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JAPÃO - Divergência marca o início do Fórum Mundial das Águas
ONGs querem declarar o acesso à água como direito humano; corporações e agências voltam a defender megaprojetos

EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
16-mar-03

Carlos Tautz*

O Terceiro Forum Mundial das Águas começou ontem em Quioto, no Japão, sob a marca da divergência. De um lado estão as agências multilaterais de financiamento, promotoras do evento, que estimulam investimentos privados para atender a mais de 2,4 bilhões de pessoas que em todo o mundo não têm saneamento. De outro, ficam as organizações não- governamentais que defendem que o acesso a uma cota mínima de 50 litros de água por dia seja declarado como um direito de todos os seres humanos.

"Água potável é um direito humano e não apenas uma necessidade", ressalta a advogada Maude Barlow, diretora da organização não governamental canadense Conselho de Cidadãos. "Essa não é somente uma diferença semântica. Necessidades podem ser supridas por empresas privadas que cobram caro pela prestação desse serviço e passam a ser proprietárias dos recursos hidricos. Mas, direitos são inegociáveis. Precisam ser respeitados", afirma. Maude é uma das líderes do movimento por uma nova ordem internacional dos recursos hidricos e as cotas mínimas.

O Brasil vai defender no Fórum uma terceira posição, segundo o secretario de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Josco Bosco Senra. O Pais sustenta que o líquido é um "bem social", sobre o qual as nações devem exercer sua soberania.

A mudança de paradigma sobre a propriedade e gestão dos recursos hídricos reflete a contestação internacional da globalização. As duas edições anteriores do Forum aconteceram no Marrocos (1997) e na Holanda (2000), quando as propostas de privatização e desregulamentação orientavam governos e investidores.

Mas, em 2000, a ONU aprovou oito Metas de Desenvolvimento do Milênio, que prevêem a redução da miséria até 2025, e declarou 2003 o Ano Internacional da Água Potável. As duas decisões estimularam ONGs a defenderem o acesso à água de boa qualidade como direito de qualquer pessoa - o que a própria ONU faz apenas formalmente.

Em paralelo, aprofundou-se a chamada "crise global da agua", uma complexa e trágica combinação de poluição dos mananciais, desperdicio na distribuição e uso final, e privatização dos recursos hídricos. A crise levou ecologistas a afirmarem que a questão hídrica é um problema ambiental tão grave quanto o das mudanças climáticas. Por coincidência, a cidade que se realiza o Forum é a mesma em que foi assinado o acordo internacional para redução de emissão de gases causadores de Efeito Estufa, o Protocolo de Quioto, em 1997.

A ONU avalia que os 50 litros de água é o mínimo que atende às exigências diárias de cada ser humano: cinco litros para ingestão direta; 20 para higiene e saneamento; 15 para banho; e 10 para preparação dos alimentos. As Nações Unidas querem diminuir à metade, até 2015, o percentual da população do globo que não tem acesso a pelo menos esses volumes diários.

A forma de atingir essa meta é o grande nó do Fórum. Maude Barlow denuncia que grandes corporações, principalmente européias, valem-se desses direitos (ou "necessidades") para controlar a propriedade e os meios de distribuição da água potável no planeta.

Essas corporações receberiam o apoio do Banco Mundial (Bird), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), para imporem aos países em desenvolvimento um modelo de fornecimento de água que tira das comunidades locais a capacidade de gestão de seus recursos hídricos.

Um dos alvos das críticas das ONGs, o Banco Mundial divulga hoje a sua nova política para financiamento de empreendimentos hídricos. Ian Johnson, vice-presidente do Banco para desenvolvimento sustentável, vai anunciar que a entidade aumentará o volume de recursos destinados a projetos relacionados à agua, como geração de energia, saneamento e irrigação, que já consomem 17% do orçamento do Banco.

Outro objeto de critica das ONGs é o documento "Financiando água para todos", elaborado pelo ex-diretor-executivo do FMI, Michel Camdessus, para o Conselho Mundial das Águas (CMA), uma espécie de ONG das agências multilateriais como a OMC e o Bird. O texto de Camdessus propõe medidas financeiras para viabilizar os serviços de água, mas não faz referência à cota mínima.

Esse fato preocupa o americano Patrick McCully, diretor da Rede Internacional de Rios (IRN, por sua sigla em inglês), um coletivo internacional de ONGs que conseguiu impedir que o Eximbank dos Estados Unidos financiasse a construção da megahidrelétrica chinesa Três Gargantas. "Por trás da proposta de Camdessus está a defesa da privatização", ataca MacCully. Segundo ele, o texto vai servir de base informal para o Forum de Quioto e para a reunião do G-7, que acontecerá em junho na cidade francesa de Evian. Esta, a propósito, também é uma das marcas de água mineral mais consumidas na França.

*O repórter da EcoAgência viajou ao Fórum Social das Águas à convite da Fundação Ford.  tautz@ecoagencia.com.br  © EcoAgência de Notícias


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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