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Trabalhadores são indicadores para a Saúde Pública

"Os trabalhadores são os nossos canarinhos"

EXCLUSIVO - EcoAgência de Notícias
26-jul-03

A relação entre saúde pública e meio ambiente tem como interface a saúde ocupacional, já que os trabalhadores são indicadores das condições ambientais, por estarem, de modo geral, expostos intensivamente a agentes causadores de doenças. A avaliação é dos especialistas que participaram, na manhã de ontem (25/7), do painel principal do último dia do 3° Congresso Interamericano de Qualidade do Ar, realizado no campus da Ulbra, em Canoas, no Rio Grande do Sul.

“Há cerca de dois meses, uma nuvem cinza cobriu o céu de Angra dos Reis (RJ) e ninguém percebeu, num primeiro momento, qual era exatamente o problema: toneladas de concentrado de cinzas, provenientes de um carregamento de zinco da empresa Votorantim, que há mais de 20 anos vem realizando esta mesma operação. Isto mostra que não conseguimos notar como as condições de trabalho influenciam não só a saúde do trabalhador, mas a saúde pública e o meio ambiente”, assinalou o doutor em Saúde Pública pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, Hermano de Castro Albuquerque. Segundo ele, “um processo de trabalho de uma empresa de grande porte, como a Companhia Siderúrgica Nacional, por exemplo, empregando benzeno, pode contaminar toda uma cidade”.

Os trabalhadores são os nossos canarinhos. Eles indicam quando as condições ambientais estão ruins”, assinalou o médico Danilo Costa, coordenador geral de políticas de saúde e segurança do trabalho do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho (DSST) do Ministério do Trabalho. Costa relatou a luta dos trabalhadores em minas contra a intoxicação pelo benzeno, lembrando que, graças a ela, hoje existe pelo menos uma legislação de controle à concentração dessa substância na gasolina e no álcool. “Houve uma epidemia de benzenismo (doença causada pela exposição excessiva e continuada ao benzeno, que pode levar à morte por leucemia) nos anos 80”, lembrou. Desde aquela década, foram registrados três mil casos somente no setor de siderurgia, 351 no Pólo Petroquímico de Camaçari e 97 em Minas Gerais (estes entre 1989 e 1992).

O maior problema no combate às doenças ocupacionais causadas por exposição a agentes veiculados por meio do ar, como a silicose, que provoca o enrijecimento de tecidos pulmonares, e o próprio benzenismo, é a falta de dados confiáveis sobre a incidência desses males. “Não se costumam estabelecer correlações entre casos de intoxicação e o aparecimento de doenças graves”, justificou Costa.

Para ter-se uma idéia da inexistência dessa correlação e das falhas nos registros, basta verificar que, até 1993, somente nove casos de óbito por benzenismo foram anotados formalmente em todo o Brasil. As restrições legais ao uso do benzeno, conforme o médico do DSST, são fruto principalmente da mobilização social, especialmente dos sindicatos de trabalhadores. A primeira portaria estabelecendo limites a respeito do benzeno foi editada em 1982, mas a regularização dos sistemas de diagnósticos ocupacionais de benzenismo veio apenas a partir de 1986. “Tivemos avanços nos setores químico e petroquímico, mas, nas refinarias, ainda há problemas”, denunciou Costa. Segundo ele, “há um silêncio epidemiológico” em torno do assunto. “Têm sido registrados casos de leucopenia (causada pelo benzeno) em populações vizinhas às refinarias”, destacou.

Costa acredita que o setor siderúrgico é o mais refratário a melhorias nos ambientes ocupacionais quando se trata de controlar a exposição ao benzeno. “As cidades que têm siderúrgicas certamente têm problemas com relação à qualidade do ar”, resumiu: “O problema é que não são feitos diagnósticos, apesar de todas as evidências de contaminação dos trabalhadores. O problema, portanto, permanece invisível.”

GASOLINA ADULTERADA – O teor de benzeno na gasolina também é uma questão preocupante. Pela legislação atual, desde 1999 é permitida a concentração de 2% dessa substância na gasolina e de 2,5% na gasolina premium. Contudo, já foram registrados casos de 8% de concentração em alguns postos, onde a gasolina é adulterada. “Este valor é muito alto, considerando que, na Europa, o máximo é 5%”, comparou. Costa informou ainda que deverá entrar em vigor uma nova legislação referente ao limite de concentração de benzeno em produtos domossanitários. Desde 1982, eles podem incorporar até 1% do produto em sua fórmula, mas essa proporção deve cair para 0,1%.

O controle do uso irregular do benzeno é outra questão de saúde pública: “Tivemos um incêndio, em uma favela de Campinas, há dois anos, porque lá havia uma fábrica de solventes em um depósito clandestino”, contou o medico da DSST. De acordo com ele, uma nova realidade está contribuindo para piorar esta situação: “Temos postos de gasolina que estão associados ao crime organizado”.

Ao final da palestra, a ambientalista Kátia Vasconcelos, do Núcleo Amigos da Terra - Brasili, de Porto Alegre (RS), expressou publicamente as dificuldades que encontra, como coordenadora da ONG, para trabalhar as questões ambientais de forma articulada com as de saúde pública. “É muito difícil para os órgãos de licenciamento ambiental explicarem por que precisam impor limites e parâmetros, pois nem sempre fica bem entendido pela sociedade que esta necessidade existe justamente para a preservação da saúde e do meio ambiente”, concluiu.

 

Jornalista Cláudia Viegas - claudia@ecoagencia.com.br para a EcoAgência de Notícias - www.ecoagencia.com.br


Última atualização: 06 setembro, 2011 - © EcoAgência de Notícias - NEJ-RS e PANGEA
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