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AMAZÔNIA: Entidades entregam ao governo proposta que inova produção rural

Sociedade civil formula programa para a produção familiar que prevê conversão de técnicas predatórias e remuneração por serviços ambientais prestados

O governo federal tem em mãos uma proposta que pode contribuir de forma relevante para diminuir os índices anuais de desmatamento na Amazônia brasileira. E, ao mesmo tempo, garantir a segurança alimentar e melhorar a renda de uma população estimada em 2,5 milhões de pessoas que vivem dentro ou nas bordas da floresta. O tamanho de seu nome - Programa de Desenvolvimento Sócio-Ambiental da Produção Familiar Rural na Amazônia - é um indicativo do desafio que tem pela frente: converter práticas convencionais de uso da terra em práticas adaptadas às condições amazônicas, de forma que conciliem as “múltiplas funções da produção familiar rural”. Entre as instituições que a conceberam, a proposta tem nome mais singelo: Proambiente.

A valorização dessas múltiplas funções da produção familiar rural é um dos conceitos básicos apropriado pelas instituições que formularam o Proambiente. Nessa abordagem, o espaço produtivo é visto como território onde se processam várias funções benéficas não apenas ao próprio produtor, mas também àqueles que vivem além dos limites da unidade produtiva. São benefícios sociais, ambientais e econômicos conjugados.

Exemplos, apontados pelos proponentes do projeto: a) fortalecimento da segurança alimentar, já que, de acordo com o Censo Agropecuário de 1996, 58% do valor bruto da produção na região Norte vem da produção familiar – que, no entanto, recebia, à época desse censo, apenas 38% do financiamento destinado à agricultura; b) visão de longo prazo das potencialidades produtivas do meio natural, assumindo-o como “patrimônio familiar”; c) vocação para valorizar a diversidade através de policultivos, distribuindo as atividades produtivas de forma equilibrada no tempo e no espaço; d) gera empregos e tem impacto positivo na movimentação da economia local.

Serviços ambientais coletivos

Mas é do ponto de vista ambiental que o Proambiente marca sua diferença, ao introduzir, no âmbito das políticas oficiais para a Amazônia, o conceito de “prestação de serviços ambientais”. Sob essa noção, os produtores familiares que aderissem ao programa assumiriam compromissos com o manejo sustentável de suas propriedades, eliminando técnicas nocivas ao meio ambiente, como o uso do fogo e de agrotóxicos, e planejando o uso dos recursos naturais das propriedades – ou, das “unidades produtivas”, como preferem os proponentes do programa, já que seringueiros e índios têm a posse coletiva da terra - de forma a minimizar o desmatamento e a manter a reserva legal e a área de preservação permanente, conforme determina o Código Florestal (Lei nº 4.771/65).

Essa mudança, no entanto, tem custos. Hoje, face às dificuldades de apoio técnico, de acesso ao crédito e à precariedade da infra-estrutura disponível na região, a rentabilidade da produção familiar advém de práticas danosas ao meio ambiente, como a itinerância da produção – que gera desmatamento -, o uso do fogo e de agrotóxicos no manejo de roçados e pastos. O Proambiente enfrenta o problema propondo a criação de um fundo – o Fundo Sócio-Ambiental - que remuneraria os produtores pelos serviços ambientais prestados, propiciando-lhes a oportunidade de financiar a conversão para o uso sustentável de forma gradativa.

Como toda a lógica do Proambiente está fundamentada na participação coletiva, a territorialidade básica do programa é o “pólo” – uma área composta por entre 250 e 500 unidades produtivas -, e não a propriedade individual. O pólo é o espaço de planejamento coletivo da produção, consubstanciado no Plano de Desenvolvimento do Pólo, um pacto entre os produtores em torno de objetivos orientados pelo Programa, e é integrado pelos Planos de Utilização da Propriedade. “Como o tamanho médio da propriedade rural na Amazônia é de 50 hectares, reunir várias unidades permite conseguir um grau maior de agregação de benefícios, tanto ambientais quanto econômicos”, explica o engenheiro agrônomo Márcio Hirata, secretário-executivo da equipe que formulou o programa.

Certificação e monitoramento

Pelo desenho do Proambiente, os serviços ambientais prestados pelos produtores familiares dividem-se em duas categorias: a) serviços com indicadores diretos, relacionados ao ciclo do carbono atmosférico, que decorrem do desmatamento evitado e da absorção (ou “seqüestro”) de carbono, e que têm a biomassa como indicador; b) serviços com indicadores indiretos, que se referem aos impactos benéficos das mudanças nas técnicas de manejo sobre a qualidade da água, dos solos, da biodiversidade e a redução do risco de fogo.

A aferição dos resultados para uma e outra categoria seria realizada por instituições certificadoras, escolhidas pelo conselho gestor do programa, combinando monitoramento via satélite com visitas de campo e relatórios comunitários, preparados pelos produtores, cujas informações seriam checadas in loco por amostragem.

Após o monitoramento e as auditorias de campo, e confirmado o cumprimento dos acordos comunitários do pólo, os beneficiários receberiam a Cédula de Certificação de Serviços Ambientais, que daria direito ao uso de um selo do Proambiente e à remuneração pelos serviços ambientais prestados, equivalente a meio salário mínimo por mês ao longo de um ano. Os serviços de monitoramento e de certificação seriam custeados por outro fundo, o Fundo de Apoio, que também financiaria a organização dos produtores e os serviços qualificados de assistência técnica e de extensão rural – cuja deficiência é responsável pelo fracasso de muitas iniciativas promissoras entre produtores familiares da região.

Poluidor ajuda a pagar a conta

Outra inovação, para as políticas governamentais brasileiras, trazida pelo Proambiente refere-se à origem dos recursos para abastecer o Fundo Sócio-Ambiental, que remunera os serviços ambientais prestados pelos pólos. A proposta defende que o fundo seja constituído parcialmente com recursos do Tesouro Nacional, via orçamento, a fim de assegurar uma quota mínima, de segurança, para seu funcionamento.

Porém, teria como fontes adicionais recursos provenientes de empresas com passivos sociais e ambientais. Para remunerar os serviços ambientais com indicadores diretos – desmatamento evitado e seqüestro de carbono atmosférico -, o Fundo Sócio-Ambiental teria como fonte complementar a venda de créditos de carbono no mercado mundial - conforme previsto pelo Protocolo de Kyoto, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). No caso dos serviços com indicadores indiretos – água, solo e biodiversidade -, o Fundo seria complementado por taxas cobradas de empreendimentos que gerem impactos negativos sobre esses componentes, como usinas hidrelétricas, empresas de papel e celulose e indústrias que lancem dejetos químicos no ambiente.

A proposta do Proambiente foi entregue formalmente a representantes dos ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura no último dia 15 de abril, em um evento na Câmara dos Deputados, por entidades que agregam produtores familiares, populações extrativistas e indígenas da Amazônia. A proposta não é totalmente estranha ao governo, já que teve o apoio de alguns ministérios ao longo dos três anos que levou para ser construída. Mas, com o recebimento formal, o governo federal assume o compromisso de dar conseqüência a esse esforço. Por isso, nos próximos dias serão criados dois grupos de trabalho, incumbidos de definir os meios necessários para institucionalizar esse projeto da sociedade civil como política de governo.

(Marco Antonio Gonçalves, marcoantonio@ecoagencia.com.br)

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Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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