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FSM - O ponto de mutação já passou - entrevista com Fritjof Capra

De: - EcoAgência de Notícias
Date: 30-jan-03

Fritjof Capra é o típico teórico do ambientalismo do Terceiro Milênio. Tem um aprofundado saber técnico (é PhD em física quântica, com pesquisas em Teoria de Sistemas Complexos) e dá uma compreensão holística a esses conhecimentos, interpretando-os à luz da ecologia. Mais do isso, Capra, que se notabilizou pelos livros O Tao da Física (1975) e O Ponto de Mutação (1982), coloca a essa disposição intelectual a serviço do engajamento político (“social activism”, como diz esse austríaco de nascimento radicado em Berkeley) e da educação do público nos conceitos da ecologia. Impossível algo mais na linha “Fórum Social Mundial”.

Estas são características compartilhadas por outros professores-autores da militância globalizada: a indiana Vandana Shiva (ecofeminista, opositora dos organismos geneticamente modificados) e o brasileiro Leonardo Boff (que de principal formulador da Teologia da Libertação passou a ser uma espécie de teólogo da vida). Ou seja: Capra forma, ao lado de Shiva, Boff e de outros filósofos mais do que contemporâneos, a comissão de frente dos teóricos das lutas internacionais em defesa da ecologia e contra o capitalismo financeiro global.

Capra utiliza não apenas da intimidade com as letras que transformou seus livros em best sellers internacionais. Também colocou o irmão Bernt para dirigir um roteiro seu e filmou O Ponto de Mutação. No filme, um candidato derrotado à presidência dos EUA (personagem claramente inspirada em Al Gore) e um poeta discutem com o seu alter-ego (uma física arrependida, interpretada pela então gatíssima Liv Ullman) conceitos novos para aquela época que mais tarde integrariam o rol das idéias ambientalistas. Várias dessas idéias ainda embaralham conferências como as de meio ambiente e no Rio de Janeiro (92) e Joanesburgo (2002): desenvolvimento sustentável, novos paradigmas civilizatórios etc.

Capra veio ao Rio, São Paulo e Porto Alegre dar palestras, falar do seu trabalho de eco-alfabetização e assessorar a Petrobras na geração de energia eólica combinada com células de hidrogênio. No meio dessa correria, mostrou como a sua trajetória pessoal também evidencia muito da trajetória de seus pares. E, sem querer, revelou o que talvez os cientistas estejam nos escondendo: a crise ambiental global pode ter ido longe demais para a humanidade voltar atrás.

Pergunta - Por que um PhD em física quântica decidiu pesquisar ecologia e escrever livros como O Tao da Física, Ponto de Mutação e Teia da Vida?

Fritjof Capra ­ Isso tem acontecido com freqüência. Sou parte de uma geração que criou uma grande rede de educadores ambientais e de militantes da mudança social. A maior parte de meus companheiros tiveram duas ou três profissões antes de se dedicarem a esse trabalho atual. É sinal dos tempos. Acredito também que deve haver uma influência da minha juventude. Passei meus primeiros anos numa fazenda, na Áustria, em um ambiente bem rural. Eu, meus irmãos e meus primos trabalhávamos na fazenda e tínhamos de caminhar quatro quilômetros para tomar um trem e chegar à escola de segundo grau. É interessante que hoje consigo desenhar mentalmente um mapa daquela fazenda. E apesar de isso ter se passado há quarenta anos, recordo-me como se fosse hoje a posição de cada árvore, de cada plantação de morangos e de batatas. Isso está marcado profundamente em minha memória. Ou seja: meu amor pela ecologia começou bem cedo, na infância.

Pergunta - Isso significa que os conceitos de desenvolvimento sustentável sobre os quais o senhor escreve hoje em dia começaram a ser pensados naquela época, com as suas experiências pessoais?

FC ­ Fui criado com as motivações e os valores orientados no sentido da observação da natureza. É claro que depois veio meu interesse pela ciência e tornei-me um cientista interessado pela filosofia de Heisemberger, pela física quântica e pelos anos 60 e seus protestos sociais. Tudo isso me fez ficar interessado pela filosofia da física e suas implicações sociais. No final dos anos 70, percebi que poderia usar a física quântica, a teoria da relatividade para entender como novos modelos para a sociedade. Quando falamos de saúde, meio ambiente e economia, falamos de sistemas vivos. Mas, a física nada fala sobre sistemas vivos. Houve então uma mudança, que durou 10 anos, nas minhas áreas de interesse. Fui da física à ecologia. Foi assim que me tornei um educador ambiental e ativista. Já nos meus dois últimos livros (Teia da Vida e Conexões ocultas, este lançado no Brasil em 2002) há muito pouco de física.

Pergunta - Outros cientistas também passaram por transformações tão radicais quanto esta que o senhor relata. Por quê?

FC - Quando você se dedica à física quântica, como eu me dedicava ao estudo da teoria de altas energias, você se debate com questões fundamentais e acaba desenvolvendo a habilidade de observação do mundo. Será que podemos observar o mundo e fazer algo coerente com essa observação? Temos de tentar entender o universo. De onde viemos e de onde veio o universo? E o que temos a dizer sobre tempo e espaço? Eles sempre estiveram ali ou chegaram em um determinado momento? Essas são questões muito profundas. Quando você chega a essa profundidade, você tenta ir tão profundo em outras áreas também. Tal e qual artistas, cientistas também são criativos e por isso entram em outros campos. Mas, essa característica também nos coloca um grande perigo, de nos tornarmos um amador em um campo novo. Eu tento me proteger trabalhando com outras pessoas. Desenvolvi a técnica de criar uma rede de especialistas. Foi isso que fiz no meu segundo livro, O Ponto de Mutação: trabalhei com psicólogos, biólogos, economistas. Mais recentemente, trabalhei com engenheiros, cientistas políticos e designers ecológicos.

Pergunta - O senhor também assessorou empresas?

FC - A primeira vez que assessoro uma empresa é agora, com a Petrobras. Sempre trabalho com pessoas que organizam seminários, aos quais comparecem grupos de três a cinco pessoas, quando colocamos sobre a mesa um determinado tema escolhido pelas próprias pessoas. Geralmente o tema tem a ver com como colocar vida nas organizações e como podemos aplicar a teoria da complexidade às organizações humanas.

Pergunta - Por que grandes corporações como a Petrobras estão interessadas em questões como essas?

FC - Nunca me fiz essa pergunta. Mas, estou feliz por elas estarem interessadas. A minha influência é limitadas aos níveis intermediários das gerências dessas empresas, que são bem hierarquizadas.

Pergunta - O senhor tem trabalhado com eco-alfabetização. O que esse conceito significa?

FC - Há alguns anos, durante um seminário sobre organização ambiental, percebi repentinamente porque há tanta confusão sobre o conceito de sustentabilidade no movimento ambientalista. A sociedade sustentável foi descrita por Lester Brown do World Watch Institute no começo dos anos 80 como aquela que supre as suas próprias necessidades sem exterminar as chances das gerações futuras. Esse é um aspecto bem importante da sustentabilidade, mas não nos diz nada sobre como construir uma sociedade sustentável. E é por isso que há tanta confusão. A questão moral está clara, mas não concordamos com a questão operacional. Como saímos dessa alta atitude moral e chegamos ao nível prático das políticas. Aos princípios da engenharia, por exemplo. É por isso que precisamos de uma definição operacional que começa com a percepção que não devemos começar a construir uma sociedade sustentável do zero. Há modelos na natureza que devemos usar. Ecossistemas são comunidades sustentáveis. Qualquer floresta, qualquer sistema marinho possui uma série de elementos, Eles atuam juntos em um ecossistema que maximizou ao longo de bilhões de anos a sua capacidade de sobreviver. Essa é uma excelente característica da biosfera. Ela sustenta a vida por longos períodos com mudanças complexas. O Sol, por exemplo, teve a sua temperatura alterada, mas a temperatura da Terra não se alterou consideravelmente.

Pergunta - O senhor então defende a idéia de quer é a partir desse conhecimento natural que podemos construir medidas práticas do que seja o princípio moral do desenvolvimento sustentável?

FC - O que precisamos para construir uma sociedade sustentável é fazê-lo de tal forma a não interferir na já provada capacidade de a natureza sustentar a vida. Precisamos entender como isso acontece. É isso que chamo de eco-alfabetização: compreender os princípios básicos da organização de ecossistemas e traduzi-los para comunidades humanas. Essa alfabetização ecológica será um conhecimento crítico em todos os níveis da educação, desde o jardim de infância até a educação profissional. Eu e alguns companheiros construímos em Berkeley, Califórnia, o Centro para Eco-Alfabetização. Neste Centro treinamos professores em ecologia, não como uma cadeira, mas como a espinha dorsal do currículo da escola. Também desenvolvemos projetos ecológicos nas escolas, em casas, nas bacias hidrográficas etc. Quando conversei há alguns anos com o ecologista brasileiro José Lutzemberger e perguntei a ele o que nós, dos países do Norte, poderíamos fazer para ajudar os países do sul, ele disse sem pestanejar: ´volte e eduque o seu povo´.

Pergunta - É possível colocar em prática esses conceitos em um planeta com seis bilhões de habitantes e uma sociedade tão complexa?

FC - Sim. Os ecossistemas também são complexos e funcionam soberbamente. O problema é que pode ser muito tarde para reconhecermos a necessidade da sustentabilidade. Eu decidi não ficar paralisado pelo medo de reconhecer que é muito tarde, porque passaria a trabalhar muito menos e deixaria as coisas ainda piores do que são.

Pergunta - O que o senhor quer dizer com “muito tarde”?

FC - Que podemos chegar a um ponto crítico entre 10 e 20 anos. Podemos chegar a uma situação sem volta. Eu me refiro aos danos causados pelas mudanças do clima, pelo aquecimento global, pela extinção de espécies, que tem sido tão grande que o planeta pode simplesmente nunca se recuperar.

Pergunta - O senhor diz que essa é uma hipótese ou que é algo com probabilidade grande?

FC - Não consigo dizer. Já perguntei a vários especialistas sobre o que eles pensam das chances da raça humana e coloquei suas respostas no encerramento de meu último livro, o Conexões Ocultas. Em vez de especular sobre isso, o que poderia me levar ao desespero, decidi continuar meu trabalho. Temos de fazer como o filósofo comunista italiano Antonio Gramsci: ser pessimistas na percepção do problema e otimistas na ação. O que me dá esperanças é que em meu trabalho com a teoria da complexidade descobri mudanças tremendas em determinados sistemas. E essas mudanças podem acontecer no mundo. Ainda que também possam acontecer para pior, podem também acontecer para melhor.

Pergunta - Como o senhor vê o fato de que aqueles assuntos debatidos em O Ponto de Mutação, há 20 anos, ainda estejam sendo discutidos na conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento realizada no ano passado em Joanesburgo?

FC - Vejo com perplexidade. Estamos no mesmo ponto em que estávamos no final os anos 80. E o que aconteceu desde aquela época? A revolução tecnológica. Houve tremendos avanços que produziram entusiasmo e esquecimento de outras coisas fundamentais, ao mesmo tempo em que se criou uma verdadeira fé no capitalismo global, que é extremamente destrutivo.

 

entrevista realizada para O Pasquim, gentilmente cedida pelo Jornalista Carlos Tautz - tautz@ecoagencia.com.br  © EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 - http://www.ecoagencia.com.br.


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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