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TRANSGENIA -
Geneticista Flávio Lewgoy aponta falta de pesquisa sobre efeitos no homem

EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
21-fev-03
Foto de Cláudia Viegas

O professor e geneticista Flávio Lewgoy aponta a ausência de pesquisas sobre efeitos de transgênicos aos seres humanos como o principal entrave científico à liberação dos organismos geneticamente modificados. Ele explica detalhadamente como funciona a tecnologia do DNA recombinante, na qual são utilizados inclusive antibióticos de efeitos desconhecidos para verificar alterações genéticas.

Lewgoy atua na AGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, em Porto Alegre, RS.

EcoAgência – Nos últimos dias, aumentou a pressão, principalmente movida pela grande mídia, em torno da liberação do plantio de transgênicos. Nós já estamos consumindo transgênicos?

Flávio Lewgoy – Há centenas de transgênicos aprovados que estamos consumindo sem saber. Mas os que estão em evidência e sobre os quais há pressão para a comercialização no Brasil são os RR da Monsanto, os Roundup Ready, quer dizer, prontos para receber o herbicida.

Quando se fala em controvérsias sobre transgênicos, antes de mais nada, está se falando nisto.

É claro, tem o milho, o arroz BT (Bacilus turingensis), todas culturas de grande importância no Brasil. O BT é usado em grandes culturas para combater pragas, principalmente. Existe uma lagarta que fura a espiga do milho. Tiraram a toxina da bactéria que mata a lagarta, modificaram-na, alteraram-na , e ficou o tal de BT. Nós temos um milho que está secretando a toda hora esta toxina, cujos efeitos no ser humano são desconhecidos, pois ninguém fez pesquisas com seres humanos.

E essa toxina é secretada também pela espiga e pelas raízes, vai para o solo. Pode causar problemas para a microflora do solo, isto está sendo estudado. Porém, oficialmente, este milho não está sendo consumido, mas sabe-se que está sendo utilizado nos Estados Unidos, na Argentina e no Canadá. As pesquisas com animais são nebulosas.

EcoAgência – Qual o critério para a aprovação dos transgênicos nesses países que o Sr mencionou?

Flávio Lewgoy O regulamento para aprovar os transgênicos nos Estados Unidos, por exemplo, não é o mesmo usado para agrotóxicos, remédios, enfim para substâncias e misturas que ofereçam riscos para a saúde.

Essas variedades foram aprovadas com base em relatórios de eficiência agronômica, feitos pela própria Monsanto. E o governo tem aceitado isto nesses últimos sete, oito anos anos, que é mais ou menos o prazo no qual os transgênicos entraram lá.

A pressão do governo norte-americano desregulamentador praticamente rebaixou os órgãos reguladores que tinham muito prestígio e até faziam um bom trabalho. Esse governo pressionou para que todas as objeções de órgãos e cientistas independentes fossem respondidas por meio de avaliações mais severas.

Mas o Food and Drug Administration (Agência Federal de Drogas e Alimentos) lavou as mãos. Aceitou o que a empresa (Monsanto) afirmava. A alegação mais freqüente do FDA era a da equivalência substancial, ou seja, a de que os transgênicos eram praticamente equivalentes aos produtos convencionais usados para fazer a transgenia.

EcoAgência – Quais são as pesquisas que existem hoje a respeito de alimentos geneticamente alterados?

Flávio Lewgoy Várias pessoas tentaram pesquisar na Internet sobre o assunto e descobriram que o que existe sobre transgênicos, praticamente, são pesquisas encomendadas pelas empresas. Elas são, do ponto de vista ético, consideradas sem valor. É preciso avaliação independente. E algumas poucas pesquisas que estão surgindo mais recentemente estão apontando efeitos ao meio ambiente.

Houve então episódios sobre efeitos ou de exposição de exageros nas pesquisas não independentes. Por exemplo, há as que afirmam que o RR tem um rendimento muito bom, que ele não cria super ervas, que se poderia pôr o herbicida e que, além de ele não matar, porque o gene resiste, há maior rendimento. E essa questão de não matar é um outro ponto.

EcoAgência – Quais as confusões que existem entre melhoramento genético e transgenia?

Flávio Lewgoy As empresas que produzem sementes geneticamente modificadas e muitos outros colegas meus propalam que não há diferenças entre o cruzamento ou melhoramento convencional e a transgenia. Ou então eles dizem que já se faz transgenia há muito tempo. É bom recapitular, então. A genética mendeliana foi a descoberta de leis básicas.

Hoje já é bem diferente. E o desenvolvimento da genética que veio logo depois não chegou a ser transgenia. A transgenia é uma tecnologia que a natureza também faz, e isso é um argumento usado por quem quer liberar os transgênicos de qualquer forma. Por exemplo, árvores que têm um tumor, uma saliência. Aquilo é transmitido por um inseto, ele suga a seiva da árvore e transmite uma bactéria que injeta o seu DNA no vegetal, a tal de Gália. Esse mecanismo foi descoberto. Mas a Gália é uma raridade, faz isso com poucos vegetais. E também não mata a árvore. Fica a protuberância, uma espécie de tumor benigno em árvores como jacarandás, por exemplo.

A transgenia atualmente segue a tecnologia do DNA recombinante.

EcoAgência – Como funciona a tecnologia do DNA recombinante?

Flávio Lewgoy São disparadas bolinhas de metal, pequeníssimas, revestidas com essas seqüências de DNA que eles retiram da parte que interessa do genoma, do micróbio, do animal ou de outra planta, e fazem uma colagem. A tecnologia permite isso: colar pedaços do DNA uma nos outros. Uma vez feito isso, eles clonam, injetam em bactérias, incorporam no DNA da bactéria, e cada vez que a bactéria se reproduz, o que ela faz a cada meia hora, mais ou menos, ela gera milhões de bactérias com o DNA alterado. Então, eles extraem o DNA da bactéria, cortam novamente, e então têm muitas seqüências dessas repetidas.

Eles revestem bolinhas de metal, microscópicas, com essas seqüências, e as disparam com uma espécie de canhão, um dispositivo que é como um eletroímã, que dispara e acelera essas bolinhas contra uma cultura vegetal, que poderia ser animal, só que, se fosse animal, não funcionaria. De mais ou menos mil disparos, um ou dois funcionam. E desses um ou dois ou até três – isso varia muito – mais ou menos 2% a 5% consegue chegar ao núcleo da célula.Então, é um processo muito aleatório, mas pode ser feito em qualquer laboratório.

E eles colam também um antibiótico nesse DNA. É o que eles chamam de gene repórter ou sinalizador, muito resistente ao antibiótico. É uma enzima que cliva o antibiótico. Existem nesse processo, os promotores, que fazem com que a toda hora o gene se replique, fabrique a proteína que se quer que ele fabrique. O DNA se transforma em RNA e o RNA se converte em proteínas. Esses motores são muito importantes. Normalmente são retirados do vírus do couve-flor. É importante notar que no couve-flor, esses vírus estão protegidos.

O promotor (espécie de motor genético) é incorporado com as enzimas, com outro gene tirado de outra planta e com o gene de resistência ao antibiótico.

EcoAgência – Existe segurança no uso do DNA recombinante?

Flávio LewgoyO tal DNA recombinado, na realidade, é uma colagem, algo que nunca existiu na natureza. E esse gene abre caminho, violentamente, dentro do genoma da planta. Não fica em um lugar só. Não se sabe onde vai parar. Pode parar em qualquer lugar. É um disparo no escuro. Se pegar, pegou. E eles só sabem que pegou com um outro procedimento, que se baseia, primeiro, no cultivo da célula de vegetais. Essa técnica foi desenvolvida há muito tempo.

Pode-se obter uma planta inteira de uma célula de vegetal, e isso muito antes da transgenia, já na década de 30. Então, algumas plantas que se originaram de uma única célula, vão ter o gene que eles querem, a partir da colagem. Eles dão um banho de antibiótico nessas plantas. Os genes oriundos daquela colagem, como têm resistência a antibiótico, resistem, e os que não têm, morrem. Os que crescem, eles já sabem que têm o gene que eles querem.

EcoAgência – Esse antibiótico usado no processo que o Sr. está explicando pode fazer mal à saúde?

Flávio Lewgoy A presença de antibiótico é algo que sempre foi alertada. Eles sabem que precisam encontrar alternativas para isto. Eles estão tentando substitutos, como o gene retirado de uma bactéria luminescente. Só que o uso de novas alternativas demora muito tempo. E é por isto que todos esses procedimentos, dezenas deles, são patenteados.

EcoAgência – Como pode acontecer a contaminação ambiental a partir de sementes transgênicas?

Flávio Lewgoy É importante notar que são produzidas milhares dessas sementes geneticamente alteradas. A Monsanto tem centenas de hectares de plantações de soja e de milho transgênicos licenciadas. Diz que é só para fins de pesquisa. Mas por que eles querem centenas de hectares para pesquisa? Uma dezena de hectares já seria um exagero. Isso pode contaminar o meio ambiente.

Eles dizem que não, que não há como acontecer. Mas há, sim. Se cair no solo, bactérias podem ser contaminadas por aquele DNA e passá-lo adiante, incorporar a outro organismo, e assim não se sabe o que pode acontecer. A probabilidade é sempre pequena. Mas quando se tem um processo multiplicado milhões de vezes, então a probabilidade aumenta muito, vira uma certeza.

EcoAgência – O Sr. acredita que a rotulagem pode resolver o problema da oferta de alimentos transgênicos para o consumidor?

Flávio Lewgoy A rotulagem é uma coisa tenebrosa. Nós não sabemos o que consumimos, e isso não só em relação aos transgênicos, mas em relação a outros tipos de alimentos. Na realidade, nenhum país tem uma certificação segura para alimentos. No pós-Segunda Guerra, isso se tornou um grande problema, pois, até então, os regulamentos eram principalmente sanitários para proteger a contaminação de alimentos contaminados. Os regulamentos são principalmente para prevenir doenças como salmonela, cólera etc. Nada mais que isto.

EcoAgência – Há algum estudo, mesmo que não seja com humanos, que mostre efeitos deletérios dos transgênicos?

Flávio Lewgoy Há um cientista que eu conheço, o professor Phillip Regal, de Minnesotta (EUA), ele, no início, era um entusiasta dos transgênicos e era consultado inclusive com relação à regulamentação, por ser considerado uma grande autoridade. Mas ele também é biólogo molecular e começou a estudar a segurança dos transgênicos. E se convenceu de que pode dar câncer.

EcoAgência – Como ele chegou a essa conclusão?

Flávio Lewgoy – Por causa do promotor do vírus da couve-flor. Esse promotor é um motor genético. É capaz de propelir qualquer gene. Então, se salta para dentro de uma pessoa (o que pode acontecer), e se ela tem alguns tumores em estado latentes(o que todos nós temos), começa a reproduzir esses tumores. É como se um motor de Fusca, ou seja, as células adormecidas de um tumor, fosse acelerado por um motor de Fórmula-1. Note bem que, no couve-flor não-transgênico, esse vírus é inerte, pois não houve mudança genética.

EcoAgência – É possível comparar os organismos geneticamente modificados aos poluentes orgânicos persistentes?

Flávio Lewgoy De uma certa forma, sim, porque um DNA não pode ser recolhido quando é lançado ao meio ambiente. Ele fica lá.

Para saber mais sobre efeitos das culturas transgênicas ao meio ambiente e sobre os mitos da superprodutividade com transgênicos:

Texto e reportagem de Cláudia Viegas - claudia@ecoagencia.com.br 
Esta matéria pode ser transcrita desde que creditada à autora e à EcoAgência - www.ecoagencia.com.br.

Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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