação popular. O que o senhor tem a falar a respeito disso?

Gadotti: O conceito de educação popular é um conceito que está evoluindo historicamente. Primeiro passou pela idéia da conscientização e era só fazer a conscientização. Depois, viu-se que a conscientização, sozinha, não resolve. Então, além de conscientizar é preciso organizar, então há experiências ligadas à organização popular. E hoje se vê a questão do desemprego, da empregabilidade, então a educação popular se preocupa muito com isso, associando a formação profissional, associando a conscientização com a organização e com a produção. Então se vê que é um conceito que vai se enriquecendo aos poucos, mas ele não desaparece. E o debate principal hoje foi a relação entre o formal e o informal. A educação popular nasceu dentro e fora, ela tem um pé dentro e fora, e ela mantém essa ambiguidade necessária, porque a escola só ensimesmada nela mesma, a educação só voltada para dentro dela, ela não aprende nada. Aquela que só fica fora também perde muito da escolarização, por exemplo.

É muito interessante que o representante da Alemanha (no debate, o alemão Berndt Fishner, da Universidade de Ziegler), apresentou uma análise da situação de Porto Alegre, a idéia da educação cidadã, que é uma nova expressão da educação popular. Vista do ponto de vista europeu foi muito interessante, porque demonstrou que essa escola cidadã, vista do ponto de vista popular tem por essência formar o sujeito, formar o cidadão por meio de mecanismos de aprendizagem popular não escolar, como o orçamento participativo, onde as pessoas aprendem a falar, se organizar, planejar, que é isso que temos que aprender na vida. O que o povo precisa aprender para viver melhor? Essa é a pergunta. Então participar, falar, se organizar é um aprendizado importantíssimo para você ter êxito na vida, ser feliz e participar da transformação dela.

Pergunta - Como está o processo do ensino popular hoje no Brasil?

Gadotti - A gente tem de ser otimista e pessimista. Otimista em cima das conquistas que já fizemos. Há muitas prefeituras populares que têm projetos de educação popular, Estados também. E hoje o governo federal está preocupado com uma nova cara da escola, com uma escola mais voltada para a comunidade, com uma universidade voltada para as classes populares. O ministro da Educação deixou muito claro aqui em Porto Alegre que a Universidade tem que ter vínculo com a sociedade. Nós temos pessoas como Darci Ribeiro, como Florestan Fernandes que sempre defenderam uma universidade voltada para as necessidades das pessoas, não voltadas para o capital. A educação popular não é só aquela que é feita no bairro, na periferia, educação de adultos e alfabetização. Nós temos que fazer na pós-graduação, na graduação, na Universidade como um todo. Então eu acho que nós avançamos e às vezes não reconhecemos nossos avanços. Eu acho, por exemplo, que a eleição do Lula foi, por exemplo, um avanço da educação popular no Brasil. Tem ligação direta com as lutas populares, com os movimentos populares e com a caminha que o povo fez nesses anos todos. Então temos motivos hoje para ser otimistas, porque avançamos.

É assim que fazemos história. Não é por decreto. Se faz história a partir das condições concretas que você tem e com idéias na cabeça. Nesse sentido a formação do educador é fundamental. Formá-lo para formar milhões de pessoas. Nós somos dois milhões de educadores no Brasil. Se todos pensassem assim "O que eu vou ensinar? É só o be-a-bá? É só aquilo que está lá na cartilha? Ou vou ensinar as pessoas a se amarem, a se gostarem, participarem, gostarem de aprender e tudo isso. É essa a vocação da educação.

Pergunta - E como fica a questão da educação ambiental?

Gadotti - A gente não pode separar a educação ambiental das outras educações. A educação ambiental não pode ser restrita a resgatar o meio ambiente. Eu diria, fazendo uma metáfora, que nós precisamos nos cuidar para fazer o saneamento dos córregos, que estão aí apodrecendo, mas um saneamento deve ser feito também dentro da nossa cabeça. Então a educação ambiental hoje, ela mudou muito. Ela deixou de ser uma educação para a natureza que está lá fora, para ser uma educação da mente, preparar o ser humano para viver bem, integrado com o meio ambiente. Para mim, Rousseau deu o exemplo disso. No início do industrialismo ele dizia. "Gente, vocês não estão no caminho correto. Não sou contra indústria, não sou contra isso daí", pois ele era um liberal. "Mas vocês estão se separando da natureza". Nós precisamos estar integrados com a natureza, acho que isso é importante.

Pergunta - Algumas pesquisas mostram que no Brasil as pessoas consideram como problemas ambientais a destruição da Amazônia, vazamentos de petróleo, mas não consideram o problema do lixo, a poluição do ar nas cidades. A educação popular pode mudar isso?

Gadotti - Exatamente. As crianças têm enorme sensibilidade para o meio ambiente, mas muitas vezes são mal orientadas pelos professores. Quando falam sobre educação ambiental, perguntam: "Onde vai ser o nosso passeio hoje?" Às vezes estão fechadas em uma sala escura, sem espaço, em uma escola que só tem cimento, não tem um jardim. Para perceberem, não é nada, não está bonito o ambiente. E é o ambiente formativo. Então o meio ambiente principal é esse aqui onde a gente está.

E a partir daí é claro, a natureza é muito importante também, a natureza nos ensina muitas coisas, eu gosto muito disso, também. Eu escrevi um livro sobre isso chamado "A Pedagogia da Terra", sobre ecopedagogia, insistindo na importância da educação ambiental e da relação com a natureza. Mas a primeira relação é com a gente mesmo.

Pergunta - Os educadores ambientais discutem muito a questão da educação formal e da educação não formal, é uma discussão que existe no meio da educação ambiental. Como o senhor vê isso?

Gadotti - Eu acho que é uma falsa dicotomia. Porque a educação chamada extra escolar, não formal, também é muito formalizada. A educação da vida é muito formalizada. Se confunde educação formal apenas com o que é feito lá dentro, na sala de aula. Não é assim. Você pode dar uma excelente aula formal ou informal embaixo de uma árvore. É uma falsa dicotomia. A escola burocrática, burguesa, centrada nos conteúdos é que faz essas dicotomias. Nós temos que superar todas as dicotomias por uma educação integral, que é isso que tem que ser a educação ambiental.

André Muggiati, REBEA (Rede Brasileira de Educação Ambiental), amuggiati@uol.com.br  © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br .


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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