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FSM - Marina Silva, uma história de fibra, coragem e determinação

Marina Silva dá seu testemunho acompanhada do amigo Leornardo Boff - FSM 2003

Marina Silva e Leonardo Boff - foto de Carlos Stein - stein@ecoagencia.com.br

De: EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
Data: 29-jan-03
 

Depois de mais de 40 minutos de atraso, ela chegou com seu jeito maroto, esforçando-se para atravessar a multidão que a aguardava ansiosamente. Chegou levantando a platéia, provocando acotovelamentos de fotógrafos, aplausos e assovios. Foi logo abanando, sacudindo orgulhosamente uma bandeira do Acre.

Seu jeito demonstra características contraditórias: a ternura e o vigor. Assim define um grande admirador, estrela talvez da mesma grandeza (ou até maior) que a dela: Leonardo Boff. O teólogo acompanha todo o testemunho, e depois tece comentários. Conta que a conheceu ainda no noviciado, no Acre. Depois disso muita coisa aconteceu. Tanto para ele, quanto para ela. O fato é que nesta segunda, 27 de janeiro, eles se viram, depois de muito tempo, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. A emoção do encontro é perceptível. Eles se abraçaram, transmitindo muito carinho e afeição.

Depois de atirar a bandeira para o público, a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva começou a dar seu testemunho na sala 3 do Centro de Eventos da PUC. Sob um silêncio absoluto as mais de mais de duas mil pessoas ouviam atentamente o depoimento da vida daquela mulher, que até se tornar senadora, poucos acreditavam na sua capacidade.

Marina começou dizendo que é uma exceção dentro de um grande universo. “Há milhões e milhões de Marinas, Chicos, Vicentinhos”, opina, explicando que a diferença entre os famosos e os desconhecidos é que alguns souberam aproveitar, “uma fresta no sistema que não oferece condições de trabalho e oportunidades”. No seu relato emocionado, disse que é preciso parar de se ter apenas exceções, mas todos devem ter chance de desenvolver suas potencialidades.

A ex-seringueira teve uma infância dura, cheia de dificuldades. Desde os 10 anos se levantava cedo para ir para a “seringa”. Lembra que acordava às quatro horas da manhã, aprontava farofa com café para os irmãos no fogão a lenha. Depois disso percorria sete quilômetros até o seringal. A volta também dava mais sete quilômetros. Percorria 14 quilômetros todos os dias.

Sua família é nordestina retirante, também por causa das intempéries do clima. Até que em 1945 seu pai chega no coração da Floresta Úmida. Marina teve 11 irmãos, sendo que dois morreram de sarampo e um de mal de sete dias. Hoje ela tem seis irmãs e um irmão.

Ao longo de sua vida, há quem diga que houve uma série de maldições. Quinze dias depois da última irmã falecer, morre sua mãe. Ela, como uma das filhas mais velhas, com 14 anos, foi obrigada a abraçar várias responsabilidades. Mas ela conta com orgulho, que na sua família não havia distinção entre homem e mulher e que ninguém tinha vergonha de ser negro. “A mãe comemorava se nascia homem ou mulher”, comenta.

Sua casa ficava próxima a da avó, onde viviam muitos idosos. Sua ligação forte com os mais velhos fez logo ela ter instrumentos como os dos adultos, mas em tamanho menor: tinha um mini machado, uma pequena bacia, uma escadinha para o seringal, um pequeno defumador, entre outros apetrechos. Tudo para que ela pudesse exercer as funções como um adulto.

Como sua irmã mais velha casou, ela teve que assumir a chefia da família. Ainda teve hepatite, e, erroneamente, foi tratada com remédio para malária. Marina desabafa que também sofreu de uma grande tristeza. “Hoje se sabe que isso era depressão”. Naquela época, então, sentiu uma grande vontade de ser freira. Confessou isso para o seu pai, que foi taxativo: “freira não pode ser analfabeta”.

Mesmo assim, não desanimou, com insistência perguntava: “pai, posso ir para rua estudar”. Foi então que ela descobriu uma grande força interior. Conta que rezou muito para que seu pai mudasse de opinião. Até que um certo dia, inesperadamente, enquanto ela ajudava a montar um chiqueiro, ela provocou: “pai, eu queria ir pra rua, pra estudar, pra tratar minha doença”. Até que seu pai responde, mesmo com um prego na boca e com o martelo na mão: “você quer ir agora ou na outra semana, quando eu tiver um dinheiro com a venda da seringa?”

Depois de convencer seu pai, agora o obstáculo era convencer seu avô. Ele chegou a dizer para o seu pai que, se ela fosse ir para rua, voltaria “com o bucho no pé”. Marina revela que seu avô tem hoje 102 anos. “A oposição morre de medo de eu ser como meu avó”, declara, arrancando gargalhadas do público.

Finalmente, foi para Rio Branco estudar. Trabalhou como doméstica e estudava no Mobral. Era setembro de 1975. Ela conta que não teve dificuldade de aprender a ler e escrever, pois já sabia as quatro operações, tinha aprendido com seu pai durante a venda de borracha. Inclusive a ministra chamou atenção que o seu pai ajudava os demais seringueiros nos cálculos para saber o percentual de venda.

Em outubro do mesmo ano, ela foi para o primário. Dos 46 alunos da sua classe, apenas três passaram, sendo que um deles era ela, com a nota 5,5. Com 17 anos, ela já estava na 5a série. Contudo,para ficar nesta escola de freiras, particular, precisava trabalhar pois não tinha como pagar. Ajudava na horta, no almoço, na limpeza, enfim tudo que precisasse, lá estava ela.

Sem tempo para estudar, pois terminava de limpar a cozinha tarde e todos eram obrigados a dormir às 21h e acordar às 5h30min, Marina arrumou uma outra forma para estudar: comprou velas, um despertador e um papel para tapar a luminosidade do seu quarto para ninguém ver. Ela recordava que chegava a estudar até as 2 horas da manhã.

Desde então, suas notas são sempre 9,5 e 10. Fez bem o supletivo e começou a se questionar: será que queria mesmo ser freira? Até que um dia leu em um cartaz: Curso Lideranças Sindicais, promoção Pastoral da Terra. Participando do curso, Marina ficou encantada com a Teologia da Libertação, conheceu Chico Mendes e percebeu que o melhor para ela não era uma vida de oração. Cada vez mais seu desejo de ser freira foi ficando distante.

Nesta época, a noviça estava quase indo para um convento no Rio de Janeiro, até que ela chegou para a irmã e se abriu, explicou sua situação. Em 1979, ela quis fazer vestibular, mas foi impedida pela Hepatite, que mais uma vez a derruba. Mesmo assim, mais uma vez não desanimou. Enquanto trabalhava como costureira, mais precisamente figurinista de um grupo de teatro no final da década de 80, passou no vestibular para História.

Durante todo seu testemunho, Marina passava uma grande garra, uma verdadeira vontade de mudar o mundo. Essa força, diz Marina, vem de sua fé. “Cada um deve usar todas suas forças para mudar o possível e o impossível, Deus faz o possível por você”, confessa ainda frisando que “em muitos momentos, foi a fé que me salvou”.

E recorda da sua primeira eleição, onde praticamente não tinha chance de ganhar, pois o adversário tinha muito dinheiro. “Não tinha nem corneta para fazer campanha”, lembra. No entanto, ela vence, ganha uma cadeira no Senado.

Ela toca em um ponto nevrálgico: seu problema de saúde, provocado pela contaminação por mercúrio, que a obriga a ter uma dieta especial e uma série de restrições.

Marina ainda comenta que aprendeu muito com Chico Mendes, com quem teve uma forte relação de amizade. “Chico ouvia muito, todos os lados, também dava oportunidade a todos participantes do movimento”, aponta, frisando que o líder dos seringueiros também dizia que “todos querem realizar alguma coisa, querem se reconhecer no que se faz”.

E a ministra, eleita duas vezes para o Senado, ensina: quando se faz para o povo, pode haver a derrota, o ideal é fazer com o povo. “Cada um deve fazer parte da pergunta e da resposta”, opina. Para ela, os conflitos devem buscar soluções pacíficas em todos os problemas, tanto na pobreza quanto na devastação dos recursos naturais.

Depois de muitos estarem com olhos vermelhos e com a face molhada pela lágrimas, Marina encerra lembrando a importância do conhecimento empírico. Contou uma história de uns pesquisadores que acamparam na beira do rio. Depois de montar acampamento, um caboclo chegou para os “entendidos” e disse para eles mudarem a barraca de local que estava se aproximando uma forte tempestade e o rio ia subir. Os pesquisadores não deram levaram em consideração o alerta do caboclo, disseram que tinham modernos equipamentos que não apontavam a vinda da chuva. Até que no meio da madrugada, um dos pesquisadores bateu na casa do caboclo, pois a chuva estava realmente caindo muito forte.

No outro dia, perguntaram como o nativo sabia que ia cair toda aquela água. O caboclo contou que era só olhar os formigueiros. Quando as formigas correm do formigueiro das margens para outro mais longe da água, indica que o rio vai subir a ribanceira.

Todo o público então levanta, mesmo aqueles que estavam sentados, encolhidos, ou encostados nas paredes do auditório para festejar o testemunho de Marina. Até que o ex-frei Leonardo Boff lembra a importância daqueles movimentos de base, que ajudaram a formar Marina, Tião Viana (eleito senador) e Jorge Viana (pela segunda vez governador do Acre). “Ela representa a expressão dos povos da floresta”, festeja Boff.

O teólogo fala do impacto da “fé libertadora” de Marina, uma evangélica declarada, que compartilha suas vitórias, sabe perdoar e oferece a outra face, a exemplo de Jesus Cristo. “A união faz a força dos dois lados de Marina”, finaliza.

Texto de Silvia Franz Marcuzzo - silvia@ecoagencia.com.br  - © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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