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Pobres, crianças e idosos são os mais afetados pela poluição do ar

Entrevista: Helena Ribeiro

 

EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
25-jul-03

As crianças e os idosos são os mais afetados pela poluição do ar, assim como os moradores de regiões mais pobres. O alerta é da Dra. Helena Ribeiro, professora associada do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Para a especialista, o ozônio formado a partir dos gases lançados pelos automóveis é o poluente que mais preocupa. Nesta entrevista, ela revela que os efeitos da poluição na saúde humana permanecem mesmo em zonas onde o ar ficou mais limpo.

A Dra. Helena Ribeiro participou da Mesa Redonda sobre Qualidade do Ar e Saúde Pública no 3º Congresso Interamericano de Qualidade do Ar que acontece no campus da Universidade Luterana do Brasil em Canoas (RS), promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Segundo ela, os principais problemas decorrentes dos poluentes atmosféricos são oftálmicos, dermatológicos, gastrointestinais, cardiovasculares, pulmonares e alguns tipos de câncer.

“Alguns efeitos sobre o sistema nervoso também foram detectados após exposição a altos níveis de monóxido de carbono no ar. Além disso, efeitos indiretos podem ser apontados em decorrência de alterações climáticas provocadas pela poluição do ar. Um aumento na temperatura do ar tem impactos na distribuição da flora e da fauna e, conseqüentemente, influencia a distribuição de doenças transmitidas por vetores”, informa Helena Ribeiro.

EcoAgência: Como é possível descobrir se a causa de uma morte é a poluição atmosférica?

Helena Ribeiro: Tem uma dificuldade para avaliar as mortes por poluição do ar. Qualquer doença ou mortalidade tem uma causalidade múltipla. Tem vários outros fatores que interferem. Os primeiros estudos que avaliaram mortalidade e poluição do ar se basearam em episódios críticos como o ocorrido em Londres na década de 50, quando falaram que 4 mil pessoas morreram por conta da poluição naqueles dias. Eram conhecidos os números de mortalidade diária e naquela semana em que a poluição esteve muito acima viram quantas pessoas a mais tinham morrido. Hoje em dia é mais difícil fazer esta medição, pois aqueles episódios críticos praticamente desapareceram no mundo todo. Atualmente são poucas as cidades onde os padrões de qualidade estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde são ultrapassados durante muitos dias.

EcoAgência: Onde estes padrões são ultrapassados com mais freqüência?

Helena Ribeiro: Estes padrões da OMS são ultrapassados basicamente em países em desenvolvimento. Aí entram outras questões. Fica difícil separar o fumo, as variáveis sócio-econômicas, a poluição do ambiente de trabalho, o ar ambiental. A metodologia tem tentado separar estas variáveis. Neste sentido as crianças são muito estudadas, pois elas são mais suscetíveis à poluição do ar.

EcoAgência: Por que a poluição do ar afeta mais as crianças?

Helena Ribeiro: As crianças são mais ativas. O metabolismo é mais rápido. Elas acabam inalando mais poluentes. E ficam mais tempo fora de casa. Nas crianças você não têm as outras variáveis que poderiam estar causando estas mortes, que é o fumo, a poluição ocupacional. Tem se trabalhando muito com idosos também. Eles são uma população de risco maior, assim como as crianças. Pode ser que durante a sua vida eles podem ter sido submetidos a outros fatores que tenham causado doenças respiratórias. Por outro lado os estudos mais recentes têm mostrado que não precisam ser episódios muito críticos de poluição do ar, mas um aumento pequeno nos números de poluentes no ar acaba levando a uma maior mortalidade de idosos naqueles dias.

EcoAgência: Existe algum estudo no Brasil que mostre esta relação direta entre o aumento da mortalidade entre idosos em dias de maior poluição do ar?

Helena Ribeiro: Estudos realizados na década de 90 em São Paulo mostram que um aumento de 100 microgramas por m³ de material particulado no ar pode levar a um aumento significativo de mortes de idosos. Um trabalho do professor Paulo Saldiva da Faculdade de Medicina da USP registrou um aumento de 8 mil mortos por conta de dias com maior poluição do ar durante o ano. Hoje em dia tem se refinado estudos estatísticos tentando verificar conforme aumenta a poluição como aumenta a curva da mortalidade de idosos. O que se verificou também é que não é só mortalidade por causa respiratória, como se estudava nos primeiros anos. Hoje em dia se vê também mortalidade por causa cardiovascular.

EcoAgência: Qual a relação entre a poluição do ar e problemas do coração?

Helena Ribeiro: O idoso ou o cardíaco tem o sistema cardiovascular sobrecarregado em dias de poluição do ar. Para inalar a mesma quantidade de oxigênio, quando o ar está com a composição alterada aquele sistema precisa trabalhar com um esforço maior o que pode levar a uma parada cardíaca. Outra tese interessante defendida na Medicina da USP no ano passado, da Cristina Haddad Martins. Ela pegou a mesma poluição nos bairros de maior e menor renda. E nos de maior renda quase não há aumento da mortalidade. Mas nos mais pobres chega a ter um aumento de 15% da mortalidade de idosos. Pode ser devido ao fator sócio-econômico, que faz com que a pessoa seja mais vulnerável, ela tem uma alimentação pior. Mas pode ser também um pior atendimento médico, mas difícil nos bairros pobres e a pessoa morre porque não tem um atendimento rápido. Nos bairros ricos quando uma pessoa tem uma crise de enfisema ela consegue ir ao Pronto Socorro e não morre.

EcoAgência: Quais são os poluentes que causam mais problemas de saúde?

Helena Ribeiro: Todos os poluentes fazem mal a saúde, principalmente quando estão em níveis elevados. Apesar do grande aumento da frota de automóveis, a gente conseguiu diminuir e de certa forma controlar a poluição nas cidades brasileiras. Falo com base no que aconteceu em São Paulo. Na década de 70, quando começou o controle da poluição, para a década de 90 houve uma diminuição bastante grande dos poluentes. Há três décadas anos você tinha às vezes 200 dias no ano em que o padrão era ultrapassado. Hoje em dia são raros os dias do ano em que isso acontece. Houve uma atuação firme nas indústrias e mais recentemente nos automóveis. O que acontece é que houve um aumento muito grande na frota. Então apesar de cada carro poluir muito menos, este aumento da frota acaba neutralizando um pouco. Nos bairros da periferia a poluição é mais alta, pois os carros são mais antigos.

EcoAgência: Qual o poluente do ar que mais preocupa em São Paulo?

Helena Ribeiro: O problema principal em São Paulo é o ozônio. Ele é um poluente veicular secundário, pois é formado na atmosfera na presença da luz solar. Por isso é chamado poluente fotoquímico. É mais difícil controlar na fonte porque ele depende de fatores climáticos também. O controle do automóvel é mais difícil porque ele depende de ações individuais. É diferente do que era o controle da indústria. Você fiscalizava, multava e em pouco tempo a empresa tinha que se adequar. Já o automóvel depende do comportamento da pessoa, precisa ter um investimento em transporte público para poder exigir que as pessoas não andem de automóvel. Pode ter atitudes talvez anti-democráticas permitindo que só carros que não poluam saiam às ruas, penalizando a população mais pobre. Depende de vários setores, não é só o setor ambiental que preciso controlar a poluição do veículo. Precisa estar integrado ao setor de infra-estrutura viária, ao transporte público, à educação, ao funcionamento do comércio.

EcoAgência: Qual o efeito do ozônio fotoquímico na saúde humana?

Helena Ribeiro: Ele é irritante. Causa doenças respiratórias, oftálmicas, pode agravar infecções. A pele também é afetada. Como todas as doenças tem uma causalidade múltipla, fica difícil separar e afirmar que é o ozônio o responsável.

EcoAgência: Apesar da diminuição de dias com níveis críticos de poluição, os poluentes ainda estão presentes. É possível monitorar o efeito desta poluição crônica e do coquetel de substâncias químicas que permanece no ar?

Helena Ribeiro: Este é um problema. A metodologia sempre tentou isolar todos os fatores e deixar só a poluição. Acontece que a pessoa não está isolada. A idéia hoje é ver o ambiente atmosférico como um todo. As próprias mudanças climáticas que ocorrem junto com a poluição do ar. Você pode ter um aquecimento das cidades, e isso pode levar a outros fatores, como o aumento da chuva, mais alagamentos. Outro ponto que estamos tentando estudar é o efeito a longo prazo, o efeito crônico. No curto prazo pode ter diminuído o número de internações por doenças respiratórias, mas pode ainda a longo prazo estar causando um número maior de alergias ou enfisemas.

EcoAgência: Os efeitos da poluição permanecem no organismo mesmo quando há redução destes poluentes?

Helena Ribeiro: Eu realizei um estudo no final da década de 80 em São Paulo. Selecionei três áreas, uma sem poluição, uma com poluição média e a outra muito poluída. Eu examinei crianças. Queixas de sintomas de doenças respiratórias. Na região mais poluída, que era o Tatuapé, você tinha uma prevalência muito mais alta de sintoma de doenças respiratórias. Em 98, dez anos depois, eu refiz o estudo. Fui nas mesmas escolas. No Tatuapé a poluição diminuiu muito nesta década. A prevalência de sintoma de doenças respiratórias diminuiu bastante também. Mas a curva de mortalidade de idosos ainda é muito mais alta que nos outros bairros. As pessoas que estiveram sujeitas aquela poluição na idade adulta continuam morrendo por enfisema.

EcoAgência: Como a imprensa trata dos riscos da poluição do ar à saúde pública?

Helena Ribeiro: Quando se agrava a poluição do ar em São Paulo no inverno, por conta de fenômenos climáticos, como a ausência de chuva, inversões térmicas e temperaturas mais frias, aumenta o número de doentes. Nesta época a imprensa tem muita motivação de fazer entrevistas, divulgar estudos. Quando passa o inverno desaparece o interesse.

EcoAgência: E qual deveria ser a abordagem correta da imprensa?

Helena Ribeiro: Seria importante mostrar esta relação com as pessoas. Uma coisa é dizer que o vilão é o automóvel. Mas ele é adquirido e usado pelas pessoas. E normalmente não se estabelece esta relação entre o meu comportamento pessoal e o efeito que eu trago para a cidade. Freqüentemente existe aquela pressão de que o carro é ruim por causa do trânsito, do engavetamento e isso traz um ônus para a Prefeitura, precisa fazer fluir. Mas se discute pouco a relação disso com a poluição do ar, com as doenças. Os efeitos da poluição normalmente são arcados pelo setor da saúde. Mas quem decide as outras políticas são outros setores. Há pouca conversa entre os diferentes setores de governo também. A imprensa pode chamar mais este diálogo.

 

Jornalista Roberto Villar Belmonte - roberto@ecoagencia.com.br para a EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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